Opinião

Definição da cláusula que trata da morte de sócio e ingresso ou não de sucessores

Autor

  • Raul Bergesch

    é advogado na área do Direito Empresarial especialista em proteção patrimonial sócio fundador do escritório Bergesch Martin Advogados membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp) e da Comissão de Direito Falimentar da OAB-RS Subseção de Novo Hamburgo.

27 de maio de 2022, 21h27

Certamente, um dos aspectos mais relevantes da sociedade em que prevalece a natureza personalista  e não capitalista, situação na qual a cláusula em comento não tem razão de ser — é a affectio societatis que, em apertada síntese, podemos conceituar como sendo a vontade livre dos sócios de determinada entidade empresarial em reunir-se com o fim de a conduzir ao sucesso financeiro.

Este é o elemento essencial do tema que iremos tratar no presente artigo, já que está intrinsicamente relacionado com a sucessão da sociedade pelos herdeiros do falecido. Isto porque, quando dois ou mais indivíduos se unem para idealizar um empreendimento, faz-se imprescindível que estes concordem com a maioria das condições do negócio a ser criado, mormente no que tange aos fundamentos basilares da atividade empresarial.

Justamente por esse motivo que a própria legislação prevê diversas hipóteses em que, se no curso da vida societária qualquer sócio passar a discordar de decisões tomadas em grau que torne impraticável a continuidade naqueles termos, se permite utilizar de previsões legais para superar essas adversidades, com vista ao atendimento do princípio da preservação da empresa, o qual possui destacada importância prática para a comunidade, uma vez que estas instituições geram renda, empregos, desenvolvimento, entre outros.

Há no ordenamento jurídico brasileiro regras sobre diversas causas de dissolução parcial da sociedade, porém neste momento iremos nos concentrar unicamente na análise da harmonia entre os sócios originários e eventuais integrantes que venham a adentrar no tipo societário por efeito da sucessão hereditária e/ou testamentária e, por fim, apresentar soluções a serem empregadas com o fito de evitar que potenciais conflitos possam vir a resultar no encerramento daquela sociedade.

Nesse sentido, não há como ignorar que os herdeiros de determinado sócio, sejam estes legítimos ou testamentários, possuem direito potestativo à parte da entidade empresarial que pertencia ao falecido.

A princípio, aqueles que não tem familiaridade com as atividades societárias podem pressupor que a continuidade destas ocorre de modo natural, sem maiores desdobramentos, considerando-se que cada eventual herdeiro terá o interesse precípuo em manter a harmonia e, ocasionalmente, assumir determinadas funções do falecido. Contudo, olvidam-se que as relações humanas são demasiadamente complexas e delicadas, o que gera inúmeros obstáculos mesmo na esfera profissional.

O cenário ora examinado contém de um lado o (s) sócio (s) originário (s) e, de outro, o (s) sócio (s) novo (s) herdeiro (s). Quanto mais indivíduos estão inseridos nos "s" entre parênteses, maior a probabilidade de ocorrência de desentendimentos, notadamente porque os membros antigos e novatos daquela sociedade não escolheram livremente associar-se com fins empresariais.

Em consonância com o debate que iniciamos anteriormente, o desejo de permanecer na posição de sócio em certo quadro societário é o principal pilar para a manutenção de qualquer atividade empresarial. Contudo, não podemos adotar uma posição negativa na qual imagina-se que na maioria dos casos não será praticável a implementação de cenário harmonioso. Por outro prisma, não é razoável ignorar um possível contexto conflituoso, o qual pode ser evitado de antemão quando da realização do contrato social. Senão, vejamos:

O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15) aborda o tema da dissolução parcial da sociedade nos artigos 599 a 609 e o artigo 1.028 do Código Civil de 2002 (CC/02) dispõe acerca da parte pertencente ao sócio falecido de sociedade personificada, ipsis litteris:

"Artigo 600. A ação [de dissolução parcial da empresa] pode ser proposta:
I – pelo espólio do sócio falecido, quando a totalidade dos sucessores não ingressar na sociedade;
II – pelos sucessores, após concluída a partilha do sócio falecido;
III – pela sociedade, se os sócios sobreviventes não admitirem o ingresso do espólio ou dos sucessores do falecido na sociedade, quando esse direito decorrer do contrato social;
IV – pelo sócio que exerceu o direito de retirada ou recesso, se não tiver sido providenciada, pelos demais sócios, a alteração contratual consensual formalizando o desligamento, depois de transcorridos 10 (dez) dias do exercício do direito; (…)
Artigo 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:
I – se o contrato dispuser diferentemente;
II – se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;
III – se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido".

Em outras palavras, o inciso III define expressamente que é possível a disposição de cláusula no contrato social pelos sócios fundadores dispondo que, na ocorrência de falecimento de um destes, deve ser realizada a apuração de haveres (quer dizer, verificar o valor em dinheiro) que será devida aos herdeiros, a fim de viabilizar a manutenção da affectio societatis entre aqueles que verdadeiramente optaram livremente por constituir um tipo societário.

A existência de disposição contratual que desautoriza a entrada de novos sócios herdeiros é imperiosa para que os sócios originários tenham garantido o direito de recusa de admissão de novos sócios sucessores que, a priori, têm direito potestativo ao quinhão de propriedade do falecido. Outra saída que, ainda que não seja a ideal em virtude da ausência de affectio societatis, pode gerar consenso que proporcione a continuidade do funcionamento do tipo societário é a estipulação de cláusula que delimite os poderes de gestão e decisão dos sócios sucessores.

 Infelizmente, apesar da morte ser um fato previsível para todos os sócios, dificilmente estes têm a cautela de dispor da denominada cláusula de continuidade no contrato social, o que pode vir a gerar consequências gravíssimas como, a título de exemplo, a dissolução total da sociedade. Por óbvio, esta não é a vontade dos sócios fundadores na ocasião da criação da pessoa jurídica.

De igual forma, a norma brasileira não prevê a obrigatoriedade desta regra nos contratos societários. Diante disso, a melhor decisão é indubitavelmente a elaboração de uma cláusula de continuidade, também conhecida como cláusula mortis ou sucessória, por advogado especializado, com a adequada delineação cirúrgica das regras aplicáveis e dos direitos de cada parte  e extensão destes — no caso do falecimento de sócio fundador.

Assim, quando vier a ocorrer uma fatalidade, não haverá brechas que possibilitem a aplicação dos diplomas normativos genéricos, não apropriados ao contexto societário próprio, o que pode tornar inviável o funcionamento desta sociedade, gerando prejuízo não somente aos sócios e aos herdeiros, como também à toda a coletividade que sempre perde com o encerramento de uma atividade empresarial.

A palavra-chave é planejamento, tendo em consideração a finalidade precípua de perpetuar a solidez da sociedade.

Referências bibliográficas
TEIXEIRA, Tarcisio. Direito empresarial sistematizado: doutrina, jurisprudência e prática, 7. ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Teoria geral e direito societário, v. 1, 8. ed. rev. e atual, São Paulo: Atlas, 2017.

Autores

  • é advogado na área do Direito Empresarial, especialista em proteção patrimonial, sócio-fundador do escritório Bergesch Advogados, mentor de advogados e membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp) e da Comissão de Direito Falimentar da OAB-RS, subseção de Novo Hamburgo.

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