Opinião

O pioneirismo regulatório europeu

Autores

  • Tainá Aguiar Junquilho

    é advogada e doutora em Direito pela Universidade de Brasília e professora de Direito Inovação e Tecnologia no IDP.

  • Paloma Mendes Saldanha

    é mestre e doutora em Direito e Tecnologias pela Universidade Católica de Pernambuco especialista em Direito e Tecnologia da Informação pela Ucam-RJ especialista em Jurisdição Constitucional e Tutela de Direitos Fundamentais pela Unipi/Itália pesquisadora pelo Logos e Direito e Inovação/Unicap-Capes professora da Unicap educadora certificada Google for Education fundadora diretora e consultora em Privacidade na PlacaMãe.Org_ advogada e membro da govDADOS e INPD.

26 de maio de 2022, 6h03

No último dia 22 de março, após 18 meses de ampla discussão, o Comitê de Altos Experts em Inteligência Artificial (IA) da União Europeia (UE) editou novo relatório em que define que "precisa agir como um definidor global de padrões em IA".

Pelo relatório, a UE deixa claro que apesar de estar atrás na "corrida" em favor da liderança do desenvolvimento tecnológico da IA, os riscos que essa tecnologia apresenta e o seu alto grau de desenvolvimento pelo mundo demandam a elaboração de limites de uso e aplicabilidade, bem como uma análise sob a perspectiva da ampla governança democrática.

Nesse sentido, a UE sinaliza que pretende se colocar numa posição de precursora da normatização global, chamando atenção para um cenário carente de regulação e excedente no que tange a possíveis prejuízos irreparáveis decorrentes da celeridade do desenvolvimento tecnológico. Mas aponta, desde já, para a necessidade de que esse desenvolvimento regulatório seja feito por atores democráticos.

Essa posição da UE não é nova. Basta lembrarmos que esse bloco econômico também foi pioneiro na regulação de dados pessoais. Primeiro com a Diretiva 95/46 e depois com a elaboração do GDPR (General Data Protection Regulation) que, inclusive, serviu de parâmetro para a elaboração da Lei de Proteção de Dados Pessoais brasileira.

É fundamental notarmos a estratégia da UE em se colocar em posição de parâmetro mundial garantindo um status que vai além de uma liderança regulatória. O movimento e o posicionamento do bloco provoca nas demais nações a necessidade de ampliar o debate, acelerar suas propostas legislativas, diretrizes ou afins em relação aos sistemas apoiados em inteligência artificial, bem como a necessidade de planejar o seu desenvolvimento tecnológico ético para ganhar espaço em nossa cibergeografia.

É importante mencionar também o fato de que a Espanha anunciou que será o primeiro país do bloco a testar o regulamento europeu e a implementar a primeira agência estatal de supervisão da IA (como noticiou recentemente o Observatório do Mundo em Rede @cyberleviathan).

E o Brasil? No Brasil, o Projeto de Lei nº 21/20, de autoria do deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE), propõe a criação de um Marco Legal do Desenvolvimento e do Uso da Inteligência Artificial pelo Poder Público, por empresas, entidades diversas e por pessoas físicas. O texto atual, aprovado pela Câmara dos Deputados, busca estabelecer princípios, direitos, deveres e instrumentos de governança a partir de fundamentos atrelados ao respeito aos direitos humanos, aos valores democráticos, como igualdade, pluralidade, privacidade de dados, livre iniciativa e não discriminação.

Após a aprovação na Câmara, foi constituída uma comissão de 18 juristas para discussão do projeto (presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça Ricardo Villas Bôas Cueva), a qual tem promovido debates por meio de convocação de audiências públicas sobre os temas mais variados e complexos que tangenciam a IA. Todos os painéis, por temática, estão disponíveis no canal do YouTube do Senado.

No dia 28 de abril, a professora doutora Tainá Aguiar Junquilho participou de audiência pública, promovida pela Comissão de Juristas no painel intitulado "Inteligência artificial e regulação: modelos de regulação e abordagem". Em sua fala apresentou alguns resultados de sua pesquisa de doutorado, que em breve será publicada como livro pela editora Juspodivm. Em resumo, salientou que atualmente já existem uma série de documentos mundiais que trazem em comum princípios gerais. Portanto, para que a legislação não se torne uma mera carta de boas recomendações tal qual as demais pelo mundo, entende ser fundamental a criação de órgão multissetorial e multidisciplinar de controle, que estabeleça estrutura e classificação dos níveis de riscos, receba relatórios de impactos, crie campanhas conscientizadoras etc e cujo parâmetro no Brasil já existe e é o Comitê Gestor da Internet.

Já no dia 13 de maio, a professora doutora Paloma Mendes Saldanha, representando a Associação Brasileira de Governança Pública de Dados Pessoais (govDADOS), participou da mesma audiência pública promovida pela comissão de juristas, agora num bloco sobre accountability, governança e fiscalização, em painel intitulado "Arranjos institucionais de fiscalização: comando e controle, regulação responsiva e o debate sobre órgão regulador", onde recomendou a necessidade de atenção para a utilização de termos técnicos corretos e coerentes para não ficarmos numa tentativa de regulação de algo que não é regulamentável (a tecnologia); atentou para a necessidade de modificarmos o modelo de regulamentação comando-controle para a regulamentação responsiva a partir dos parâmetros, estruturas e pressupostos de operacionalidade da teoria da regulamentação responsiva, uma vez que os benefícios sócio jurídico político e econômicos atrelados a sua aplicabilidade garante o respeito à estrutura de direitos fundamentais resguardada pela nossa Constituição Federal/88. Recomendou, ainda, a existência de um órgão fiscalizador específico, independente, multidisciplinar e multissetorial. Entretanto, ressaltou que a existência de um órgão nesse padrão é algo que talvez possa não acontecer levando em consideração a estrutura política e administrativa do Brasil, sendo, talvez, cabível pensar em um conselho atrelado a um órgão já existente (como a ANPD, por exemplo).

É importante mencionar que a comissão também receberá contribuições escritas da sociedade civil e expandiu o prazo de recebimento até o dia 10/6/2022.

As autoras estão ansiosas para que os trabalhos da comissão de juristas resultem numa boa, efetiva e eficaz legislação, fazendo com que o Brasil lidere, no sul global, a corrida pelo desenvolvimento e limitação ética dos sistemas apoiados em inteligência artificial.

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