Um dos temas tributários mais destacados neste início de ano é o da cobrança de ISS das sociedades de advogados, fruto de uma desastrada modificação realizada pelo município de São Paulo através da Lei 17.719/21, que criou uma espécie de escala móvel para cobrança desse imposto. O Cesa (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados), a OAB-SP e o Sinsa ingressaram com um mandado de segurança e a liminar foi concedida pela juíza Gilsa Elena Rios, da 15ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo, afastando sua cobrança.
Quem tiver interesse sobre este caso concreto e a análise dessa específica norma municipal, deve se dirigir aos referidos pareceres e à opinião qualificada de outros colegas que analisaram o assunto, como Igor Mauler Santiago, Alexandre Evaristo Pinto e Caio Augusto Takano, e Breno de Paula e Eduardo Gonzaga Oliveira de Natal.
O foco deste artigo é outro. Não pretendo analisar a norma paulistana, pois o que havia a ser dito já consta dos documentos acima referidos. O enfoque será proativo, isto é: à luz da Constituição e do Decreto-lei 406/68, qual seria uma fórmula correta de incidência do ISS sobre as sociedades de advogados?
Antes de analisar sobre esse enfoque, dois avisos devem ser dados: (1) dizer que uma determinada fórmula é correta, não implica em afirmar que todas as outras sejam erradas, pois o direito não é uma ciência exata, admitindo múltiplas respostas corretas, sendo umas mais adequadas do que outras; (2) o texto não analisará nenhuma específica norma de incidência municipal de ISS, mas tratará apenas das normas gerais composto pela Constituição e pelo Decreto-lei 406/68, artigo 9º, §§1º e 3º, fazendo uma análise de direito positivo.
No âmbito constitucional, o artigo 156, inciso III, concede aos municípios a competência tributária para instituir o ISS, que incidirá sobre serviços de qualquer natureza, definidos em lei complementar. E o §3º do artigo 156 exige lei complementar para que sejam fixadas suas alíquotas máximas e mínimas.
No âmbito da lei complementar, que para este específico assunto é o Decreto-lei 406/68, deve-se centrar a atenção em apenas dois parágrafos do artigo 9º, cujo caput afirma ser a base de cálculo do ISS o preço do serviço.
No §1º é afirmado que, "quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho".
E no §3° consta que, quando os serviços de advocacia (dentre outros) forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao ISS "na forma do §1°, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável".
A conjugação desses dois parágrafos afirma, de forma inapelável, que (1) a tributação das sociedades de advogados (§3°) deve ser feita de forma igual ao da tributação dos advogados autônomos (§1º). E que (2) é vedada a utilização como base de cálculo "da importância paga a título de remuneração do próprio trabalho" (§1º). Essas duas afirmações são suficientes para a análise que se propõe e tratam de uma questão vinculada à isonomia.
Gostemos ou não das normas vigentes, elas equiparam a tributação do advogado autônomo à tributação das sociedades, sendo que, nestas, a tributação ocorrerá como um agregado de quantos advogados prestem serviços em nome da sociedade.
Exemplificando: se a tributação de um advogado autônomo pelo ISS é de R$ 100, a tributação de uma sociedade de advogados corresponderá à multiplicação de R$ 100 pelo número de profissionais que prestem serviços em nome da sociedade. Supondo que uma sociedade tenha 10 profissionais habilitados, o valor do ISS será de R$ 1.000. Simples assim.
Entendido dessa forma, qual o espaço federativo dos municípios em suas leis instituidoras do ISS sobre esta específica incidência? O de estabelecer o valor do ISS que incidirá sobre cada advogado autônomo, sendo vedado usar como base de cálculo a "importância paga a título de remuneração do próprio trabalho" (§1º).
Logo, no exemplo acima, o valor de R$ 100 é o que o município pode delimitar, sendo mais ou menos, porém — e isto é o ponto central da exposição — o valor terá que ser igual para os advogados autônomos e para os demais advogados reunidos em sociedade. Não pode haver distinção. O valor cobrado de um terá que ser exatamente igual ao cobrado de outro.
Repito: essa é a interpretação das normas gerais sobre o ISS acerca dessa incidência, gostemos ou não delas. Não se está tratando de uma questão de política tributária, pela qual se exporia como deveria ser a tributação nessa hipótese, mas está sendo exposto como as normas gerais de regência da matéria determinam que ela seja.
Assim, à luz das atuais normas gerais (Decreto-lei 406/68, artigo 9º, §§1º e 3º), será inconstitucional qualquer norma municipal que trate o advogado autônomo de forma desigual do advogado que trabalhe reunido em uma sociedade. Gostemos ou não do que consta das normas.