Pena desproporcional

CNJ revoga decisão do TJ-SP que demitiu juiz por atuar como coach

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25 de maio de 2022, 8h22

A  figura jurídica do coaching é ampla e, por isso, mesmo requer moderação hermenêutica em sua interpretação. O entendimento do jurista Ayres Brito foi um dos argumentos levantados pelo advogado Saul Tourinho Leal em sustentação oral em favor do juiz Senivaldo dos Reis Júnior, demitido pelo Órgão Especial do TJ-SP por descumprir decisão proferida pelo Conselho Superior de Magistratura, que considerou a prestação de serviços de coaching como atividade alheia à magistratura.

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Demissão de juiz por atuar como coach pelo TJ-SP foi revertida por conselheiros do CNJ
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Na ocasião, o magistrado foi demitido com base nos termos do artigo 47 II da Loman, que determina que juízes podem receber a pena de demissão por falta grave durante o período probatório.

A demissão provocou comoção na comunidade jurídica.  Em dezembro de 2020, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, assinou parecer defendendo que a pena fosse convertida de demissão para censura.

"Se a infração não é tão grave a ponto de justificar, caso o magistrado fosse vitalício, a sua aposentadoria compulsória, também não poderá ser considerada grave a ponto de justificar a demissão do magistrado não vitalício", escreve Jacques de Medeiros no parecer.

O jurista e colunista da ConJur Lenio Streck assinou parecer pro bono em favor do juiz. Streck também considerou a pena desproporcional. Para ele, o TJ-SP violou a garantia constitucional da não autoincriminação, "uma vez que a prova mater se deu por exclusiva boa-fé do demitido, ao buscar orientação da coordenadora indicada pelo tribunal para fazer o seu acompanhamento em estágio probatório".

Durante a sustentação, Saul Tourinho Leal citou o parecer de Lenio e afirmou que, em um cenário em que é fácil demitir um juiz, é impossível se obter Justiça. Ele também citou o entendimento do professor Ayres Brito de que a figura jurídica do coaching é ampla e, por isso, mesmo requer moderação hermenêutica em sua interpretação.

O advogado apontou que o PP 0001792-81.2021.2.00.0000, julgado pelo TJ-SP depois da demissão de Senivaldo, teve resultado diverso. Na ocasião, 18 magistrados foram acusados de atuar como coaches. Nesse caso, a Corregedoria-Geral de Justiça orientou os juizes e identificou três grupos: os que admitiam estar realizando atividades semelhantes ao coaching, os que já haviam feito algo do tipo e os que nunca estiveram relacionados a esse tipo de trabalho. O procedimento foi arquivado. Clique aqui para ler a decisão

O julgamento
O relator do caso, conselheiro Mauro Pereira Martins, entendeu que as atividades desempenhadas pelo juiz na internet (vendas de material e apostilas) extrapolaram as funções da docência. Contudo, o julgador considerou que a pena de demissão foi excessiva e, portanto, violou os princípios da razoabilidade proporcionalidade. Por isso, ele votou por aplicar a pena de censura, reconhecendo a prescrição.

Acompanharam o relator os conselheiros Marcio Luiz Freitas, Sidney Madruga, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto e Silva e Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho e as conselheiras Salise Monteiro Sanchotene e Jane Granzoto Torres da Silva.

Ao acompanhar o relator, o ministro Luiz Fux defendeu a declaração de vitaliciedade imediata. "Estamos aqui pronunciando algo com efeito "ex tunc", ou seja, desde o início isso foi incorreto. Se não tivesse ocorrido isso, o juiz teria sido vitaliciado", afirmou.

O conselheiro Luiz Philipe Vieira de Mello Filho divergiu do relator, já que entendeu que Senivaldo não atuou como coach e não tinha nenhuma empresa em seu nome. O CNPJ de venda de apostilas estava no nome de sua esposa. Por isso, ele votou por aplicar a pena de advertência também reconhecendo a prescrição. O entendimento foi acompanhado pelos conselheiros Giovanni Olsson e Mário Henrique Aguiar Goulart Ribeiro Nunes Maia, que extrapolou a fundamentação divergente para votar pela anulação do PAD e da decisão do Órgão Especial do TJ-SP que tinha aplicado a pena de demissão contra o juiz.

Por fim, o conselheiro Richard Pae Kim votou pela improcedência da revisão disciplinar e fez a ressalva de que o caso citado pela defesa do magistrado difere do dele por envolver juízes que já haviam passado pelo período probatório.

Processo 0009178-02.2020.2.00.0000
Processo 0001792-81.2021.2.00.0000

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