Prática Trabalhista

A notificação inicial no processo do trabalho e a (in)segurança jurídica

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

10 de março de 2022, 8h00

Um assunto que tem criado inúmeras polêmicas atualmente diz respeito à notificação inicial no processo do trabalho.

O sistema E-carta é uma ferramenta que vem sendo utilizada através de um convênio firmado entre a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) e os Tribunais, visando, fundamentalmente, o envio de documentos, intimações, citações, entre outros [1], serviço esse prestado diretamente pelos Correios.

O objetivo de tal serviço é, em síntese, tornar mais célere e eficaz a comunicação com os órgãos públicos, assim como reduzir gastos com despesas processuais. A ferramenta, desde então, passou a ser utilizada por algumas instituições do Poder Judiciário [2].

Ocorre que alguns tribunais se utilizam deste sistema para o envio da correspondência mediante carta simples, sem o respectivo rastreio, e não disponibilizam a data de entrega devido ao corte orçamentário.

Do ponto de vista legal, o artigo 841, §1º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) preceitua que "a notificação será feita em registro postal com franquia. Se o reclamado criar embaraços ao seu recebimento ou não for encontrado, far-se-á a notificação por edital, inserto no jornal oficial ou no que publicar o expediente forense, ou, na falta, afixado na sede da Junta ou Juízo".

Dito isso, impende destacar que esta temática tem se revelado uma problemática constante no dia a dia forense, principalmente em se tratando da citação inicial, haja vista os problemas corriqueiros apresentados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.

Em São Paulo, por exemplo, durante o período da pandemia, a Fundação Procon registrou que houve um aumento de 400% das reclamações contra a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos pelo não fornecimento adequado do serviço [3].

Lado outro, no estado do Rio de Janeiro, o Procon-RJ apontou um aumento de 339% de alta nas queixas, e, por isso, houve a instauração de processo de investigação visando averiguar as supostas falhas [4].

Aliás, na Região dos Lagos do Rio, o Procon de Cabo Frio, após captar inúmeras denúncias, chegou a penalizar a Empresa de Correios e Telégrafos, na medida em que dentre as reclamações constam várias narrativas de tentativas de entregas que, porém, nunca aconteceram [5].

Já no norte do Paraná, a falha do serviço dos Correios acarretou revolta de pessoas que perderam dia e horário de consultas médicas, após um longo período de espera, dado o atraso da entrega da correspondência [6].

E, mais, no sudeste do Pará, houve recomendação do Ministério Público Federal para que os Correios melhorassem a estrutura de suas unidades, pois, além de falta de segurança do local, os serviços eram prestados de forma ineficiente [7].

A par de todo esse cenário e, volvendo-se a questão de ordem jurídica, é oportuno frisar que a empresa, uma vez citada e que não apresenta a defesa em juízo no momento oportuno, poderá ela sofrer os efeitos da revelia, gerando graves consequências processuais.

Nesse sentido, oportunos são os ensinamentos de Mauro Schiavi [8]:

"Diariamente, constatamos nas Varas do Trabalho que os processos em que há revelia são julgados de imediato, muitas vezes, sem uma análise maior da inicial e dos documentos que a instruem. (…)

Nos grandes centros, como a capital de São Paulo, o julgamento rápido é condição de sobrevivência não só do magistrado, mas também da Vara, diante da necessidade de se dar vazão a uma quantidade sobre-humana de processos. (…)

Em razão do exposto, entendemos, salvo melhor juízo, que o Juiz do Trabalho deve ter muita cautela diante da revelia. A nosso ver, o juiz não pode prescindir das seguintes cautelas: a) verificar se o reclamado, efetivamente, foi notificado, se retornou o comprovante de entrega (SEED, ou o AR) ou se o Oficial de Justiça notificou o reclamado no endereço correto; (…)"

Portanto, considerando muitos transtornos ocorridos pelo envio de cartas simples, sem aviso de recebimento, alguns tribunais voltaram a empregar as cartas registradas com aviso de recebimento.

A título ilustrativo, no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª região, após pedidos realizados pela Ordem dos Advogados do Brasil — São Paulo, os magistrados levaram em consideração diversos embaraços criados pela ausência de confirmação da notificação [9].

De outro norte, a Ordem dos Advogados do Brasil — Alagoas pediu ao Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região que, em casos de dúvidas notificações postais, fossem expedidas as cartas com aviso de recebimento, em conformidade com norma celetista [10].

É certo que a Súmula 16 do Tribunal Superior do Trabalho dispõe que: "presume-se recebida a notificação 48 (quarenta e oito) horas depois de sua postagem. O seu não-recebimento ou a entrega após o decurso desse prazo constitui ônus de prova do destinatário". Noutro giro, a Súmula 429 do Superior Tribunal de Justiça preceitua que "a citação postal, quando autorizada por lei, exige o aviso de recebimento".

Nesse panorama, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, através da Recomendação CR nº 73/2021 [11], orientou que, diante da dificuldade de se constatar o recebimento da comunicação postal e, inobstante a presunção relativa do citado verbete sumular nº 16 do Tribunal Superior do Trabalho, mister se faz necessária a análise do caso concreto para a incidência ou não dos efeitos da revelia.

Ora, a aplicação dos efeitos da revelia, sem a certeza de ter havida a correta citação, além de acarretar prejuízos irreversíveis e penalidades severas para a empresa, afronta diretamente o princípio do contraditório e da ampla defesa (CRFB, artigo 5º, LV).

Em arremate, é forçoso lembrar que a temática exige um olhar cuidadoso, pois é imprescindível que para a formação e validade do processo não existam questionamentos quanto à regularidade da citação inicial, sob pena de ser considerada nula.

 


[1] Disponível em https://www.pje.jus.br/wiki/index.php/E-Carta. Acesso em 16/2/2022

[8] Manual de Direito Processual do Trabalho – 17 ed. rev., atual. e ampli. – Salvador: Editora JusPodivm, 2021. Página

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    é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

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    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo "O Trabalho Além do Direito do Trabalho" da Universidade de São Paulo – NTADT/USP.

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