Controvérsias Jurídicas

8 de março: dia da luta por igualdade

Autor

  • Fernando Capez

    é procurador de Justiça do MP-SP mestre pela USP doutor pela PUC autor de obras jurídicas ex-presidente da Assembleia Legislativa de SP presidente do Procon-SP e secretário de Defesa do Consumidor.

10 de março de 2022, 8h00

No último dia 8, foi comemorado o Dia Internacional da Mulher. A data ao mesmo tempo que celebra os avanços, reforça a luta contra a discriminação e a violência contra a mulher, em todas as suas formas. O reconhecimento do dia 8 de março pela ONU como data oficial deu-se em virtude da passeata histórica de 1917 das mulheres na Rússia, exigindo o fim da Primeira Grande Guerra e a melhoria das condições de trabalho, sob o slogan "Paz e Pão".

Em 1908, milhares de mulheres marcharam pelas ruas de Nova York pleiteando a redução da jornada de trabalho, melhoria de salários e direito ao voto. No ano seguinte, o Partido Socialista da América instituiu o primeiro Dia Nacional das Mulheres. A ideia de celebração de uma data de relevância internacional, surgiu em 1910, durante a Conferência Internacional das Mulheres Socialistas em Copenhague. A data foi celebrada pela primeira vez em 1911 na Dinamarca, Áustria, Suíça e Alemanha. Em 1975, comemorou-se oficialmente o Ano Internacional da Mulher e, em 1977, o 8 de março foi reconhecido oficialmente pela ONU.

Existem especulações a respeito da escolha do dia 8 de março. A corrente mais forte atribui a escolha da data à mencionada greve de 1917, em que cerca de 90 mil operárias russas foram às ruas em oposição ao czar Nicolau II e à fome provocada pela participação do país na Primeira Guerra Mundial, exigindo melhores condições de trabalho. A proporção do protesto foi tamanha que lançou a semente para a revolução bolchevique, que derrubou o regime imperial absolutista. Pelo calendário juliano, adotado à época pela Rússia, a paralisação começou no dia 23 de fevereiro, o que corresponde ao dia 8 de março no calendário gregoriano. Especula-se também que escolha dessa data se deu em razão de um suposto incêndio em uma fábrica de Nova York em 1857, ocasionado a morte de 129 operárias. Tal história, contudo, nunca foi comprovada.

Em 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Declaração Internacional de Direitos Humanos estabelecendo que todos os seres humanos são iguais em dignidade e direitos, sem distinção de gênero (artigo 1º). No mesmo ano, foram assinadas em Bogotá, a Convenção Interamericana sobre a Concessão de Direitos Civis à Mulher, outorgando-lhes os mesmos direitos civis dos homens e a Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher, estabelecendo que o direito ao voto e à eleição para um cargo nacional não poderá ser negada ou restringida em razão do sexo. Em 22 de novembro de 1969, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) estabeleceu a obrigatoriedade de respeito aos direitos e liberdades de todos os indivíduos, sem discriminação em razão do sexo (artigo 1º).

Em 1979, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres. Ratificada pelo Brasil em 1984, essa Convenção define a discriminação contra a mulher como "toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo" (artigo 1º). Dentre outras obrigações, os Estados participantes assumiram o compromisso de adotar medidas adequadas, com as sanções cabíveis, que proíbam toda discriminação contra a mulher, estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher em uma base de igualdade com os do homem e garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação (artigo 2º, itens 2 e 3).

Em 1994, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos aprovou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará). O documento define violência contra a mulher como "qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada" (artigo 1º) e traz os conceitos de violência física, sexual e psicológica (artigo 2º). Recomenda ainda a adoção de medidas destinadas a prevenir, punir e erradicar qualquer tipo de violência contra a mulher e a determinar que autoridades, agentes e instituições públicas cumpram essa obrigação (artigo 7º, a, d e f).

No Brasil, a primeira eleitora foi alistada em 1927, no Rio Grande do Norte. Celina Guimarães Viana requereu seu alistamento eleitoral com base na Constituição do Estado que não fazia distinção em razão do sexo. Entretanto, esta eleição foi anulada pelo Senado Federal com a justificativa de que se fazia necessária uma legislação específica a respeito. Em 1929, Alzira Soriano foi eleita primeira prefeita da América do Sul, na cidade de Lajes (RN). Somente em 24 de fevereiro de 1932, o então presidente Getúlio Vargas inseriu por meio de decreto a permissão do voto feminino no Código Eleitoral Brasileiro, considerando eleitor "o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo". Foi somente com a Constituição de 1934 que a população feminina teve seu direito ao voto garantido de forma definitiva, limitado, no entanto, às mulheres com empregos fixos.

Em 1962, a Lei nº 4.212/62 criou o Estatuto da Mulher Casada, dispensando a autorização dos maridos para que suas esposas pudessem trabalhar, além de instituir o direito à herança e à guarda dos filhos em caso de separação. Em 1977, foi aprovada a Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/1977) e em 1985, foi criada em São Paulo a primeira Delegacia da Mulher.

Somente no final dos anos 1980 foi conferido tratamento em nível constitucional para a igualdade entre homens e mulheres. A Constituição Federal de 1988 dispõe, em seu artigo 5º, I que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição", com o objetivo de buscar a igualdade material (real, efetiva) e não a mera igualdade formal. A busca da igualdade deve se manifestar por meio de ações concretas, em cumprimento ao dever constitucional de isonomia em seu conteúdo, que se realiza quando são respeitadas as diferenças e assegurados direitos básicos inerentes à dignidade [1]. Nesse sentido, a CF garantiu, por exemplo, a licença maternidade (artigo 7º, XVIII) e a proteção à gestante e à maternidade (artigo 201). O ADCT, por sua vez, a estabilidade da empregada gestante até a edição da Lei Complementar específica.

A linha adotada pela Constituição deixou clara a necessidade de o legislador infraconstitucional conferir tutela especial à mulher. Mesmo assim, uma das leis mais importantes relacionadas ao tema veio apenas em 2006.

A Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06) tem como missão proteger toda e qualquer mulher, no âmbito das relações domésticas e familiares, de qualquer tipo de violência, tais como: a) moral: calúnia, injúria ou difamação; b) física: qualquer ofensa à integridade ou saúde corporal da mulher; c) patrimonial: qualquer retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos; d) psicológica: ataque à autoestima ou ao pleno desenvolvimento da vítima, ou toda forma de controle sobre suas ações e decisões, mediante ameaça, humilhação, manipulação, isolamento ou vigilância constante; e) sexual: obrigando a mulher à conjunção carnal ou práticas sexuais diversas contra sua vontade, determinando a utilização ou não de métodos contraceptivos, impondo-lhe gravidez ou abortamento, ou mesmo constrangendo-a a se prostituir [2]. Além disso, essa lei dispôs sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar e trouxe alterações ao Código Penal, Processual Penal e Lei de Execução Penal, no sentido de ampliar a proteção feminina.

Em 2015, foi sancionada a Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015), que introduziu no crime de homicídio (CP, artigo 121) a qualificadora do crime contra a mulher em razão do sexo feminino, punindo o delinquente com pena de reclusão de 12 a 30 anos, independentemente da motivação fútil ou torpe, do emprego de meio cruel ou recurso que impossibilite a defesa da ofendida. A condição de mulher e o fato do homicídio relacionar-se a essa condição, por si só, configura qualificadora (CP, artigo 121, 2º, VI). Além disso, a pena será aumentada de 1/3 até a metade se o feminicídio for praticado durante a gestação, nos 3 meses posteriores ao parto, contra menor de 14, maior de 60 anos, pessoa com deficiência, na presença de descendente ou ascendente da vítima ou em descumprimento de medidas protetivas de urgência.

A inovação legislativa mais recente adveio com a Lei nº 14.188/2021, que inseriu no Código Penal o crime de violência psicológica contra a mulher (CP, artigo 147-B), punindo com reclusão de seis meses a dois anos quem "causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação".

Mesmo com toda essa evolução e o reforço do aparato legislativo, as mulheres ainda são vítimas frequentes dos mais diversos tipos de discriminação e abuso no Brasil. Segundo dados do Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH) o número de registros de delitos contra mulher triplicou. Entre 2020 e 2021, passou de 271.392 para 823.127. Isso significa que, embora muitos avanços já tenham sido conquistados, ainda resta um longo caminho a ser percorrido. Para a plena implementação de princípios constitucionais fundantes, como da dignidade da pessoa humana, da igualdade e do combate a toda e qualquer forma de discriminação, é necessário continuar a exigir do Estado, em todos os níveis e poderes, maior eficácia de suas ações, seja no plano legislativo, seja na maior estruturação de medidas de natureza executiva, seja no aperfeiçoamento do funcionamento da Justiça. É importante celebrar e homenagear as grandes mulheres que lutaram e tentaram pôr fim às injustiças, mas também continuar a luta contra a violência e a discriminação contra a mulher. O 8 de março é uma data de luta e júbilo, própria para se dizer: parabéns às mulheres pela sua coragem para enfrentar todas as diferenças que infelizmente ainda persistem em pleno século 21.

 


[1] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 29ª ed. São Paulo: Saraiva, 2022.

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