Prática Trabalhista

Redirecionamento da execução trabalhista em face das empresas do grupo econômico

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

26 de maio de 2022, 8h01

Indubitavelmente, a fase de execução no processo sempre foi considerada um gargalo da Justiça do Trabalho, conforme demonstram os dados estatísticos[1]. Isto porque, em que pese a existência de ferramentas eletrônicas disponíveis para a pesquisa patrimonial do devedor[2], muitas vezes há uma grande dificuldade em localização de seus bens.

Nesse sentido, inúmeros debates surgem no que tange à responsabilidade das empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico. Sob esta ótica, não sendo possível a devedora principal quitar o débito existente, pode a execução trabalhista ser redirecionada para as empresas integrantes do mesmo grupo econômico, sem que tenha havida a sua participação na fase de conhecimento de processo?

O assunto é polêmico.

De início, cabe destacar que se encontra pendente de análise perante a Suprema Corte a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental — ADPF  488[3], na qual se discute justamente essa temática. O julgamento encontra-se suspenso em razão do pedido de vista dos autos pelo ministro Gilmar Mendes.

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Aliás, impende destacar que, em outra ocasião, ao proferir a decisão monocrática no ARE 1.160.361[4], o ministro Gilmar Mendes já havia cassado uma decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho sobre o redirecionamento da execução em face de outras empresas do grupo econômico, sem que tivesse sido oportunizado o devido processo legal na fase de conhecimento da ação trabalhista.

Em seu voto[5], o ministro observou "que há uma situação complexa e delicada na perspectiva do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa no que toca aos processos trabalhistas desde o cancelamento da Súmula 205 do TST, em 2003".

A questão envolvendo tal matéria é por demais controvertida até mesmo para os ministros do Supremo Tribunal Federal, isso por força do recente julgamento ocorrido na Reclamação Constitucional — Rcl 51.753[6]. Neste caso, o relator, ministro Alexandre de Moraes, entendeu pelo reconhecimento da responsabilidade solidária com fundamento na norma celetista, bem como na doutrina e jurisprudência trabalhistas[7].

Com efeito, a Súmula 205 do Tribunal Superior do Trabalho[8], cancelada em 2003, preceituava que a empresa que não participou da relação processual, ainda que integrante do grupo econômico, não poderia ser considerada responsável solidária pelos débitos existentes. Portanto, com o cancelamento desse verbete sumular, houve o sobrepujamento do entendimento até então vigente na Corte Superior Trabalhista.

Vale dizer que, com fundamento na norma celetista, passou-se a interpretar, de forma ampla, a caracterização do grupo econômico, para fins trabalhistas, visando a proteção da relação de emprego.

Nesse diapasão, oportunos são os ensinamentos de Rafael Guimarães, Ricardo Calcini e Richard Wilson Jamberg[9]:

"A temática do grupo econômico é uma das mais recorrentes na execução trabalhista, mormente quanto a possibilidade de redirecionamento da execução em face das empresas de um mesmo grupo econômico, sem que tais empresas constem do título executivo, vale dizer, sem que tenham participado da fase de conhecimento do processo.
(…). Com o cancelamento da súmula 205 do TST, formou-se o entendimento de que as empresas do grupo econômico podem ser alcançadas em execução, independentemente de constar do título executivo, sendo possível a declaração incidental da responsabilidade solidária e inclusão no polo passivo da execução, podendo este se defender através de embargos à execução.
Todavia, sempre houve forte resistência a essa orientação jurisprudencial, com alegação de violação do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, cuja tese foi revigorada com o novo CPC, que estabeleceu a vedação de inclusão de devedores solidários que não constam no título executivo".

É certo que a Consolidação das Leis do Trabalho dispõe que as empresas integrantes do grupo econômico responderão de forma solidária pelas obrigações decorrentes da relação de emprego[10]. E, mais, a Súmula 129 do Tribunal Superior do Trabalho[11] consagra a teoria do empregador único, de forma a reconhecer a solidariedade das empresas participantes do grupo econômico.

Por outra perspectiva, o artigo 889 da CLT [12] disciplina que, ao processo de execução, se aplicam os preceitos que regem o processo de execução fiscal — Lei nº 6.830/80[13].

Noutro giro, o recente artigo 513, §5º, do Código de Processo Civil[14], caminha em sentido oposto, de forma que, pela leitura de tal dispositivo legal, não seria permitido promover a execução contra devedor solidário que não tenha participado da fase de conhecimento.

Aliás, recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho foi provocado a emitir um juízo de valor quanto à admissibilidade de um recurso extraordinário, na qual se pretende dirimir esta controvérsia[15]. O recurso foi admitido pela vice-Presidente do TST, Ministra Dora Maria da Costa, sendo determinado o sobrestamento dos recursos extraordinários interpostos a respeito da matéria em referência até que ocorra o aludido pronunciamento pelo STF.

E, no ponto, a vice-presidente do TST decidiu que a suspensão dos processos trabalhistas em que discute a inclusão de empresa do grupo econômico na execução caberá a cada ministro no TST, conforme íntegra de sua decisão:

"Considerando-se a decisão que deu seguimento ao recurso extraordinário interposto nos presentes autos, bem como o alcance do artigo 1.036 do CPC e considerando-se, ainda, o impacto que eventual interpretação acerca da suspensão do trâmite processual de maneira ampla poderia ocasionar, até que o Supremo analise a controvérsia e a admitida, a decisão sobre a suspensão de processo em que se discuta, no recurso interposto, a matéria objeto da referida controvérsia (possibilidade de inclusão no polo passivo da lide, na fase de execução, de empresa integrante de grupo econômico que não participou do processo de conhecimento) caberá a cada Ministro relator no âmbito do TST. Na Vice-Presidência, contudo, os recursos extraordinários interpostos versando a respeito da matéria em referência serão sobrestados até que ocorra o aludido pronunciamento pelo Supremo Tribunal Federal.
Dando ciência ao referido despacho, oficiei aos Exmos. Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, com cópia do presente assim como da decisão que encaminhou os representativos da controvérsia correlatos". 
(destaques no original)

Se é verdade que a Justiça do Trabalho deve combater os artifícios e meios protelatórios, com o objetivo de frustrar a execução e os direitos trabalhistas, de igual modo deve ter cautela para que este procedimento não seja açodado, colocando-se em risco o direito à ampla defesa e ao contraditório substancial.

Em arremate, é forçoso o debruçar sobre este assunto de grande relevância social, afinal, o que seja busca com o processo é a efetividade e cumprimento das decisões judiciais, sem, contudo, colocar em risco os ditamos e garantias constitucionalmente assegurados às partes litigantes.


[8] GRUPO ECONÔMICO. EXECUÇÃO. SOLIDARIEDADE (cancelada) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. O responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução.

[9]Execução Trabalhista na prática. – Leme, SP: Mizuno,2021. Página 392 e 394

[10] Art. 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.  (…) .§ 2o  Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego. § 3o Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes.

[11] Súmula nº 129 do TST. CONTRATO DE TRABALHO. GRUPO ECONÔMICO (mantida) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. A prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário.

[12] Art. 889 – Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.

[13] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm. Acesso em 23.05.2022.

[14] Art. 513. O cumprimento da sentença será feito segundo as regras deste Título, observando-se, no que couber e conforme a natureza da obrigação, o disposto no Livro II da Parte Especial deste Código. (…). 5º O cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento.

Autores

  • Brave

    é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Brave

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo "O Trabalho Além do Direito do Trabalho", da USP.

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