Paradoxo da Corte

Morte do advogado e prazo prescricional para a cobrança de honorários

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

1 de março de 2022, 8h00

Durante ou mesmo após a prestação do serviço profissional pode ocorrer o falecimento do causídico. Nessa circunstância, o eventual direito ao recebimento de honorários contratuais transmite-se aos herdeiros. Embora não tenham eles relação jurídica com o cliente, todos os ativos do advogado são transferidos aos seus sucessores.

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Havendo recusa ao pagamento dos honorários advocatícios, os herdeiros podem demandar o contratante, como se fossem o próprio de cujus, lançando mão da ação de execução, da ação de cobrança ou, ainda, da ação de arbitramento de honorários, dependendo, é claro, de qual delas venha a ser cabível diante da situação concreta.

Instada a julgar recurso originado de ação de arbitramento de honorários ajuizada pelos herdeiros, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do recente julgamento do Recurso Especial nº 1.745.371/SP, com voto condutor da ministra Nancy Andrighi, teve oportunidade de assentar algumas premissas que passam a constituir importante precedente acerca dessa matéria.

Em primeiro lugar, dúvida não persiste quanto à transmissibilidade aos herdeiros do direito à percepção dos honorários decorrentes de serviços profissionais prestados pelo advogado que morreu. Nessa linha de raciocínio, como bem pontuado no acórdão: "Se apenas o advogado falecido manteve relação jurídica de serviços advocatícios com o cliente de quem se pretende cobrar os honorários, o fato de a ação ter sido ajuizada posteriormente ao seu falecimento pelos seus herdeiros não transforma a pretensão própria do advogado em pretensão própria dos herdeiros, uma vez que também as pretensões são transmissíveis com a morte pela saisine". Lê-se, ainda, que:

"Com o falecimento do advogado que atuou na causa, transmitiram-se aos seus herdeiros, em virtude da saisine, não apenas os bens de propriedade do falecido, mas também os direitos, as ações e até mesmo as pretensões que poderiam ter sido exercitadas em vida, mas que eventualmente não o foram".

A despeito de que a transmissão do direito, nesse caso, opera-se independentemente do princípio da saisine, a segunda dúvida que surge diz respeito ao termo inicial da prescrição para o ajuizamento da demanda cabível.

A propósito dessa questão, apesar de acentuada divergência entre os integrantes da turma julgadora, a maioria, secundando o voto da relatora, entendeu que o prazo é quinquenal, em consonância com o disposto nos artigos 25, inciso V, da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) e 206, parágrafo 5º, inciso II, do Código Civil. Ficou também estabelecido que esse lapso temporal tem o seu início com a revogação do mandato do profissional falecido, e não com a sua morte ou outro ato processual posterior.

Nesse sentido, extrai-se do acórdão o seguinte trecho:

"Fixada a premissa de que os herdeiros não deduzem pretensão própria ao pleitear os honorários, descabe estabelecer, como termo inicial da prescrição, a data do falecimento do advogado que prestou os serviços advocatícios ao cliente, especialmente quando houver revogação ou renúncia ao mandato, como na hipótese, caso em que esse será o termo inicial, nos exatos termos do artigo 25, inciso V, da Lei n. 8.906/94".

Sufragando essa tese, a 3ª Turma reformou então acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que, apesar de também considerar a prescrição quinquenal, julgou prescrito o direito dos herdeiros ao tomar como marco inicial do prazo a conclusão dos serviços advocatícios. Verifica-se que, na hipótese retratada nos autos, o último ato processual do causídico falecido foi praticado em 2006 e seu mandato foi revogado em 2008, sendo que a ação de arbitramento dos herdeiros foi proposta em 2013.

Os herdeiros recorrentes argumentaram que não se tratava de cobrança de honorários ajuizada pelo advogado contra o cliente, mas de ação de arbitramento proposta pelos sucessores do prestador de serviço, fato esse que justificaria a aplicação do prazo prescricional de dez anos previsto no artigo 205 do Código Civil.

Os recorrentes também sustentaram que o dies a quo do prazo prescricional seria a data em que houve a recusa ao pagamento dos honorários. Alternativamente, pleitearam que fosse considerada como termo inicial a data do óbito do advogado.

Não obstante, colhe-se do voto vencedor subscrito pela ministra Nancy Andrighi, que os herdeiros não apresentam pretensão própria na ação de arbitramento de honorários, pois não mantiveram relação jurídica de direito material com o cliente. Na verdade, "a pretensão é que lhes foi transmitida por causa da morte do titular do direito. Admitir-se que os herdeiros teriam pretensão própria de arbitramento de honorários em razão dos serviços prestados pelo pai, exercitável apenas a partir do óbito e sujeita à prescrição de dez anos, resultaria na situação em que o mesmo fato seria regulado por duas prescrições diferentes: cinco anos, se exercida pelo pai; dez, se exercida pelos herdeiros".

Em relação ao marco inicial para a contagem da prescrição, a ministra lembrou que o artigo 25, inciso V, do Estatuto da Advocacia estabelece que o prazo se inicia a partir da renúncia ou revogação do mandato.

Assim, diante de todas essas ponderações que se consubstanciam na ratio decidendi do respectivo acórdão, embora divergindo quanto à fundamentação, a 3ª Turma, à unanimidade de votos, proveu o recurso especial, para afastar a prescrição e determinar a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça bandeirante, com a finalidade de julgar o mérito do recurso de apelação.

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