Opinião

Começar de novo: fundamentos do ESG e capitalismo de stakeholders

Autor

  • Marcela Guimarães Neves

    é advogada atuante nas áreas de Direito Empresarial e Administrativo mestre em Direito Público pela Universidade Paris II – Panthéon/Assas (França) especialista nas áreas civil e empresarial pela Faculdade Damásio (São Paulo) profissional superior de registro empresarial e membro da Comissão Permanente de Licitação na Junta Comercial do Estado do Espírito Santo (Jucees) membro das Comissões de Direito Empresarial e de Direitos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB-ES e especialista em Capitalismo de Stakeholders e ESG em curso pela Fundação Instituto de Administração (FIA).

28 de maio de 2022, 9h08

É chegado o tempo do grande reinício, the great reset, de acordo com os participantes do último Fórum Econômico Mundial de Davos, cidade suíça onde todos os anos reúnem-se grandes líderes políticos e econômicos para discutir e buscar alternativas aos desafios do mercado mundial.

Incontestáveis mudanças climáticas, usos predatórios dos recursos naturais e florestais, recrudescimento do garimpo ilegal, descaso com as emissões de carbono e o desprezo pela gestão de resíduos sólidos constituem uma lista, infelizmente não exaustiva, das razões dos desastres físicos e biológicos (a pandemia do coronavírus ainda faz parte do cotidiano) que castigam habitantes cada vez mais interconectados desta nossa aldeia global.

Ademais, crises sociais, decorrentes sobretudo das desigualdades econômicas, demandam um sistema de maior inclusão, a fim de evitar não somente os discursos de ódio que se espraiam pelos quatro continentes, mas também suas sórdidas consequências, tais como guerras civis e militares, aumento de ondas migratórias, gerando um débito de milhares de refugiados para países ditos mais desenvolvidos, além de episódios diários de violências raciais e de gênero. As recorrentes e dolorosas mazelas que preenchem as páginas de quase todos os jornais representam falhas mortíferas de um sistema cuja lógica desde os tempos da Revolução Industrial, nos séculos e 18 e 19, fundamentou-se quase unicamente em um aumento incessante da lucratividade das empresas e empresários. O economista Milton Friedman faz uma síntese autoexplicativa deste sistema: "O negócio do negócio é negócio" ("The business of business is business").

No entanto, movimentos iniciados em meados do século passado já representavam uma reação ao dito "capitalismo de shareholders" (acionistas), ou seja , um modelo em que externalidades não importavam para as atividades empresariais, eis que o fator absoluto era tão somente a satisfação de empresários, sócios e acionistas.

O avanço rumo a um capitalismo de stakeholders (partes interessadas), iniciou- se com ideias e propostas que surgiram como reações aos impactos dos negócios feitos no modelo anterior. Logo após Wallace Smith Broecker ter cunhado a expressão "aquecimento global", houve a emissão do Relatório Brundtland em 1987, denominado "Nosso Futuro Comum", no qual foi criado o termo desenvolvimento sustentável, isto é, "o desenvolvimento que atende às necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das futuras gerações de atender suas próprias necessidades". Além desta iniciativa para conter os impactos nocivos do capitalismo desprovido de visão socioambiental, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em Estocolmo no ano de 1972 foi o estopim para diversas reuniões de conscientização ecológica mundial, visto que nela surge a Declaração para a Preservação do Meio Ambiente.

No entanto, foi apenas 20 anos depois, na ECO 92, realizada no Brasil, que se deu a consolidação deste projeto de reestruturação do sistema econômico em prol de uma cooperação internacional para a preservação do meio ambiente, sobretudo por meio da Declaração do Rio e da Agenda 21 para a promoção do desenvolvimento sustentável. Nesta mesma conferência, foi firmada a Declaração de Princípios sobre Florestas, além da abertura para assinaturas da Convenção para a Diversidade Biológica e a Convenção- Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, cujo anexo é nada menos que o Protocolo de Kyoto. Acresce-se a esta relevante convenção o Acordo de Paris de 2015, que reforça o compromisso dos países em relação às alterações climáticas, notadamente ao alcance da neutralidade de carbono(net-zero carbon) ao logo prazo.

Neste cenário, o termo ESG, sigla em inglês para ambiental, social e governança, foi elaborado em uma publicação denominada "Who Cares Wins" ("quem se importa, vence"), realizada pelo Pacto Global da ONU em parceria com o Banco Mundial, com o escopo de apresentar para 50 CEOs das mais importantes instituições financeiras argumentos que fundamentam a relevância e a urgência de integrar aspectos sociais, ambientais e de governança no mercado de capitais.

Hoje, setores empresariais e de investimentos dos principais mercados econômicos já compreendem a premência da inclusão da pauta ESG em suas atividades, tendo em vista que, com as redes sociais, consumidores, mormente os novos consumidores das gerações Z e millennials, estão cada vez mais conscientes e atentos à cadeia de produção das empresas. Com efeito, o poder de escolha para um consumo consciente faz com que esses atores econômicos prefiram adquirir produtos de quem respeita o meio ambiente, os direitos trabalhistas, dentre outros mecanismos de compliance empresarial, como a proteção de dados pessoais.

As variáveis da equação para a inserção neste novo mercado podem ser resumidas em uma única palavra: sustentabilidade. Atualmente, a condição para a empresa permanecer competitiva no corrente contexto socioeconômico é garantir uma maior adequação aos princípios e práticas relativas à sustentabilidade, sobretudo quanto aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Vale lembrar que empresas reconhecidas como promotoras de um comércio sustentável já são presença de peso dentre os grandes investimentos (a empresa brasileira Natura e a argentina Patagônia são exemplos disso) e novos mercados surgem como indicativos de um outro modelo de capitalismo, como é o caso da aprovação do Mercado Global de Carbono, aprovado pela COP26 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), podendo gerar uma grande rentabilidade a todos que aderirem a ele.

Para tanto, não se pode olvidar que as boas práticas de governança corporativa são fundamentais para que adequações desta monta sejam possíveis. Uma maior proteção dos minoritários, diversidade nos conselhos de administração, transparência nas contas e direcionamentos da empresa, adequado e atrativo regime de remuneração, organização do plano de sucessão de CEOs, maior engajamento em causas sociais; tudo isso são fatores que agregam propósito e valor às atividades empresárias e, num futuro realmente próximo, somente as empresas com propósitos bem alinhados às práticas ESG permanecerão no mercado.

Conscientes disso, organismos como o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBCG), com a elaboração da "Agenda Positiva de Governança", como a própria Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por meio da Resolução nº 59, publicada em 22 de dezembro de 2021, com vigência a partir de 2 de janeiro de 2023, já integraram a pauta ESG em seus critérios análise e regulação.

Conforme afirma Larry Fink, CEO da BlackRock, multinacional norte- americana de gestão de investimentos: "A sustentabilidade deve ser o nosso novo padrão de investimento". Ou seja, para tornar ainda mais simples as variáveis ESG: sustentabilidade é igual à rentabilidade.

Começar de novo ou apertar o botão reset, significa proceder à urgente transmutação de um capitalismo de shareholders para um capitalismo de stakeholders, em que consumidores, fornecedores, colaboradores, investidores, reguladores e comunidade em geral tenham participação nas decisões empresariais que possam impactar não apenas a vida no planeta (há empresas que faturam por ano o equivalente ao PIB de diversos países), como a rotina de quem só busca o pão para sobreviver, como no caso das populações ribeirinhas nas tragédias de Brumadinho e Mariana, no Brasil. Acionar o botão do recomeço é humanizar o capitalismo para que todos os habitantes deste nosso belo planeta possam efetivamente "lucrar".

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    é advogada atuante nas áreas de Direito Empresarial e Administrativo, mestre em Direito Público pela Universidade Paris II – Panthéon/Assas (França), especialista nas áreas civil e empresarial pela Faculdade Damásio (São Paulo), profissional superior de registro empresarial e membro da Comissão Permanente de Licitação na Junta Comercial do Estado do Espírito Santo (Jucees), membro das Comissões de Direito Empresarial e de Direitos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB-ES e especialista em Capitalismo de Stakeholders e ESG em curso pela Fundação Instituto de Administração (FIA).

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