Consultor Jurídico

Metrô de SP terá de indenizar adolescente agredido por seguranças

20 de maio de 2022, 9h46

Por Camila Mazzotto

imprimir

Uma companhia responsável pela operação de rede metroviária tem o direito de vetar práticas que considera irregulares, como o ato de pedir dinheiro nos vagões e plataformas. Mas isso não pode ser usado como pretexto para permitir que seus agentes de segurança "excedam os limites do razoável" com quem desrespeita as regras — se isso acontecer, a empresa deverá ser responsabilizada.

Reprodução
Metrô de SP é condenado a indenizar adolescente agredido por seguranças Reprodução

Com esse entendimento, o juiz Vítor Gambassi Pereira, da 23ª Vara Cível de São Paulo, condenou na terça-feira (17) o Metrô paulista a indenizar um adolescente agredido por seguranças da empresa. A Companhia do Metropolitano terá de pagar R$ 70 mil ao jovem L.V., de 15 anos.

Em 8 de dezembro de 2019, L.V. estava distribuindo bilhetes com pedidos de ajuda a passageiros em um trem na Estação Tamanduateí, da Linha 2-Verde, quando foi abordado por um segurança. O adolescente foi arrastado para fora do vagão e imobilizado por dois agentes.

Segundo a defesa da vítima, o funcionário do Metrô encontrou na mochila do garoto um papel de seda para enrolar tabaco. L.V. tentou correr, "pois estava com medo", mas o segurança "o imobilizou novamente com uma chave de braço" e, depois, "com um mata-leão".

Em seguida, o adolescente foi encaminhado a uma sala reservada, longe das filmagens. As agressões foram presenciadas por um policial militar, que nada fez para socorrer o menino de 15 anos, mais magro e fraco do que os agentes, de acordo com o processo.

O Metrô contestou o feito e argumentou que a abordagem se deu pelo fato de que o adolescente pedia dinheiro no transporte público, prática proibida nas instalações. Defendeu que os agentes agiram de acordo com o manual de segurança, "tendo o autor tentado fugir e ameaçado os agentes, o que determinou a necessidade de imobilização". Também negou a existência de agressões.

Danos morais
Ao analisar o caso, o juiz destacou que é possível que a companhia estabeleça regras para utilização dos trens e permanência nos vagões e nas plataformas, sem que isso, por si só, configure ilegalidade ou abuso. 

"Acontece que (a companhia) não pode, a pretexto de atuar legalmente e com o fim de coibir práticas irregulares, permitir que seus agentes excedam os limites do razoável quando enfrentam contenda que deveria ser conduzida de forma completamente diferente", disse o magistrado. "As imagens trazidas com a inicial, bem como aquelas juntadas com a contestação, bem comprovam que houve, sim, abuso".

O juiz destacou que os agentes optaram por "imobilização excessiva, com golpes que poderiam perfeitamente fraturar algum osso do autor, causando-lhe lesões corporais inaceitáveis", e que não há qualquer indício de que houve orientação e tentativa de evitar ao máximo o enfrentamento: "Ao contrário, o embate físico foi a primeira opção dos agentes".

O laudo de lesão corporal confirmou a existência de equimose e diversas escoriações no corpo de L.V., todas produzidas por agente contundente e compatível com a atuação dos seguranças, segundo o que consta nos autos. Nada de ilícito foi encontrado com o garoto.

"Houve não só a violação à saúde e à integridade física da parte autora, especificamente quanto às lesões corporais comprovadamente sofridas e relatadas no laudo pericial, mas também violação à integridade psíquica, decorrente do presumível desespero quando abordado o autor de forma excessiva e por mais de uma pessoa", afirmou o juiz.

O magistrado também reconheceu a existência de racismo estrutural na abordagem dos agentes. 

Para a advogada de L.V., Ana Paula Cristina Oliveira Freitas, "o reconhecimento do racismo estrutural é de grande importância, uma vez que o adolescente não foi a primeira e nem a última vítima de violência por parte dos seguranças do Metrô".

O juiz julgou proporcional o valor de R$ 70 mil de indenização por danos morais ao adolescente, com juros de mora de 1% ao mês desde a citação. 

Processo 1014309-68.2021.8.26.0100