Opinião

Constitucionalidade da demissão em massa para empresas em dificuldades

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24 de maio de 2022, 21h27

É certo que uma parcela considerável das empresas brasileiras enfrenta sérias dificuldades de ordem econômica e financeira. Tal fato foi agravado pela pandemia mundial causada pela difusão do novo coronavírus, deixando muitas empresas em situação de vulnerabilidade, necessitando, assim, reduzir os custos de operação, bem como diminuir o número de funcionários para manterem-se atuantes no mercado.

Nesse contexto, algumas empresas precisaram buscar auxílio no Poder Judiciário, através do processo de recuperação judicial, com fim de evitar a falência e, consequentemente, o encerramento das atividades econômicas.

Diante desse cenário, a discussão acerca da possibilidade de demissão de trabalhadores em massa, sem negociação coletiva prévia com o sindicato da categoria, ganhou novamente notoriedade e já está sob análise no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio do Recurso Extraordinário (RE) n° 999.435, que aguarda julgamento após pedido de vistas.

A este respeito, inicialmente, cumpre salientar que a Lei de Recuperação Judicial (Lei n° 11.101/2005) tem como princípios basilares a preservação da empresa e a viabilização da superação da situação de crise econômico-financeira, com o objetivo da manutenção da força de produção e a garantia dos interesses dos credores.

Nesse sentido, o principal objetivo da ferramenta legal é a garantia da continuidade da atividade empresarial. Na prática, é fato que, para que isso ocorra, é necessário fazer a redução e a readequação dos custos de operação da empresa, de modo que a redução do quadro funcional, em grande parte dos casos, é medida inevitável e extremamente necessária para que não haja a falência e o consequente fim da atividade empresarial.

Desse ponto, em especial, surgiram acaloradas discussões sobre a possibilidade de efetuar a redução do quadro de empregados sem prévia negociação coletiva com o Sindicato, com base no artigo 477-A da CLT, introduzido pela Lei n° 13.467 de 2017 (Reforma Trabalhista), que determina que as dispensas imotivadas plúrimas ou coletiva não necessitam de autorização prévia do sindicato, tampouco necessita de negociação coletiva para que sejam efetivadas.

Em recente decisão da Seção Especializada em Dissídios Coletivos, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) consagrou o entendimento que a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, independentemente de estar ou não a empresa em recuperação judicial.

O tema em questão encontra-se aguardando julgamento no plenário do Supremo Tribunal Federal, uma vez que as partes recorreram da decisão proferida pelo TST, o qual está suspenso após pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Todavia, parece-nos que tal posição viola totalmente as leis trabalhistas e o texto constitucional. Em primeiro lugar, porque a redução do quadro pessoal através de demissões coletivas deveria ser analisada caso a caso, sendo que tendo havido redução considerável de contratos ou de fonte de renda da empresa empregadora, com a consequente redução de entrega de produtos e/ou serviços e, por conseguinte, de renda, efetivamente, a redução do número de colaboradores tratar-se-ia de medida urgente e necessária, ainda mais se a empresa estiver em recuperação judicial.

Assim a redução do quadro deveria se tratar de medida acolhida pelo Judiciário, justamente porque ela é imprescindível em determinados casos para que a empresa recuperanda possa ter condições de existir, de modo que além de se tratar de regular exercício do poder diretivo do empregador, independentemente de negociação coletiva com o sindicato, conforme previsão clara no artigo 477-A da CLT, ainda se demonstra medida totalmente alinhada com a Lei de Recuperação Judicial, cujo principal objetivo é a continuidade da atividade empresarial.

Além disso, o artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) dispõe que o assunto deverá ser objeto de Lei complementar (artigo 7º, I, da CF; e ADCT, artigo 10). Assim, não pode o poder normativo da Justiça do Trabalho, ou mesmo as convenções internacionais (artigo 114 da CF, e Convenção 158 da OIT) substituir a Lei complementar para estabelecer direitos ou deveres diferentes ou adicionais àqueles estabelecidos no texto constitucional.

É evidente que há clara violação ao princípio da legalidade, uma vez que tal entendimento obriga a empresa a cumprir disposição não prevista em lei. Sem contar ainda que há clara interferência na independência dos Poderes, vez que não cabe a Justiça do Trabalho (Poder Judiciário) trazer normativa sobre tema que a Constituição Federal estabeleceu que seria regulamentado por meio de lei complementar, sob pena de violação da separação de poderes e o princípio da reserva legal, sem contar a instabilidade jurídica causada.

Assim, a premissa estabelecida pelo TST, prevendo a obrigatoriedade da negociação coletiva nas demissões de trabalhadores em massa, independentemente se a empresa está ou não em recuperação judicial, e sem a devida análise se houve ou não redução da própria finalidade da empresa, o que evidenciaria a regularidade da dispensa por demonstrar que há mais colaboradores do que o trabalho a ser desempenhado, desconsidera os princípios da livre iniciativa, proporcionalidade e razoabilidade, ameaçando a sobrevivência da empresa e colocando em risco a efetividade da própria Lei de Recuperação Judicial. Além disso, ao estabelecer efeito vinculante à decisão, invade a competência privativa do Supremo Tribunal Federal na análise concentrada de constitucionalidade.

Por certo, nos cabe a seguinte reflexão: o que seria mais adequado, a impossibilidade de dispensa e a extinção da empresa, com a decretação da falência e consequente liquidação da empresa, pagamentos com a observância da regra de preferência dos credores e prejuízos diretos a todos os colaboradores, os quais não receberiam sequer as verbas rescisórias, ou a possibilidade de readequação do número de colaboradores, com o correto pagamento das verbas rescisórias, de um número menor de pessoas?

Parece-nos que a resposta vai em direção diametralmente oposta à posição esposada pelo TST até o momento.

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