Opinião

A bilionária discussão sobre o crédito de ICMS entre matriz e filiais

Autor

  • André Félix Ricotta de Oliveira

    é sócio da Félix Ricotta Advocacia doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP MBA em Direito Empresarial pela FGV ex-juiz contribuinte do Tribunal de Impostos e Taxas da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo presidente da 10ª Câmara Julgadora coordenador do curso de Tributação sobre Consumo do Ibet (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários) de São José dos Campos (SP) professor do Curso de Direito da Estácio e da Apet professor da pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie e presidente da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da OAB-Pinheiros (SP).

30 de maio de 2022, 18h13

O Supremo Tribunal Federal julgou o agravo em Recurso Extraordinário, sob o nº 1.255.885/MS, interposto pelo contribuinte contra o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, que ao julgar o recurso de apelação, decidiu pela incidência do ICMS sobre a transferência de mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade. Diante da jurisprudência pacífica do STF, reconheceu a repercussão geral e entendeu em fixar a tese que "não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia".

Ocorre que, surgiu uma outra questão que envolve o direito ao crédito do ICMS dos insumos, matérias primas e mercadorias adquiridas pelo contribuinte. Como foi pacificado que não incide o imposto na transferência de bens entre estabelecimentos de mesma titularidade, ocorrendo a transferência, devem ser estornados os créditos do tributo de circulação registrados nas entradas das mercadorias? Já respondo que não!

Os estados exigiam o ICMS sobre transferência de mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade, por entenderem que cada estabelecimento do mesmo titular é autônomo para fins de recolhimento do ICMS. O STF, no julgamento da ADC nº 49, declarou inconstitucional esta normatização e entendimento, consequentemente os estabelecimentos do mesmo titular não são autônomos e sim considera-se que existe apenas uma pessoa jurídica responsável pelo ICMS. Não existe mais a independência e autonomia dos estabelecimentos, acabou o princípio da autonomia dos estabelecimentos para fins de ICMS.

A Suprema Corte entende que a transferência de mercadoria entre estabelecimentos de mesma titularidade é um mero deslocamento, pois trata-se do mesmo contribuinte. Sendo assim, quando há transferência de artigos entre estabelecimentos de mesmo titular, não há a saída do produto, ele continua com o contribuinte e não perde a propriedade do bem em comento, por isso não se trata de hipótese de incidência de ICMS, bem como também não é hipótese de não incidência ou isenção do imposto.

Tratando-se apenas de um mero deslocamento de um bem de um lugar para o outro, o contribuinte não é obrigado a estornar os créditos de ICMS advindos da entrada da mercadoria deslocada para outro estabelecimento de sua propriedade, tendo em vista que somente precisa estornar os créditos advindos das entradas de mercadorias se a operação mercantil posteriormente realizada for isenta de ICMS ou se for caso de não incidência do imposto, conforme estabelece o artigo 155, §2º, inc. II, "b".

Como não existe mais o princípio da autonomia dos estabelecimentos, na transferência de mercadorias ou no mero deslocamento entre estabelecimentos do mesmo titular, não ocorre a saída do artigo do contribuinte, por isso não há que se falar em hipótese de não incidência de ICMS nesse momento e, consequentemente, em anulação do crédito do imposto relativo às operações anteriores.

A mercadoria precisa sair do contribuinte e ir para estabelecimento de outro contribuinte, para que seja verificado se ocorreu a incidência, não incidência ou isenção do ICMS e, consequentemente, verificar se é o caso de anulação dos créditos do imposto referente a entrada da produto.

O ICMS é um tributo sobre o consumo que tem como natureza jurídica ser um imposto indireto, tendo em vista que seu encargo financeiro é repassado ou fica para o adquirente da mercadoria ou da prestação de serviço, sujeita ao imposto para que o produto chegue ao consumidor final mais desonerado e com um menor custo possível.

Ressalta-se uma característica dos impostos indiretos: o ônus financeiro é repassado para terceiro da relação jurídico tributária, no caso o consumidor final que arcar com todo ônus financeiro do tributo que incidiu em todas as etapas da cadeia produtiva. O princípio da não cumulatividade objetiva desonerar a cadeia produtiva e diminuir o ônus financeiro repassado para o consumidor final, sendo o ICMS um tributo que claramente comporta a transferência do encargo financeiro ao adquirente do produto. Para o princípio da não cumulatividade, é fundamental e de suma importância o direito ao crédito do ICMS.

Assim, na mercadoria adquirida pelo contribuinte com ICMS destacado na nota fiscal, para onde ela for deslocada ou transferida entre os estabelecimentos da pessoa jurídica, o crédito irá atrás ou em conjunto. Se o produto for transferido entre estabelecimentos do mesmo contribuinte sem o destaque de ICMS da nota fiscal que irá acompanhar a transferência, poderá ocorrer um aumento indevido no ônus financeiro do imposto, em razão de que se a mercadoria entrar no estabelecimento desacompanhada de seu crédito de ICMS, o contribuinte, indevidamente, recolherá o imposto cheio, sem o direito de abater com o seu respectivo crédito, ferindo, dessa forma, o princípio da não cumulatividade.  

Portanto, sendo a transferência de mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade um mero deslocamento dentro da própria pessoa jurídica, não se faz necessidade do estorno ou cancelamento dos créditos de ICMS referente a operação anterior, bem como nestas transferências, os respectivos créditos de ICMS devem acompanhar o bem até sua saída efetiva dos estabelecimentos do contribuinte, ocorrendo a mudança da propriedade ou titularidade, em respeito ao princípio da não cumulatividade, à neutralidade fiscal e ao direito ao crédito de ICMS.

Autores

  • Brave

    é sócio da Félix Ricotta Advocacia, doutor e mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), MBA em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), ex-juiz contribuinte do Tribunal de Impostos e Taxas da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, presidente da 10ª Câmara Julgadora, coordenador do curso de Tributação sobre Consumo do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) de São José dos Campos, professor do Curso de Direito da Estácio e da Apet, professor da pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie e presidente da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da OAB-Pinheiros (SP).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!