Opinião

Advento do direito à desindexação e sua importância na era digital

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27 de maio de 2022, 12h05

A Era Digital e a Sociedade da Informação surgem como reflexo das transformações que impactam as mais diversas relações em todo o mundo, tornando-as mais complexas. Estas transformações, efetivamente, estão ancoradas especialmente no fato de que, neste contexto, as informações fluem em níveis expressivos de quantidade e velocidade, de modo que assumem fundamentais valores sociais e econômicos. Em contrapartida, e por decorrência disso, surgem também novas formas de violação de bens jurídicos, o que, por sua vez, postula também uma renovação do Direito.

Quer dizer, o superinformacionismo decorre da digitalização do mundo, ao passo que esta digitalização o potencializa. É como um ciclo.

A internet, como elemento central deste cenário, promoveu  e segue promovendo  uma revolução nas formas como são acessadas, armazenadas e compartilhadas as informações, fazendo com que registros que antes eram restritos a um pequeno e/ou delimitado grupo de pessoas, possam alcançar o mundo inteiro em apenas alguns segundos e a partir de poucos cliques. Somado a isso, tem-se que, no campo da internet, as informações se mantêm registradas ad aeternum, o que faz com que elas tenham potencial para se tornarem inoportunas ou inapropriadas em algum momento futuro [1].

Além do mais, é imprescindível considerar que a utilização da internet teve seu crescimento e desenvolvimento potencializados a partir da utilização dos serviços de mecanismos de busca [2], os quais atuam como ferramentas aptas a facilitar a localização de conteúdos na rede [3]. De mais a mais, em termos práticos, a tecnologia dos mecanismos de busca na internet é orientada para potencializar as informações mais acessadas, o que, por sua vez, por meio também de uma espécie de ciclo, acaba por atrair mais acessos para aquela mesma página.

Em assim sendo, no ambiente virtual, tornou-se manifesta a necessidade de desenvolvimento de mecanismos aptos a tutelar os dados pessoais, bem assim de elaboração de um adequado sistema de gestão destas informações, a fim de garantir a tutela da dignidade da pessoa humana, do direito fundamental à proteção de dados pessoais [4], da autodeterminação informativa, do livre desenvolvimento da personalidade e da privacidade.

Este cenário, então, fez surgir o assim chamado direito à desindexação. Quer dizer, é no contexto da Era Digital e da Sociedade da Informação que está inserido o direito à desindexação, justamente pelo fato de que este é um direito próprio do sistema de informação, que tem forte relação com a divulgação de dados e de informações no âmbito da internet, especialmente por meio dos provedores de busca e pesquisa.

De mais a mais, por ter sua origem relacionada com o direito ao esquecimento, o direito à desindexação se tornou objeto de debates no que tange à sua natureza jurídica, quer dizer, se figura como um direito autônomo ou como um mecanismo de realização do direito ao esquecimento, bem assim sobre sua validade, por decorrência da tese jurídica fixada pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 2021, quando do julgamento, em repercussão geral, do Recurso Extraordinário nº 1.010.606/RJ (Tema 786) [5].

Sobre este ponto, de imediato é preciso ter em mente que o direito à desindexação e o direito ao esquecimento não são sinônimos, bem assim, e especialmente, que o direito à desindexação não se confunde com a ideia de direito ao esquecimento na internet, o que resulta, por consequência lógica, na inaplicabilidade do Tema 786 do STF à temática do direito à desindexação. Para demonstrar esta conjuntura, dois pontos, em especial, merecem destaque.

Primeiro que, quanto ao direito ao esquecimento, em que pese a parte inicial da tese jurídica fixada pelo STF, reconhecendo a incompatibilidade do direito ao esquecimento para com a ordem jurídico-constitucional brasileira, fato é que a própria Corte não fechou por completo as portas para a temática  ainda que sejam discutíveis as questões de nomenclatura , pois excetuou expressamente as situações de excesso no exercício das liberdades comunicativas e as expressas previsões legais nos âmbitos penal e cível (distinguishing facts[6].

Segundo que o referido paradigmático julgamento não alcançou a temática do direito à desindexação, não tendo o STF excluído essa possibilidade em sua decisão. Quer dizer, se especificamente quanto ao direito ao esquecimento a Suprema Corte apresentou consideráveis ressalvas, quanto ao direito à desindexação não há falar em alcance da decisão.

Em verdade, pois, o direito à desindexação decorre do sistema de proteção de dados pessoais e objetiva determinar que as informações tuteladas sejam arquivadas  e não excluídas ou eliminadas  a fim de garantir que o acesso ao seu conteúdo seja impossibilitado, com o consequente impedimento de que as informações sejam resgatadas dos sistemas informatizados [7]. Nesse sentido, o pedido de desindexação pretende uma espécie de diálogo com a empresa responsável por um provedor de busca, a partir do pedido de rompimento do vínculo entre determinado conteúdo  defasado, incompleto ou irrelevante  e o nome ou outros dados que possam identificar um indivíduo [8].

O direito à desindexação, assim, tutela a preservação do quadro informacional do seu titular, a partir dos mecanismos de bloqueio nas ferramentas de busca da internet, de modo que, uma vez bloqueadas, as plataformas obrigam-se a desvincular determinados dados e informações de seus bancos [9]. Soma-se a isso o fato de que, para a efetivação do direito à desindexação, a questão temporal não é relevante, de modo que este direito pode tutelar tanto os acontecimentos pretéritos, quanto os atuais [10].

Metaforicamente, é interessante considerar que a medida de desindexar figura como suprimir o sumário de um livro, isto é, o conteúdo permanece existindo e, se se sabe onde está o trecho desejado, será possível acessá-lo [11]. Quer dizer, o trecho continua no livro  não é excluído  mas, sem o índice, o seu acesso imediato será dificultado.

Fato é, então, que a temática do direito à desindexação, apesar de relativamente nova no ordenamento jurídico brasileiro, tem pleno  e necessário  campo para desenvolvimento, especialmente porque representa uma essencial e inevitável evolução, hábil a tutelar as novas possibilidades de violação que alcançam o fundamento da dignidade da pessoa humana, mormente no contexto que decorre do superinformacionismo da Era Digital.

Referências bibliográficas
BRASIL. Emenda Constitucional nº 115, de 2022. Altera a Constituição Federal para incluir a proteção de dados pessoais entre os direitos e garantias fundamentais e para fixar a competência privativa da União para legislar sobre proteção e tratamento de dados pessoais. Planalto. Disponível aqui.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 1.010.606/RJ. Relator: ministro Dias Toffoli. Plenário, Julgado em 11/02/2021. Disponível aqui.
LEONARDI, Marcel. Responsabilidade Civil dos Provedores de Serviços de Internet. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005.
LEONARDI, Marcel. Tutela e privacidade na Internet. São Paulo: Saraiva, 2012.
MEDEIROS, Carlos Henrique Garcia de. O direito ao esquecimento na atual era digital. In: CAMARGO, Coriolano Almeida; SANTOS, Cleórbete. Direito Digital: novas teses jurídicas. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2018.
OLIVEIRA, Caio César de. Eliminação, Desindexação e Esquecimento na Internet. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.
SANTOS, Ana Luiza Liz dos. Extensão e limites do direito ao esquecimento: um ano da decisão do STF. Consultor Jurídico (ConJur). 2022. Disponível aqui.
SARLET, Ingo Wolfgang; FERREIRA NETO, Arthur M. O Direito ao "Esquecimento" na Sociedade da Informação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019.
XAVIER, José Tadeu Neves. A Problemática do Direito ao Esquecimento no Direito Brasileiro. Tese de Pós-Doutorado. Santiago de Compostela (ES): Universidade de Santiago de Compostela, 2018.

 


[1] XAVIER, José Tadeu Neves. A Problemática do Direito ao Esquecimento no Direito Brasileiro. Tese de Pós-Doutorado. Santiago de Compostela (ES): Universidade de Santiago de Compostela, 2018, p. 38.

[2] "Um mecanismo de busca é um conjunto de programas de computador que executa diversas tarefas com o objetivo de possibilitar a localização de arquivos e web sites que contenham ou guardem relação com a informação solicitada pelo usuário". LEONARDI, Marcel. Responsabilidade Civil dos Provedores de Serviços de Internet. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005, p. 16.

[3] OLIVEIRA, Caio César de. Eliminação, Desindexação e Esquecimento na Internet. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020, p. 125.

[4] O direito fundamental à proteção de dados pessoais foi incluído expressamente no rol de direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal, a partir da Emenda Constitucional nº 115/2022, que acrescentou o inciso LXXIX ao artigo 5º do texto constitucional. BRASIL. Emenda Constitucional nº 115, de 2022. Altera a Constituição Federal para incluir a proteção de dados pessoais entre os direitos e garantias fundamentais e para fixar a competência privativa da União para legislar sobre proteção e tratamento de dados pessoais. Planalto. Disponível aqui.

[5] "É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais  especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral  e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível". BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 1.010.606/RJ. Relator: ministro Dias Toffoli. Plenário, Julgado em 11/02/2021. Disponível aqui.

[6] SANTOS, Ana Luiza Liz dos. Extensão e limites do direito ao esquecimento: um ano da decisão do STF. Consultor Jurídico (ConJur). 2022. Disponível aqui.

[7] SARLET, Ingo Wolfgang; FERREIRA NETO, Arthur M. O Direito ao "Esquecimento" na Sociedade da Informação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p. 66.

[8] MEDEIROS, Carlos Henrique Garcia de. O direito ao esquecimento na atual era digital. In: CAMARGO, Coriolano Almeida; SANTOS, Cleórbete. Direito Digital: novas teses jurídicas. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2018, p. 53.

[9] SARLET, Ingo Wolfgang; FERREIRA NETO, Arthur M. O Direito ao "Esquecimento" na Sociedade da Informação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p. 66.

[10] XAVIER, José Tadeu Neves. A Problemática do Direito ao Esquecimento no Direito Brasileiro. Tese de Pós-Doutorado. Santiago de Compostela (ES): Universidade de Santiago de Compostela, 2018, p. 39.

[11] LEONARDI, Marcel. Tutela e privacidade na Internet. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 293.

Autores

  • Brave

    é mestre em Direito pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (FMP-RS), especialista em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e assessora Jurídica no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

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