No início do século passado, em aula inaugural ministrada em 15 de janeiro de 1903 na Universidade de Tübingen, Alemanha, Ernest Ludwig Von Beling expôs o termo "proibição probatória" [1], para conceituar o equilíbrio entre a busca da verdade e eventuais erros nessa atividade. Nessa linha, o discurso sobre a busca da verdade e a formação da convicção do julgador não poderá se sobrepor ao respeito e proteção aos direitos fundamentais do cidadão [2]. Essa afirmativa se mostra de necessária vivificação teórica e prática, pois trabalhar com garantias constitucionais (caracterizadas pelos seus valores éticos, políticos e epistemológicos) é determinar que apenas provas legais e relevantes sejam admitidas na dinâmica probatória, devendo ocorrer um filtro consistente sobre sua admissibilidade e pertinência.
O grave problema identificado no nosso sistema de justiça é a ausência de estudos mais críticos quanto à teoria da prova [5]. Assim, resta fácil exemplificar a minimização de regras de exclusão no direito processual brasileiro, bem como sua aplicação prática, o que gera a permanência do reconhecimento da ilicitude da prova a partir de critérios subjetivos realizados pelo julgador.
Por outro lado, não há como confundir formalmente regras de exclusão probatória (critérios normativos de exclusão) — que possuem limitação no nível de introdução e produção probatória — com regras de proibição na sua valoração — que se caracterizam por fazerem parte do conteúdo da decisão do juiz togado ou leigo.
Como sabemos, o procedimento que abraça o julgamento dos crimes dolosos contra vida é espécie de rito especial (CPP, artigo 406/497) que se desenvolve em fases sequenciais e com objetivos distintos. Na segunda do procedimento, a decisão se caracteriza como subjetivamente complexa e, além do juiz togado, há o destaque da participação dos "juízes leigos", os quais possuem o compromisso com a análise profunda do caso penal em plenário. A originalidade cognitiva dos jurados é um dos elementos que robustece o entendimento de que a decisão do júri pode ser considerada uma decisão mais próxima de um modelo ideal de imparcialidade, especialmente quando ainda suspensa a figura do juiz de garantias no processo penal brasileiro.
Apesar de o julgamento ocorrer de forma sequencial, não há dúvida de que os jurados são os destinatários finais de todas as provas produzidas nos autos, as quais, valoradas diante das teses e sustentações em plenário, visam alcançar a captura psíquica do Conselho de Sentença. Porém, resta saber se compete aos jurados, além do dever de analisar os fatos, provas e teses, decidir a respeito da legalidade da produção da prova em plenário após o requerimento feito pelas partes.
A legislação determina que, uma vez concluídos os debates, o magistrado "indagará dos jurados se estão habilitados a julgar ou se necessitam de outros esclarecimentos" (CPP, artigo 480, § 1º). Tratando-se de dúvida sobre questão de fato, "o presidente prestará esclarecimentos à vista dos autos" (CPP, artigo 480, § 2º). Contudo, se "a verificação de qualquer fato, reconhecida como essencial para o julgamento da causa, não puder ser realizada imediatamente, o juiz presidente dissolverá o Conselho, ordenando a realização das diligências entendidas necessárias" (CPP, artigo 481, caput).
Apartar a análise do fato do desenlace jurídico advindo desse substrato configura trabalho infactível, porém, muitas vezes a dúvida do jurado pode ser suprida à luz dos autos e é dever do magistrado fazê-lo, com o zelo necessário para não lançar conclusão (sua) a respeito de tese que envolva a solução do caso penal [7]. Não obstante, é possível que o esclarecimento envolva a produção de prova ou diligência que compreenda a prévia análise da sua legalidade e pertinência para a solução do caso ou a possibilidade jurídica da sua realização. Nesse modelo, reiteremos: a quem compete decidir a respeito da legalidade e essencialidade da produção da prova durante o julgamento? Aos jurados? E, se assim fosse, bastaria um único jurado julgar pela necessidade da produção da prova ou seria o caso de se alcançar a maioria? Como se daria a decisão? O jurado deveria fundamentar (oralmente) a necessidade da prova? Seria possível fazê-lo sem adiantar uma possível conclusão a respeito do caso? Restaria identificado o jurado interessado ou a deliberação seria sigilosa mediante o uso das cédulas de votação? Tratando-se de prova ilícita (ou ilegítima) — cujo conhecimento é matéria restrita aos profissionais do direito — ainda assim seria produzida, não obstante a vedação constitucional?
Preliminarmente, é necessário esclarecer que o CPP falha [8] ao facultar os esclarecimentos dos jurados apenas ao final dos debates (CPP, artigo 480, § 1º), eis que, mesmo produzida a prova, não seria possível exercer o contraditório sobre o conteúdo percebido pelos jurados. Por exemplo, tratando-se de diligência ao local do crime, restaria aos jurados apenas observar espacialmente a cena e retornar ao plenário para a votação.
Outrossim, a depender da prova a ser produzida, ou seja, se não puder ser realizada imediatamente (p. ex.: a prova pericial), caberia ao magistrado dissolver o Conselho de Sentença e então ordenar a realização da diligência (CPP, artigo 481). Com isso, se a decisão a respeito da produção da prova (ou diligência) competisse exclusivamente ao júri (ou a um único jurado), não seria possível induzir a sua essencialidade e com isso fomentar o adiamento do júri e a dissolução do conselho caso a prova não pudesse ser imediatamente produzida?
Em todo o rito do júri a lei prevê fases para a postulação probatória e atribui ao magistrado a responsabilidade pela sua admissão (sempre respeitando as premissas do sistema acusatório). Na fase de admissibilidade da acusação, por exemplo, o artigo 410 [9] e artigo 411, § 2º [10], ambos do CPP, são taxativos ao firmar a competência do magistrado para decidir a respeito da aceitação e da produção das provas requeridas pelas partes.
O mesmo ocorre quando da fase de preparação para o plenário, momento em que as partes são intimadas para, no prazo de cinco dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor perante os jurados, juntar documentos e requerer diligência. Nos termos do disposto no artigo 423 do CPP, caput, é missão do magistrado, ao aferir a legalidade e relevância probatória, deliberar a respeito dos "requerimentos de provas a serem produzidos ou exibidas em plenário".
Resta claro que todo o sistema foi estruturado para que os jurados apenas tenham contato com as provas lícitas admitidas pelo juiz-presidente, seguindo-se a mesma estrutura norte-americana. Não por outro motivo o artigo 497 do CPP prescreve serem atribuições do juiz-presidente: "resolver questões incidentes que não dependam de pronunciamento do júri" (inciso IV); "suspender a sessão pelo tempo indispensável à realização das diligências requeridas ou entendidas necessárias, mantida a incomunicabilidade dos jurados" (inciso VII); "resolver as questões de direito suscitadas no curso do julgamento" (inciso X); e "determinar, de ofício ou a requerimento das partes ou de qualquer jurado, as diligências destinadas a sanar nulidade ou a suprir falta que prejudique o esclarecimento da verdade" (inciso XI).
Ademais, o rito prevê momentos preclusivos para que as partes postulem a produção probatória, e estipula prazo específico (CPP, artigo 479) para a juntada de documentos aos autos, garantindo-se a não-surpresa em plenário. E, em todos esses espaços postulatórios (e de juntada), cabe ao magistrado avaliar e motivadamente deferir a produção da prova, não admitindo, por exemplo, provas consideradas ilícitas ou ilegítimas. Decisão essa, passível de ensejar a nulidade do processo caso não devidamente motivada (CPP, artigo 564, V) — vício que não seria possível de ser projetado caso a decisão fosse atribuída (imotivadamente) ao Conselho de Sentença.
Não se trata de assestar a possibilidade ou a necessidade de uma investigação aprofundada a respeito do que pode (ou não) ser juntado na fase do artigo 479 do CPP (ou mesmo requerido pelas partes na fase do artigo 422), eis que nesse contexto, o juiz estaria adentrando à esfera da construção de teses e argumentos que deverão ser objeto de análise pelos jurados. A lei não determina que isso seja feito, apesar de sermos partidários de uma maior racionalidade no aporte probatório em plenário [11]. Porém, o magistrado deve evitar a contaminação do Conselho de Sentença e a futura anulação do julgamento, realizando (quando menos) a filtragem de provas ilícitas/ilegítimas, pois lhe compete ordenar diligências para sanar qualquer nulidade (CPP, artigos 251, 423, I; 497, XI). Nesse contexto, verificando, por exemplo, que foi realizada a juntada de um reconhecimento pessoal que não observou o disposto no artigo 226 do CPP e as novas diretrizes jurisprudenciais [12], o juiz deve determinar o seu desentranhamento dos autos, evitando que o documento possa ser objeto de valoração pelos jurados.
Em suma: (1) os critérios de reconhecimento e de controle sobre a legalidade probatória devem ser mais enfáticos ou corresponder a forma mais abrangente e de aplicação prática por parte do juiz togado; (2) a produção da prova em plenário do Tribunal do Júri deve observar a postulação na fase do artigo 422 do CPP; (3) as provas devem ser produzidas em momento anterior aos debates, possibilitando-se o contraditório sobre a prova perante os jurados; (4) compete exclusivamente ao juiz presidente deliberar a respeito da admissibilidade/produção da prova e de eventuais esclarecimentos dos jurados, fundamentando-se a decisão na ata do julgamento.
[1] BELING, Ernest Ludwig Von. Las prohibiciones de prueba como limite a la averiguación de la verdad en el proceso penal. In Las prohibiciones probatórias. Org. Kai Ambos e Óscar Julián Guerrero. Bogotá: Temis, 2009, p. 5
[2] Já enfrentamos o tema do discurso sobre a busca da verdade em SAMPAIO, Denis. A Verdade no Processo Penal. A permanência do sistema inquisitorial através do discurso sobre a verdade real. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
[3] AMBOS, Kai. Las prohibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán. In Las Prohibiciones Probatórias. Org.: Kai Ambos e Óscar Julián Guerrero. Bogotá: Temis, 2009, p. 60/61.
[4] STEIN, Alex. The Refoundation of Evidence Law. In Canadian Journal of Law and Jurisprudence. vol. IX, nº 2, 1996, p. 293.
[5] O que difere, de forma clara, ao modelo anglo-saxão em que o sistema da exclusionary rule é posto historicamente como um verdadeiro contrapeso à substancial liberdade de valoração da prova pelo julgador, ainda que esteja direcionado ao júri. Cf. NOBILI, Massimo. Il principio del libero convincimento del giudice. Milano: Giuffrè, 1974, p. 27/28, n.r.p. 24.
[6] FERRUA, Paolo. Il giudizio penale: fatto e valore giuridico. In La prova nel dibattimento penale. 4ª. ed. Giappichelli: Torino, 2010, p. 355.
[7] Nada obsta ao magistrado pedir a colaboração das partes para a solução da dúvida, caso necessário.
[8] Não só no procedimento do júri. O CPP se mostra enxuto no que tange à teoria geral da prova penal, com ausência significativa de regras de proibição de produção e valoração da prova.
[9] CPP, art. 410. O juiz determinará a inquirição das testemunhas e a realização das diligências requeridas pelas partes, no prazo máximo de 10 (dez) dias.
[10] CPP, art. 411, § 2º. As provas serão produzidas em uma só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.
[11] Nesse contexto, sugerimos a leitura do texto da professora Marcella M. Nardelli: "Por um controle prévio de racionalidade na reforma do júri", do ConJur de 11 de junho de 2021.
[12] STJ, 6ª Turma, HC nº 712.781/RJ, rel. min. Rogerio Schietti Cruz, j. 15/3/2021.