Jogo sujo

Método preferido de interrogatório, técnica Reid é questionada nos EUA

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22 de maio de 2022, 7h51

Costuma-se dizer, nos Estados Unidos, que a confissão do réu é o padrão-ouro perfeito para a acusação. Afinal, é difícil para um jurado acreditar que alguém confesse um crime que não cometeu — a não ser por tortura ou por coerção. Não se tem notícias de casos de tortura dentro do território nacional. Mas de coerção, são muitas. Isso tem gerado um volume considerável de confissões falsas, o que preocupa a comunidade jurídica do país.

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Técnica popular nos EUA usa manipulação para forçar suspeitos a confessar crimes
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O professor de Psicologia Saul Kassin, do John Jay College of Criminal Justice da cidade de Nova York, principal estudioso do país de confissões falsas, atribui a maioria dos casos de inocentes que confessam crimes que não cometeram à técnica de interrogatório de preferência dos departamentos de polícia dos EUA: a técnica Reid de entrevista e interrogatório ("The Reid Technique of Interviewing and Interrogation").

Ele explorou esse fenômeno em um novo livro, intitulado "Duped: Why Innocent People Confess and Why We Believe Their Confessions" ("Tapeado: por que pessoas inocentes confessam e por que acreditamos em suas confissões"), publicado pela Prometheus Books, no último dia 14, segundo o jornal da American Bar Association (ABA).

O livro explica que os interrogadores treinados na técnica Reid aprendem que podem dizer se um suspeito está mentindo, através de um encontro inicial, chamado de entrevista de análise comportamental. Se os detetives acreditam que o suspeito está mentindo, eles passam para a fase seguinte — um interrogatório mais agressivo —, "em que fazem acusações e recorrem a artifícios e trapaças, para obter uma confissão completa". No todo, o sistema tem nove etapas conhecidas pelos operadores do Direito.

Detetives podem "decidir" que um suspeito é culpado, por suas atitudes, comportamento ou palavras que pescam na entrevista e no interrogatório. Às vezes, simplesmente determinam que alguma coisa está errada. Pode ser, por exemplo, uma ausência de emoção ou o relato de uma situação traumática recente que pode ter comprometido a mente do suspeito.

Uma vez que tomam essa "decisão", baixa-se uma cortina em frente de seus olhos e nada podem fazê-los mudar de ideia, diz Kassin. "Em Psicologia Social, um dos princípios cardiais é o de que, uma vez que uma pessoa forma uma opinião, não há quase nada que você possa fazer para mudá-la", ele escreveu.

Invenção da técnica
A técnica Reid de entrevista e interrogatório foi desenvolvida pelo psicólogo, especialista em poligrafia e ex-policial de Chicago John Reid, nos anos 50. A técnica é conhecida por criar um ambiente de alta pressão para o entrevistado, seguido de manifestações de simpatia e de ofertas de compreensão e ajuda — mas apenas se uma confissão estiver a caminho.

Em 1955, em Lincoln, Nebraska, Reid obteve uma confissão de Darrel Parker, suspeito de matar sua mulher. O caso tornou Reid famoso e popularizou sua técnica. Parker retirou sua confissão no dia seguinte. Mas a confissão foi admitida como prova em seu julgamento, e Parker foi condenado à prisão perpétua.

No entanto, algum tempo depois, sua inocência foi reconhecida porque outro homem confessou o crime. Parker processou o Estado por condenação errada e recebeu uma indenização de US$ 500 mil. Mas, apesar do erro e do prejuízo que deu ao estado, Reid conseguiu "vender" seu sistema a departamentos de polícia em todo o país.

Em outro caso, citado por Kassin, detetives decidiram que Marty Tankleff, de 17 anos, que chamou a polícia quando encontrou seus pais gravemente feridos em casa, era o principal suspeito do crime. Razão? No interrogatório, ele mostrou pouca emoção. Eles interrogaram o rapaz por horas, mentiram sobre provas e sobre um telefonema do hospital, informando que o pai de Tankleff contou que eles foram atacados pelo filho. Na verdade, o pai do rapaz nunca recuperou a consciência e morreu semanas mais tarde.

Tankleff passou a acreditar que perdeu a consciência por algum tempo e cometeu o crime. Admitiu a culpa em uma declaração que nunca assinou e foi condenado. Dez anos mais tarde, provada sua inocência, ele foi libertado. E se tornou advogado.

Um fator-chave na condenação de Tankleff, segundo Kassin, foi uma decisão (Frazier v. Cupp) da Suprema Corte dos EUA, de 1969, que legalizou o direito da polícia de mentir sobre provas, ao interrogar suspeitos. "Com essa liberdade de ação, suspeitos, principalmente os jovens, ficam especialmente vulneráveis", ele escreveu.

Para escrever o livro, Kassin entrevistou 28 pessoas que confessaram crimes que não cometeram e cujas fotos ele pregou na parede de seu escritório e colocou, muitas delas, na capa do livro.

Nas conversas, alguns dos inocentes explicaram que confessaram o crime porque assumiram que as provas iriam, a qualquer tempo, mostrar que eram inocentes. Outros disseram que não contrataram um advogado porque não fizeram nada errado.

Projeto Inocência
Suspeitos que confessam e depois se retratam enfrentam uma dura batalha judicial para recuperar a liberdade, diz Kassin. As coisas melhoraram quando o Projeto Inocência (Inocence Project) foi criado, em 1992. Aliás, o Projeto Inocência tem sua própria versão sobre as razões que levam as pessoas confessar crimes que não cometeram, de acordo com pesquisas:

  • Intimidação real ou percebida do suspeito pelos detetives da polícia;
  • Uso de força pela polícia durante o interrogatório ou ameaça percebida de força;
  • Capacidade de raciocinar comprometida do suspeito, devido a exaustão, estresse, fome, uso de substâncias e, em alguns casos, limitações mentais ou educação limitada; jovens que não entendem seus direitos e são ensinados a agradar às autoridades são particularmente vulneráveis;
  • Técnicas desonestas de interrogatório, tais como declarações inverídicas sobre a existência de provas incriminadoras;
  • Receio do suspeito de que, se não confessar, poderá pegar uma pena mais dura.

O Projeto Inocência usa testes de DNA para provar a inocência de réus condenados por erro judicial. A instituição já libertou mais de 360 presos, a maioria deles condenada com base em confissões falsas. Hoje, o Projeto Inocência também trabalha com alunos de Direito de faculdades espalhadas pelo país.

Características do método Reid
O site OLR Research Report cita um estudo (Moore and Fitzsimmons, 513), segundo o qual uma das razões pelas quais a técnica Reid leva a confissões de suspeitos inocentes é a de que "a natureza da culpa presumida" do método Reid "cria uma ladeira escorregadia para suspeitos inocentes, ao levar a uma sequência de observações e reações recíprocas, entre o suspeito e o interrogador, que serve para confirmar a crença do interrogador de que o suspeito é culpado".

Outro estudo (Gudjonsson 2012) afirma que aspectos da técnica Reid de interrogatório podem levar a confissões falsas porque ela inclui, entre outras coisas: 1) falsa classificação (a polícia atribui falsidade a declarações verdadeiras do suspeito); 2) coerção (incluindo manipulação psicológica; 3) contaminação (a polícia apresenta informações não públicas ao suspeito, que as incorpora, como se fossem suas, em sua confissão).

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