Opinião

ADI 4.980: o que muda para o contribuinte caso o pedido da PGR seja aceito

Autor

  • Cíntia Regina de Sanchez e Robin

    é especialista em International Taxation na Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) pós-graduada latu sensu em Direito Tributário na Pontifícia Universidade Católica (PUC) LL.M em International Taxation na Maastricht University (Holanda) e advogada no Natal & Manssur Advogados.

10 de março de 2022, 20h08

Como é cediço, a ADI 4.980 versa sobre a declaração de inconstitucionalidade do artigo 83 da Lei 9.430, de 27 de dezembro de 1996, que, mediante alteração promovida pela MP 497/10, condicionou o encaminhamento da representação fiscal para fins penais ao exaurimento do processo administrativo tributário referente aos crimes contra a ordem tributária e aos crimes contra a Previdência Social.

Desconsiderando os aspectos formais da MP 497/10 que serve de pano de fundo para a pretensa declaração de inconstitucionalidade, objetiva-se permitir a instauração de representação fiscal, antes do exaurimento do processo administrativo tributário, para aquele tido como crime formal do direito penal, qual seja, a apropriação indébita para fins previdenciários (artigo 168-A do Código Penal), o qual se consuma na data de vencimento do seu prazo para recolhimento.

Em que pese a denúncia poder ser ofertada pelo Ministério Público, independente da representação fiscal, o principal argumento a favor da declaração de inconstitucionalidade é o de que o Ministério Público prescinde das informações fiscais para ofertar a denúncia, o que só pode ocorrer mediante a representação fiscal, ora condicionada ao término do processo administrativo, nos termos do artigo 83 da Lei 9.430/96.

De fato, a procedência da ADI 4.980 poderia inibir a consumação da prescrição prevista no direito penal, uma vez ofertada a denúncia tempestivamente. Sobretudo, e ao contrário de outros delitos de natureza tributária, a apropriação indébita se consuma na data de vencimento do prazo para recolhimento do valor da obrigação tributária, o que, a princípio, justificaria a desnecessidade de exaurimento do procedimento administrativo tributário.

Por outro lado, não se pode olvidar que, tratando-se apropriação indébita praticada por uma pessoa jurídica, a denúncia deverá ser procedida em face de uma pessoa física, para quem, supostamente, se imputa a culpabilidade do crime.

De antemão, constata-se, portanto, que não obstante a consumação do delito de apropriação indébita a sua "culpabilidade" para fins penais deverá, obrigatoriamente, ser imputada à pessoa diversa do contribuinte de fato, investigação esta que não foi exaurida no processo administrativo tributário a fim de embasar uma denúncia para fins penais.

Como se sabe, tratando-se de delito tributário a corresponsabilidade é auferida pelo agente fiscalizador tomando-se a figura do administrador ou diretor da empresa. Como judicante do direito tributário, verifico rotineiramente o lançamento tributário em face dos administradores do contribuinte, antes mesmo de qualquer dilação probatória tendente a demonstrar que os mesmos, não agiram com despeito a lei, estatuto, contrato social ou com abuso de poder.

Sobretudo, há casos em que esse administrador sequer tinha poderes à época dos fatos geradores da exação, situação esta que somente é demonstrada no decorrer do processo administrativo tributário.

Da forma como se pretende pela malsinada ADI, a denúncia poderá ocorrer a qualquer corresponsável pela exação tributária, antes mesmo de qualquer dilação probatória em contrário. Em outras palavras, um administrador pode ser alvo de uma ação penal, com regramentos próprios, por mera presunção de um agente fiscalizador que verificou a falta de repasse de contribuições previdenciárias.

Não se está aqui defendendo a ausência de gravidade do crime de apropriação indébita, mas tão somente sopesando-se a culpabilidade da figura eleita pela fiscalização, para responder a um processo penal. Em assim sendo, é possível concluir, sem maiores delongas, que o Ministério Publico estará na eminência de denunciar pessoas que sequer tem relação com o delito, simplesmente pela falta de exaurimento do processo administrativo.

Sobretudo, se depositará um poder indevido à figura do agente fiscalizador que, a pretenso de contribuir com o Ministério Público, poderá agir de forma arbitrária em face de pessoas físicas que tenham relação com o contribuinte de fato, mas que não sejam "culpadas" pelo crime, aumentando desnecessariamente o contencioso penal e prejudicando administradores de boa-fé.

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  • Brave

    é advogada do Natal e Manssur Advogados, especialista em International Taxation na Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP), pós-graduada Latu sensu em Direito Tributário na Pontifícia Universidade Católica (PUC) e LL.M em International Taxation na Maastricht University (Holanda).

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