Banho de sangue

PSB pede que STF mande Rio elaborar novo plano de redução da letalidade policial

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25 de maio de 2022, 19h31

O Partido Socialista Brasileiro (PSB) e mais 19 instituições pediram nesta quarta-feira (25/5) que o Supremo Tribunal Federal ordene ao governo do Rio de Janeiro que elabore um novo plano de redução da letalidade policial. O requerimento vem após uma operação policial na madrugada da terça (24/5) deixar 25 mortos na Vila Cruzeiro, zona norte do Rio.

Fernando Frazão/ Agência Brasil
PSB alega que governo do Rio não se compromete com redução da letalidade
Fernando Frazão/ Agência Brasil

No julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, em fevereiro, o Supremo ordenou que o estado do Rio apresentasse em 90 dias um plano destinado a conter a letalidade das operações de suas forças policiais e controlar violações de direitos humanos pelas forças de segurança fluminenses. O plano deve conter medidas objetivas, cronogramas específicos e a previsão dos recursos necessários para a sua implementação.

Autor da ação, o PSB, representado pelo advogado Daniel Sarmento, e os 19 amici curiae afirmaram que, mesmo após a decisão do Supremo, a polícia do Rio vem promovendo ações que desrespeitam direitos humanos. Eles citaram a derrubada, pela Polícia Civil, de monumento em homenagem aos 28 mortos em operação na favela do Jacarezinho, zona norte do Rio, em 2021, e constantes incursões em comunidades, como uma também em Vila Cruzeiro, em fevereiro, que deixou oito mortos, além de fechar escolas.

A operação desta terça na favela, apesar de ter deixado 25 mortos e fechado 19 escolas e duas clínicas da família, não conseguiu encontrar nenhum alvo dos mandados de prisão expedidos, segundo as entidades.

De acordo com relatório policial enviado ao Ministério Público, a operação era "emergencial" e visava a "coletar dados de inteligência" para prender chefes do Comando Vermelho. E foi deflagrada para reagir a supostos ataques iniciados por traficantes. Para o PSB e os amici curiae, a justificativa é contraditória.

"No entanto, em afirmação francamente incompatível com o hipotético caráter emergencial da incursão, o próprio comando da Polícia Militar informou que a 'operação de inteligência' vinha sendo planejada há meses. Não bastasse o evidente desrespeito à cautelar referendada pelo Plenário desta Corte, a Polícia Militar do Rio de Janeiro ainda se valeu da oportunidade para responsabilizar a decisão do STF pela suposta 'migração de criminosos ao estado', em busca de 'esconderijo'", destacaram.

Esses casos demonstram o descompromisso do estado do Rio de Janeiro com o cumprimento da decisão do Supremo, dizem as instituições. Em março, o governo fluminense, comandado por Cláudio Castro (PL), apresentou o Plano Estadual de Redução de Letalidade Policial. Contudo, o PSB e os amici curiae pediram que o STF rejeite o programa, "por se tratar de mera carta de intenções absolutamente genéricas, sem nenhum compromisso real com a redução da letalidade policial no estado".

"Além de descumprir diversas determinações de natureza formal e material, o plano não se amolda aos pressupostos jurídico-filosóficos assentados no acórdão desta ADPF 635, ao se propor a reduzir ao máximo, apenas, 'a vitimização de inocentes' (artigo 3º, caput, seja do Decreto estadual 47.802/2022, seja do Decreto estadual 48.002/2022). E a postura dos agentes estatais um ano depois da Chacina do Jacarezinho apenas confirma o descompromisso com qualquer mudança significativa no rumo da condução da segurança pública fluminense, desafiando as decisões tomadas por este Supremo Tribunal Federal", sustentam, mencionando, por exemplo, o atraso na implementação de câmeras nas fardas de policiais.

Dessa maneira, o partido e as entidades pediram que o STF mande o governo do Rio elaborar novo plano de redução da letalidade policial em 60 dias. Antes disso, deve promover audiência pública, com a participação da sociedade civil, da Defensoria Pública, do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil.

O novo plano, conforme as instituições, deve se estruturar em torno da necessidade de se combater o racismo estrutural. Também deve prever a elaboração de protocolos de uso proporcional e progressivo da força e de abordagem policial e busca pessoal para evitar práticas de filtragem racial, bem como medidas de afastamento temporário das funções de policiamento ostensivo dos agentes de segurança envolvidos em mortes em operações policiais.

Além disso, deve conter providências concretas, indicadores quantitativos, prazos específicos, previsão de recursos necessários e objetivos esperados. Também é necessário que o programa não aposte apenas na compra de mais material bélico para as polícias e que determine a instalação de equipamentos de GPS e de sistemas de gravação de áudio e vídeo em todas as viaturas policiais e nas fardas de todos os agentes de segurança.

O PSB e os amici curiae ainda requerem que o Supremo oficie o MP-RJ para que apure possível crime de abuso de autoridade na destruição, por policiais, do monumento às vítimas da chacina do Jacarezinho.

Decisão do STF
O Supremo Tribunal Federal ordenou em fevereiro que o estado do Rio de Janeiro apresentasse, em 90 dias, um plano destinado a conter a letalidade das operações de suas forças policiais.

De acordo com a decisão do STF, é obrigatória a utilização de ambulâncias em operações policiais previamente planejadas em que haja a possibilidade de confrontos armados. Além disso, no prazo de 180 dias o estado deve determinar a instalação de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança, com o posterior armazenamento digital dos respectivos arquivos.

Também deve ser constituído um Observatório Judicial sobre Polícia Cidadã, formado por representantes do STF, pesquisadores e pesquisadoras, representantes das polícias e de entidades da sociedade civil, a serem, oportunamente, designados pelo presidente do tribunal, após aprovação de seus integrantes pelo Plenário da corte.

Além disso, ficou decidido, em caso de buscas domiciliares, que elas não sejam feitas à noite; e que a diligência, quando feita sem mandado judicial, deva ser justificada e detalhada por auto circunstanciado. Está proibido o uso de domicílios ou imóveis privados como base operacional da polícia sem prévia autorização.

Investigações do MP
O Ministério Público fluminense instaurou procedimento investigatório criminal para apurar as circunstâncias das 25 mortes ocorridas durante operação policial promovida na Vila Cruzeiro. Já o MP Federal investigará a participação dos agentes da Polícia Rodoviária Federal.

O ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, relator da ADPF 635, procurou o MP-RJ após a operação policial. Em conversa com o procurador-geral de Justiça do Rio, Luciano de Oliveira Mattos de Souza, Fachin "demonstrou muita preocupação com a notícia de mais uma ação policial com índice tão alto de letalidade", disse o STF. A corte ainda declarou que o ministro "tem confiança de que a decisão do STF será cumprida, com a investigação de todas as circunstâncias da referida operação".

Estudo do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense aponta que, no período de 2007 a 2021, houve 593 operações policiais que terminaram em chacinas no estado, com um total de 2.374 mortos.

No entanto, raramente policiais são responsabilizados pelas mortes. No caso da chacina do Jacarezinho, diversos procedimentos de investigação do MP-RJ foram arquivados sob o argumento de ausência de provas. Até o momento, foram arquivados inquéritos que tratavam de 24 das 28 mortes ocorridas na operação.

Clique aqui para ler a petição
ADPF 635

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