À margem da Constituição

Sem outros indícios, denúncia anônima não justifica entrada de policiais em domicílio

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31 de maio de 2022, 12h36

Agentes da polícia não podem entrar em domicílio somente porque receberam denúncia anônima, sem a presença de outros elementos preliminares indicativos da prática de crime no local.

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Apreensão de drogas e arma não legitima a ação policial à margem da Constituição, diz STJ Divulgação

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu habeas corpus para anular flagrante obtido por policiais após ingresso forçado em residência, com base exclusivamente em denúncia anônima sobre tráfico de drogas no lugar.

Os agentes relataram ter visto uma arma e drogas quando ainda estavam do lado de fora da casa. Para o colegiado, no entanto, a dinâmica dos fatos leva à conclusão de que só seria possível confirmar a suspeita se os policiais já estivessem dentro do domicílio.

De acordo com os ministros, os autos revelaram que os profissionais não fizeram investigação prévia para averiguar se a denúncia era atual e robusta — o que transformou a descoberta da situação de flagrante em "mero acaso".

Depois de terem recebido a denúncia anônima, os policiais se dirigiram até o ao endereço e abordaram o acusado na saída de sua residência. Foram encontrados com ele quase R$ 3 mil em espécie. 

Durante a abordagem, os agentes afirmaram ter visto, pela porta entreaberta, uma arma de fogo e entorpecentes em cima de uma mesa, o que motivou o ingresso no domicílio, onde disseram ter encontrado também uma balança de precisão e mais dinheiro em espécie.

Para o relator no STJ, ministro Sebastião Reis Júnior, ao contrário do entendimento das instâncias ordinárias, não ficou demonstrado nos autos que a suspeita dos policiais tenha sido devidamente justificada.

Segundo o ministro, a foto da casa apresentada pela defesa indica que seria muito difícil que os policiais, do lado de fora, enxergassem a arma e a droga em seu interior.

"É consabido que a existência de denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos da prática de crime, não constitui fundada suspeita e, portanto, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado", argumentou.

O objetivo de combate ao crime, declarou o magistrado, não justifica a violação "virtuosa" da garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio (artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal). Do mesmo modo, a apreensão de drogas e arma não legitima a ação policial à margem da Constituição, destacou o ministro.

Segundo Sebastião Reis Júnior, o crime permanente também não justifica, por si só, a busca domiciliar sem mandado.

Ele citou precedentes do STJ no sentido de que, nos crimes permanentes (como o tráfico de drogas), o estado de flagrância avança no tempo, mas esse fato não é suficiente para justificar a busca domiciliar desprovida de mandado judicial. O ministro lembrou que é essencial a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, há uma situação de flagrante delito.

"O constrangimento ilegal suportado pelo paciente é manifesto, tendo sido demonstrada a ilicitude da busca domiciliar", afirmou o relator.

O flagrante foi anulado pelo ministro, que também reconheceu a nulidade das provas e revogou a prisão preventiva. A decisão é do último dia 3 de maio. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

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HC 721.911

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