Prática Trabalhista

A (des)valorização do trabalho da mulher na pandemia

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

3 de março de 2022, 8h00

Desde o surgimento da pandemia, indiscutivelmente as mulheres passaram a enfrentar novos desafios, principalmente no que diz respeito à conciliação das atividades pessoais, profissionais e familiares.

De acordo com os resultados preliminares de uma investigação realizada pelo Estudo Longitudinal da Saúde do Adulto (Elsa-Brasil), nesse período pandêmico as mulheres realizaram, em média, quatro horas de labor doméstico por semana a mais do que os homens [1].

Aliás, durante a pandemia da Covid-19 constatou-se que as mulheres tiveram a saúde metal afetada, e, por isso, ficaram mais vulneráveis para a depressão, estresse e ansiedade, justamente pela dupla e/ou tripla jornada desempenhada [2].

O relatório Global Gender Gap Report 2021, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial em conjunto com os dados do Instituto Internacional de Pesquisas (Ipsos) [3], apontou que as mulheres que possuíam filhos foram as que mais trabalharam em horários atípicos (ou muito cedo ou muito tarde).

Lado outro, uma pesquisa realizada pela Catho revelou que 92% das mulheres que trabalham em home office também são responsáveis pelo cuidado com os filhos [4].

E, mais, inobstante a desigualdade de gênero tenha ficado mais evidente e acentuada no home office, as mulheres ainda enfrentam o preconceito cultura, pois grande parte é questionada sobre a temática filhos no momento da entrevista de emprego [5].

Frise-se, por oportuno, que a desigualdade de gênero é um problema a ser solucionado em escala global. Nos últimos 15 anos, o Brasil caiu 26 posições no ranking global de igualdade de gênero [6],passando da 67ª para a 93ª posição.

Um parecer da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou que as mulheres em Portugal têm mais dificuldade para inserção no mercado de trabalho e recebem apenas 78% do salário dos homens [7]. Já na União Europeia as mulheres auferem, em média, 16% menos que os homens[8].

Nesse sentido, oportunas são as palavras de Marcelo Ribeiro Uchôa [9]:

"[…] os problemas do mundo do trabalho referentes às distorções de tratamento entre os gêneros são muito graves. São fraturas estruturais, ainda não adequadamente reparadas pela sociedade, que corroboram com a aparição de uma vulnerabilidade estritamente feminina no cotidiano laboral, traduzida na forma de condições mais precárias, maior rotatividade nos empregos, superior índice de contratação em forma temporária, números mais elevados de informalização, desemprego, etc."

Do ponto de vista normativo no Brasil, a Constituição Federal dispõe em seu artigo 3º, inciso IV [10] c/c artigo 5º, inciso I [11], a respeito da igualdade de direitos e obrigações, entre homens e mulheres.

De mais a mais, a Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008 [12], criou o Programa Empresa Cidadã, cujo objetivo é prorrogar a licença-maternidade mediante a concessão de incentivo fiscal.

Já do ponto de vista internacional, a Carta da ONU [13] — que, aliás, é um dos documentos mais importante da Organização — preceitua, em seu artigo 76.c, a importância de "estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo língua ou religião e favorecer o reconhecimento da interdependência de todos os povos".

De outro norte, a Convenção nº 100 da Organização Internacional do Trabalho [14] fala sobre a igualdade de remuneração, entre homens e mulheres, para o trabalho de igual valor, assim como a Convenção nº 111 [15] veda a discriminação em matéria de emprego e ocupação.

Se é verdade que o trabalho desenvolvido em home office pode propiciar à mulher algumas facilidades e um maior contato com seus filhos, de igual modo é preciso ter cuidado para que o labor nessas condições não aumente ainda mais a desigualdade de gênero e a precarização.

Logo, é indispensável uma mudança de pensamento de toda a sociedade, seja para que esta desigualdade de gênero seja combatida, seja para que possa ser garantido um tratamento mais igualitário entre homens e mulheres.

Destarte, não só as empresas, mas também o Poder Público, têm um papel extremamente importante para essa transformação cultural, de forma que algumas condutas podem auxiliar na redução das desigualdades de gênero. Nesse prumo, é preciso que sejam criadas políticas de incentivo ao trabalho da mulher, sobretudo no que diz respeito à maternidade.

Bem por isso, nesse período gestacional, a mulher ao saber que terá todo suporte no período de licença e, inclusive, que não será substituída quando do seu retorno ao trabalho, isso certamente lhe garantirá um maior equilíbrio, tranquilidade e saúde mental.

Noutro giro, a implementação de jornadas de trabalho mais flexíveis pode colaborar para que não ocorra a sobrecarga de serviços, garantindo à mulher trabalhadora o direito à desconexão, ao lazer e à divisão dos afazeres domésticos.

Dito isso, outra forma de contribuir para o enfrentamento da desigualdade seria a realização de pesquisas internas, a fim de identificar os problemas existentes no âmbito domiciliar através de uma linguagem compreensiva e abrangedora, afinal, além das dificuldades jurídicas enfrentadas pelo trabalho à distância, a mulher ainda se depara com outras questões que vão além do trabalho.

Em arremate, é imprescindível que a mulher possa ter igualdade de oportunidades em relação aos homens, não somente no mercado de trabalho, como também a partir da ampliação de sua participação em todos demais espaços da sociedade, como medida a reduzir a desigualdade de gênero que é tida como uma realidade mundial.

 


[9] Mulher e mercado de trabalho no Brasil: um estudo sobre a igualdade efetiva: baseado no normativo Espanhol — São Paulo: LTr,2016. Página 91.

[10] Artigo 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (…).
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

[11] Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

Autores

  • Brave

    é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Brave

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo "O Trabalho Além do Direito do Trabalho" da Universidade de São Paulo – NTADT/USP.

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