Controvérsias Jurídicas

Publicidade enganosa na omissão de preços

Autor

  • Fernando Capez

    é procurador de Justiça do MP-SP mestre pela USP doutor pela PUC autor de obras jurídicas ex-presidente da Assembleia Legislativa de SP presidente do Procon-SP e secretário de Defesa do Consumidor.

3 de março de 2022, 8h00

A falta de preço em produtos e a abusividade por omissão, uma das questões mais controversas no âmbito da defesa do consumidor, foi abordada em julgado recente do Superior Tribunal de Justiça. O caso versava sobre panfletos de uma loja de magazine que trazia na chamada: "Moda é comprar seu celular e pagar em até 9 parcelas fixas" e apresentava imagens de diversos aparelhos celulares sem o preço correspondente. Entendendo tratar-se de publicidade enganosa por omissão, o Ministério Público ajuizou ação civil pública contra a loja, tendo em vista que o fornecedor poderia induzir o consumidor em erro, atraindo para as dependências do estabelecimento compradores que sequer sabiam o preço dos produtos procurados.

Ao analisar a questão, o STJ não acolheu a tese defendida pelo Ministério Público de que a ausência de preço nos produtos estampados no folheto caracterizava publicidade enganosa. Para que o tema seja melhor compreendido, faz-se necessária uma imersão mais aprofundada sobre como o Código de Defesa do Consumidor disciplina a matéria.

Publicidade enganosa é espécie do gênero publicidade ilícita, entendida como toda aquela que viola os deveres jurídicos estabelecidos no CDC para a realização, produção e divulgação de mensagem publicitária. O conceito de publicidade enganosa encontra-se nos §§ 1º e 3º do artigo 37, CDC, e refere-se ao informe publicitário que viola os deveres de veracidade e clareza. A publicidade ilícita também se apresenta na espécie publicidade abusiva, consistente no informe que viola valores ou bens jurídicos considerados socialmente relevantes, tais como meio ambiente, segurança e integridade dos consumidores, caracterizando-se por induzir comportamento prejudicial ou perigoso à sua saúde e segurança do consumidor (CDC, artigo 37, § 2º).

Cláudia Lima Marques, Antônio Herman Benjamin e Bruno Miragem apontam como principal característica da publicidade enganosa a suscetibilidade de indução do consumidor em erro, mesmo através de omissões. Ressaltam que a interpretação da norma deve ser ampla no sentido de compreender o erro como a falsa percepção da realidade e a falsa noção do potencial lesivo da publicidade na psique do consumidor. Também nos mostram que a publicidade abusiva é essencialmente antiética, agredindo a vulnerabilidade do consumidor por romper com valores sociais básicos, atingindo, indiretamente, toda a sociedade [1].

De modo geral, diz-se que a publicidade enganosa é aquela que carrega informação mentirosa ou que induz em erro o consumidor acerca da natureza, característica, qualidade, quantidade, propriedade, origem, preço e demais dados sobre o produto ou serviço. Por sua vez, a publicidade abusiva é aquela que apresenta caráter discriminatório, incita a violência, explora o medo ou superstição, aproveita-se da deficiência de julgamento e inexperiência da criança, desrespeita os valores ambientais e induz o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde e segurança.

Conforme pode ser observado nos §§ 1º e 3º do artigo 37, CDC, a publicidade enganosa pode ocorrer na modalidade comissiva, quando o fornecedor mente, total ou parcialmente, sobre as características do produto ou serviço ou omissiva, quando deixa de informar dado essencial do produto ou serviço:

"§ 1º. É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos ou serviços.

§ 3º. Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar dado essencial do produto ou serviço."

Ao analisar o caso concreto, o STJ entendeu que não necessariamente a falta de preço em um panfleto publicitário oculta dado essencial sobre um produto ou serviço. A essencialidade da informação deriva da natureza do conteúdo publicitário, podendo o preço do bem ser dado primordial ou secundário, a depender do que preponderantemente se quer comunicar. Neste caso, por se tratar de publicidade que tinha como objetivo principal divulgar as condições de pagamento apresentadas pela loja, o preço de cada produto isoladamente considerado não é um dado essencial. O que, em verdade, a loja queria comunicar é que, independentemente do preço, quaisquer dos produtos poderão ser adquiridos em 9 parcelas fixas.

"Quando o fornecedor anuncia uma determinada forma de pagamento ou financiamento — um serviço, portanto, e não propriamente um produto —, o preço não se traduz de todo relevante, até porque as condições de parcelamento podem servir para mais de uma espécie de produto. É necessário, contudo, que sejam claras e específica as condições, juros etc" [2].

Em função das especificidades apresentadas, assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

"A ausência de informação relativa ao preço, por si só, não caracteriza publicidade enganosa. Para a caracterização da ilegalidade omissiva, a ocultação deve ser de qualidade essencial do produto, do serviço, ou de suas reais condições de contratação, considerando, na análise do caso concreto, o público alvo do anúncio publicitário" [3].

Ressalte-se que o STJ não entendeu pela inocorrência de publicidade enganosa caso o produto seja veiculado sem o preço. O que se julgou é que nem sempre um informe publicitário terá conteúdo enganoso por omissão quando contiver exposição de produtos sem o preço. O intérprete da norma deverá levar em consideração, primordialmente, a natureza do informe publicitário, a fim de compreender a essencialidade do preço do produto na comunicação que se pretende fazer.

Tanto é assim, que o próprio STJ já considerou enganosa a publicidade que omitia o preço de produtos, porém, estes essenciais ao conteúdo informativo da publicidade. O caso tratava de empresa a qual vendia seus produtos em canal de TV por assinatura. Durante o intervalo dos programas, mensagens mostravam os benefícios e comodidades que os produtos traziam para a vida do consumidor, porém, sem dizer o preço. Para que os interessados soubessem os preços e as condições de pagamento, deveriam telefonar para o número indicado na tela, arcando com o pagamento da tarifa pela ligação.

Nessas condições, a Corte entendeu pela enganosidade da publicidade, no sentido de que: "É enganosa a publicidade televisiva que omite o preço e a forma de pagamento do produto, condicionando a obtenção dessa informação à realização de ligação telefônica tarifada" [4].

Finalmente, há que se dizer que a responsabilidade entre os que veicularam a publicidade enganosa e os que dela tiraram proveito com a comercialização do produto é solidária, podendo o consumidor colocar quaisquer deles no polo passivo de eventual ação reparatória. Assim também decidiu o STJ:

"(…). É solidária a responsabilidade entre aqueles que veiculam publicidade enganosa e os que dela se aproveitam, na comercialização de seu produto. É inaceitável o reexame fático-probatório em sede de Recurso Especial. Recursos Especiais conhecidos parcialmente e não providos" [5].

 


[1] MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman e MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 6ª edição. Ed. Thomson Reuters Brasil – Revista dos Tribunais, 2019, p. 1.032/1.033.

[2] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Principais julgados do STF e STJ comentados — julgados de 2020. Ed. JusPodium, 2021, p. 474.

[3] STJ, REsp 1.705.278-MA, 4ª Turma, rel. ministro Antônio Carlos Ferreira, j. 19/11/2019 (Info 663).

[4] STJ, REsp 1.428.801-RJ, 2ª Turma, rel. ministro Humberto Martins, j. 27/10/2015 (Info 573).

[5] STJ, REsp 327257-SP, 3ª Turma, rel. ministra Nancy Andrighi, DJ 16/11/2004.

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