Opinião

Privacidade e direito à proteção de dados pessoais sob perspectiva de gênero

Autor

  • Débora Sirotheau

    é advogada membro titular do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade (CNPD) membro da Comissão Especial de Proteção de Dados do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) conselheira seccional e presidente da Comissão Estadual de Privacidade e Proteção de Dados Pessoais da OAB-PA.

3 de março de 2022, 18h31

No Dia Internacional da Mulher, celebrado, na maioria dos países, no dia 8 de março, data instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975 em homenagem às conquistas políticas e sociais das mulheres, e, ainda hoje, celebrada mundo afora com manifestações e protestos por igualdade de gênero [1], é preciso reconhecer as conquistas já alcançadas, mas também refletir acerca do caminho a ser percorrido, incluindo os desafios que as novas tecnologias impõem à privacidade das mulheres.

Em pleno século 21, na era da informação, as mulheres ainda são minoria nos espaços públicos e privados de poder.  No ambiente de trabalho, são, muitas vezes, preteridas em uma ascensão profissional em decorrência de serem mães, mães solteiras ou mesmo pelo fato de estarem em idade fértil, sendo, portanto, discriminadas com base em dados (pessoais) que não possuem qualquer pertinência com o desempenho profissional e não deveriam embasar tal decisão.

Com a acelerada transformação digital, é possível constatar que as discriminações existentes no mundo offline estão migrando de forma ainda mais acentuada, face a imensa capacidade de processamento e cruzamento de dados pessoais, para o mundo digital.  O famoso algoritmo para recrutamento de candidatos da Amazon [2] que possuía vieses discriminatórios em relação às mulheres e após essa constatação, teve seu uso descontinuado é apenas um dos muitos exemplos de discriminação algorítmica por questões de gênero.

As mulheres são também alvo crescente de violência digital: compartilhamento de fotos íntimas, perseguição [3] e ameaças. Durante o período pandêmico, com a intensificação das atividades online, houve um aumento significativo em relação ao uso de aplicativos de espionagem e perseguição, os chamados stalkerwares [4].

Tratar a privacidade e a proteção de dados pessoais sob uma perspectiva de gênero é fundamental para enfrentarmos a discriminação e a insegurança digital experienciada pelas mulheres.  É preciso que a privacidade seja garantida por desenho e por padrão nas plataformas, aplicativos, sites, sistemas e serviços disponíveis digitalmente. Assim como é necessário investir fortemente em campanhas educativas para que as mulheres aprendam como proteger melhor seus dados pessoais no mundo digital e a denunciar condutas criminosas.

Medidas como utilizar senhas fortes e diferentes combinações de senhas para cada site, instalar e manter atualizado um software de antivírus, aplicar as atualizações disponíveis para correção de vulnerabilidades nos sistemas utilizados, desconfiar de mensagens estranhas enviadas por amigos ou ainda com promoções improváveis, manter o celular protegido com senha, ter muito cuidado ao compartilhar quaisquer dados pessoais em redes sociais, são medidas que ajudam a manter o ambiente digital mais seguro.

Na sociedade da informação, é preciso compreender que não há dado irrelevante e por isso todo dado pessoal merece ser protegido. Ninguém deve compartilhar dados pessoais sem saber como eles serão utilizados, para que finalidades, com quem serão compartilhados, e por quanto tempo ficarão retidos. Situações que podem parecer inofensivas para as mulheres como instalar um aplicativo para o controle do fluxo menstrual podem revelar outros dados, como frequência de relações sexuais, gravidez ou ainda um problema de saúde, que, se utilizados para outras finalidades, podem resultar em danos.

A observância do direito à proteção dos dados pessoais das mulheres é fundamental para a garantia dos demais direitos.  A Lei 13.709/18, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados pessoais (LGPD) [5], já integralmente em vigor, impõe aos agentes de tratamento a observância de princípios e regras para o uso de dados pessoais. Princípios como: finalidade, adequação, necessidade, transparência, segurança e não discriminação devem ser observados, sob pena do tratamento ser considerado ilícito, sujeitando o agente às sanções administrativas previstas na lei e reparações civis, em caso da ocorrência de danos aos titulares dos dados, em virtude do descumprimento da legislação.

A elevação do direito à proteção de dados pessoais ao status de direito fundamental, com a promulgação, no dia 10 de fevereiro de 2022, da Emenda Constitucional 115 [6], que inseriu a proteção de dados pessoais expressamente no artigo 5º, inciso VXXIX, da Constituição Federal [7], sem dúvida, foi um imenso avanço rumo à uma sociedade mais digna, justa e igualitária, mas para isso é preciso fortalecer a cultura da proteção de dados para que ela seja uma preocupação de toda sociedade. É preciso que cada cidadã e cada cidadão conheça os direitos que lhe são assegurados na LGPD, legislação geral que regulamenta o direito fundamental à proteção de dados pessoais em nosso país.

Uma sociedade que conhece e respeita o direito à proteção de dados pessoais é uma sociedade muito melhor para tod@s!

Notas

[1] Dia Internacional da Mulher: a origem operária do 8 de Março. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-43324887. Acessado em 1º de março de 2022.

[2] Ferramenta de recrutamento da Amazon com AI discriminava candidatas mulheres. Disponível em https://tecnoblog.net/meiobit/391571/ferramenta-de-recrutamento-amazon-ai-discriminava-mulheres/. Acessado em 1º de março de 2022.

[3] A perseguição reiterada por qualquer meio, interferindo na liberdade e privacidade e ameaçando a integridade física ou psicológica da vítima , é crime. A prática conhecida como stalking ou cyberstalking (quando ocorre no meio virtual), foi incluída no Código penal pela Lei Nº 14.132/2021, e terá a pena aumentada em 50% caso o crime seja cometido contra mulheres por razão de gênero.

[4] O que é stalkerware? Uso de app espião para vigiar parceiro cresce no Brasil. Disponível em: https://www.techtudo.com.br/noticias/2019/12/o-que-e-stalkerware-app-espiao-de-parceiros-gera-polemica.ghtml. Acessado em 1º de março de 2022.

[5] Lei Nº 13.709, de 14 de agosto de 2028. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. Acessado em 1º de março de 2022.

[6] Emenda Constitucional Nº 115, de 10 de fevereiro de 2022. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc115.htm. Acessado em 1º de março de 2022.

[7] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acessado em 1º de março de 2022.

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  • Brave

    é advogada, analista de TI, membro titular do Conselho Nacional de Proteção de Dados e da Privacidade (CNPD), membro da Comissão Especial de Proteção de Dados – OAB Nacional, conselheira seccional e presidente da Comissão Estadual de Proteção de Dados da OAB-PA.

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