Opinião

Extensão de prazo de patentes: experiências internacionais

Autor

  • Isabella Canton Grillo

    é graduada em Farmácia-Bioquímica pela Unesp mestra em Ciências da Saúde pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio Libanês e integrante do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual do grupo FarmaBrasil.

28 de maio de 2022, 15h18

Além de definir que uma patente deveria ser válida por no mínimo 20 anos da sua data de depósito, conforme o acordo internacional Trips, a Lei de Propriedade Industrial brasileira (LPI — Lei 9.279/96) manteve, por 25 anos, um dispositivo (parágrafo único do artigo 40 da LPI) que determinava que o prazo de vigência não poderia ser inferior a dez anos a contar da concessão. Devido a inúmeras questões estruturais do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), como a baixa quantidade de mão de obra, somadas ao crescente aumento no número de depósitos de patentes estrangeiras no Brasil, o que era para ser uma exceção passou a ser quase e regra, em especial para as patentes farmacêuticas, representativas de um grande volume de depósitos.

Em maio de 2021, após finalizado o julgamento da ADI 5.529/DF pelo Supremo Tribunal Federal, favorável ao pleito, que alegava a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da LPI, o dispositivo foi excluído da lei. Contudo, houve ressalva quanto as patentes farmacêuticas; para essas, devido a sua natureza e implicação à sociedade, sobretudo em um momento crítico de saúde pública em razão da pandemia de Covid-19, o efeito da decisão retroagiu.

No período em que se aguardava julgamento ADI 5.529, alguns estudos avaliaram o impacto da extensão de prazo para a saúde pública brasileira e o acesso a medicamentos. Januzzi A, e Vasconcellos A, em 2017, estimaram o quanto as compras públicas de medicamentos são oneradas em função da demora na análise dos pedidos de patentes no país. O estudo avaliou três medicamentos retrovirais (Etravirina, Fosamprenavir e Raltegravir) e estimou que os genéricos são pelos menos 35% mais baratos que os medicamentos de referência. Considerando as dilações de prazos das respectivas patentes dessas moléculas, os custos adicionais ao SUS seriam de R$ 24.855.977,84, R$ 99.695.130,16 e R$ 163.824.731,93, respectivamente.

Outro estudo bastante relevante, coordenado pela pesquisadora doutora Julia Paranhos da UFRJ (Federal do Rio), em 2019, estimou o quanto os cofres públicos poderiam economizar se medicamentos sob extensão de prazo de patentes estivessem em domínio público e possuíssem opções genéricas. Ao todo foram nove medicamentos estudados, quatro entre os que já têm suas patentes concedidas e estendidas (Golimumabe, Daclatasvir, Dasatinibe e Nilotinibe), três entre medicamentos depositados há dez anos e que tinham potencial de receber a concessão da patente com extensão (Certolizumabe pegol, Darunavir e Sofosbuvir, e, por último, dois que tinham patentes mailbox (Adalimumabe e Eculizumabe). O estudo chegou à estimativa de que o SUS poderia economizar de R$ 1,1 bilhão a R$ 3,8 bilhões, considerando os preços dos medicamentos genéricos e biossimilares correspondentes aos de referência comprados atualmente.

Apesar da comemorada decisão da ADI 5.529, que se fundamentou em estudos e dados como os acima, o cenário jurídico da propriedade industrial brasileira passou a incorporar um novo tipo de ação judicial, chamadas de ações de ajuste de prazo de vigência, também chamadas de ações de PTA, fundamentadas em normativas de propriedade intelectual conhecidas como Trips-Plus, as quais alguns países adotaram, e que garantem extensão de prazo para patentes concedidas com atraso administrativo injustificado pelo órgão examinador (Patent Term Adjustment — PTA). No entanto, esse tipo de dispositivo não faz parte da nossa legislação e o que havia de similar (§ único do Artigo 40 da LPI) foi considerado inconstitucional pelo STF no julgamento da ADI 5.529 discutido acima.

Aparte da discussão sobre o mérito dessas ações e a ausência de um arcabouço legal para tal, ou ainda, aparte da forma introjetada em que essas ações foram impostas ao judiciário, sem qualquer discussão legislativa, econômica ou social, é importante avaliar algumas experiências e estudos globais sobre o tema, principalmente nos países em desenvolvimento.

Estudo chileno de 2016 da Físcalía Nacional Económica (FNE) — órgão integrante do Ministério da Economia, Fomento e Turismo do Chile, sobre o sistema de proteção suplementar de patentes daquele país e seus efeitos em matéria de livre concorrência, decorrentes da Lei 20.160 (2007) que implementou a extensão de prazo patentária em razão de atrasos administrativos injustificados durante o exame e registro sanitário em função de acordos comerciais bilaterais, aponta que diversas patentes tiveram a vigência artificialmente estendida, sendo que já contavam com 15 anos de exclusividade garantida (como aquelas processadas e registradas de acordo com as normas anteriores a Lei nº 19.996 (2005) — que determinavam que as patentes vigorariam por 15 anos da data do depósito, sem direito a extensão de prazo, como também as chamadas patentes de revalidação).

Essa concessão foi justificada por uma distorção gerada pela ausência de uma legislação de transição clara entre as normas e, consequentemente, gerou um elevado custo social pela manutenção do monopólio de diversos produtos farmacêuticos relevantes à população.

O FNE identificou 12 medicamentos comercializados por 9 laboratórios, que solicitaram proteção suplementar para patentes que tramitaram dentro da Lei anterior (Lei nº 19.996), afetando um mercado próximo a 11 mil milhões de pesos chilenos por ano e devido ao alto custo e gravidade das doenças tratadas por alguns destes medicamentos, o dano poderia ser ainda maior.

O FNE entende que por serem patentes tramitadas em leis anteriores, as suplementações de vigência foram concedidas com violação da lei, além disso, como não houve danos resultantes desse atraso nos casos em que a patente vigorará por 15 anos garantidos, não há justificativa para esse privilégio e consequentemente, não atinge o equilíbrio necessário entre os incentivos à inovação e a falta de concorrência, onde patentes mais longas não geram necessariamente maiores incentivos à inovação.

Em 2021, a Lei chilena de patentes foi atualizada — Lei 21.355. As alterações incluem um prazo de solicitação de extensão de vigência de patentes menor, de 60 dias da data de concessão — ante os seis meses da lei anterior — e conferirá extensão de prazo somente para os casos que o trâmite de exame tenha superado cinco anos da data do depósito ou três anos do requerimento de exame, o que ocorrer por último.

Seguindo na discussão, o estudo de revisão sistemática da Universidade de Edimburgo5, publicado em 2022, avaliou o impacto das normas de propriedade intelectual no acesso a medicamentos. A revisão identificou 13 estudos que versavam sobre o impacto de regras Trips-Plus focadas em extensão de vigência de patente e em patentes secundárias, concluindo que todos os estudos identificaram impactos negativos no acesso a medicamentos, incluindo aumento de gasto governamental, aumento do custo dos medicamentos e atraso na sua disponibilidade.

Adicionalmente, 22 estudos levantados pela revisão sobre a entrada de medicamentos genéricos e expiração de patentes concluem que a entrada de medicamentos genéricos no mercado resulta em reduções de custo significativas, porém não necessariamente no preço do medicamento referência. Estudos que focaram no mercado de genéricos dos Estados Unidos, mostraram que após a promulgação do "Hatch-Waxman Act" houve aumento dos questionamentos de patenteabilidade (challenges), aumento do número de patentes associadas a uma molécula, crescimento de mercado dos genéricos e diminuição do custo diário de tratamentos.

Em contrapartida, de forma a aumentar os lucros, muitas empresas desenvolvedoras de moléculas inovadoras patenteiam reformulações (inovações incrementais) para diminuir o impacto da expiração das patentes. Algo em torno de 70% dos fármacos mais vendidos nos Estados Unidos adicionaram patentes incrementais ou mecanismos de exclusividade, indicando o uso extensivo de patentes secundárias (evergreening).

Outro estudo, da Universidade de Oxford, sobre as consequências e lições de países com diferentes padrões de patenteabilidade em relação ao acesso a medicamentos e inovação, corrobora com esse entendimento.

O estudo também discute que a declaração de Doha sobre o Acordo Trips e Saúde Pública em 2001 reafirmou o direito dos Estados membros a fazer pleno uso das flexibilidades previstas no Trips para proteger saúde e melhorar o acesso a medicamentos para os países em desenvolvimento. Com isso, evidenciou-se que países de forte economia priorizaram o incentivo a inovação, adotando práticas Trips-plus e indiretamente endossando práticas de evergreening, enquanto países em desenvolvimento favoreceram políticas que aumentaram o acesso a medicamentos.

Por último, artigo tailandês, de 2010, de pesquisadores da Universidade de Khon Khaen, da organização governamental farmacêutica da Tailândia e da Associação tailandesa de fabricantes de produtos farmacêuticos, avaliam o impacto no acesso a medicamentos em consequência de mecanismos Trips-Plus oriundos do acordo Thai-USA FTA (Free Trade Agreement) negociado no ano de 2006 e ainda sem definição após uma forte mobilização social contra o acordo.

Os autores relatam que desde os anos 2000, os Estados Unidos e países da União Europeia formalizam propostas para reforçar o nível de proteção intelectual em países em desenvolvimento a partir de acordos de livre comércio (FTA). Os EUA, por sua vez, participaram de negociações de FTA em vários países, como Austrália, Bahrain, Chile, Marrocos, África do Sul e Singapura, e pressionam países em desenvolvimento a aceitar as condições de direitos de PI dos acordos de FTA.

Na Tailândia, as negociações de FTA com os EUA iniciaram em 2004 e os pontos relacionados a PI foram discutidos na sexta rodada, em 2006. O estudo proposto calculou o impacto no acesso a medicamentos sob condições específicas, tais como: extensão de direitos de patentes por dois, cinco e dez anos e exclusividade de dados por cinco e dez nos. A extensão de patente poderia ser devido a atraso na sua concessão, registro sanitário e/ou a ligação (linkage) entre patente e registro sanitário, projetando, ao todo, 35 cenários.

Os resultados mostraram que dos 35 cenários avaliados, todos geraram um impacto negativo no mercado farmacêutico, especialmente no aumento de gastos com medicamentos, redução de acesso a medicamentos e encolhimento da indústria farmacêutica nacional. O pior cenário identificado seria o de dez anos de extensão de vigência de patente, as projeções para 20 anos (até 2027) resultariam em aumento de 32% no gasto com medicamentos, refletindo em gastos de US$ 11,191 milhões partindo da linha de base e prejuízo de US$ 3,370 milhões para a indústria nacional.

Os estudos discutidos acima demonstram que os mecanismos de extensão de patentes incorrem em prejuízos para a saúde pública dos países, devido ao aumento de custo de tratamento, dificuldade de acesso e prejuízos às indústrias locais e mostram que muitos desses mecanismos foram adicionados às leis oriundos de tratados comerciais bilaterais, mostrando um distanciamento grande da participação da sociedade civil e industrial local nessas decisões. No Brasil, até o momento somam-se 34 ações de "PTA" no Brasil.

Atualmente não existe nenhuma discussão em aberto com a sociedade e com os representantes legislativos relativa a um novo incremento à Lei de Propriedade Industrial brasileira, discutindo sobre a necessidade desse tipo de extensão e sobretudo seu impacto econômico e social para o país. No entanto, conforme visto nesta discussão, o país viveu essa realidade por 25 anos devido a existência do parágrafo único do artigo 40 da LPI e demonstrou por meio de vários estudos o prejuízo causado aos cofres públicos.

Não somente sobre o impacto aos cofres públicos, o estudo do economista Gesner Oliveira, de 2020, dialoga com esse tema e conclui que o prazo de vigência de 20 anos para patentes gera incentivos suficientes para atividades de Pesquisa & Desenvolvimento, sopesando esse vital interesse bem como a competitividade de mercado. Além disso, a extensão desse prazo, que era mais presente nos setores mais intensivos em tecnologia e sem qualquer justificativa econômica contundente, vislumbrava uma ineficiência na alocação de recursos para outros setores.

Concluindo, não há até o momento evidências oriundas de experiências de outros países de economias similares a do Brasil adicionalmente a nossa experiência com extensão de prazo que justifiquem extensões de prazos de patentes no nosso país.

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    é graduada em Farmácia-Bioquímica pela Unesp, mestra em Ciências da Saúde pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio Libanês e integrante do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual do grupo FarmaBrasil.

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