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Advogado que grava depoimento do cliente ao MP sem autorização não comete crime

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19 de maio de 2022, 9h26

A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça determinou o trancamento de investigação instaurada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro contra duas advogadas que gravaram, sem autorização, o depoimento de um cliente no procedimento que apura a morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. O colegiado entendeu que não houve ilegalidade na conduta das causídicas.

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ReproduçãoAdvogadas que gravaram depoimento do cliente não cometeram crime, segundo STJ

Com a decisão, a 5ª Turma anulou todos os atos de investigação e os atos judiciais requeridos no procedimento, inclusive a operação de busca e apreensão realizada nas residências e no escritório das advogadas, às quais deverão ser restituídos os bens ilegalmente apreendidos.

Para o relator do caso, ministro Joel Ilan Paciornik, houve abuso de autoridade na instauração do procedimento investigativo do MP-RJ contra as advogadas, pois, embora a gravação não autorizada não seja "ética e moralmente louvável", a sua realização, no caso, não foi ilegal, muito menos criminosa.

Segundo o processo, em 10 de setembro de 2020 as advogadas acompanharam seu cliente em um depoimento no procedimento investigativo do MP que apura o duplo homicídio contra a vereadora do Rio de Janeiro e seu motorista. Elas gravaram o ato com equipamento próprio.

No dia 18 de dezembro daquele ano, foi realizada busca e apreensão nas residências e no escritório de ambas, ocasião em que foram informadas de um procedimento investigativo instaurado no MP-RJ para apurar a suposta realização de escuta ambiental, delito tipificado no artigo 10 da Lei 9.296/1996.

Ao STJ, as duas profissionais alegaram atipicidade da conduta, tendo em vista que a gravação do depoimento do cliente estaria em conformidade com o artigo 367, parágrafo 6º, do Código de Processo Civil.

O ministro Joel Paciornik explicou que os procedimentos administrativos criminais possuem natureza de investigação criminal, diferenciando-se dos inquéritos policiais pela circunstância de terem curso no âmbito do Ministério Público, sem interveniência ou auxílio da autoridade policial.

"Não são meros procedimentos de natureza administrativa, porquanto têm natureza de inquérito e se submetem, sim, ao controle jurisdicional do sistema acusatório previsto no Código de Processo Penal, especialmente para garantia dos direitos fundamentais dos investigados", disse o magistrado.

Segundo o relator, o MP-RJ, para instaurar o procedimento, baseou-se na informação de que a gravação feita por uma das advogadas, durante o depoimento de seu cliente, estaria circulando em estabelecimentos penitenciários do estado do Rio.

Para o ministro, ainda que a autoria da gravação tenha sido confirmada posteriormente, o sigilo tutelado pela norma do artigo 10 da Lei 9.296/1996 se refere apenas às gravações obtidas a partir de interceptações telefônicas judicialmente autorizadas ou, ainda, à realização de interceptação telefônica ou de escuta ambiental sem a ordem judicial legitimadora.

"A realização da gravação, nas circunstâncias em que levada a efeito, em oitiva formal de assistido seu, oficial e notoriamente registrada em sistema audiovisual pela autoridade administrativa responsável pelo ato, é legalmente permitida, independentemente de prévia autorização da autoridade incumbida da presidência do ato, nos explícitos termos do artigo 367, parágrafo 6º, do CPC, diploma jurídico de aplicação supletiva aos procedimentos administrativos em geral".

O relator ponderou ainda que, por força da aplicação analógica do parágrafo 5º do mesmo artigo, a gravação realizada pelo Ministério Público já deveria ter sido integralmente disponibilizada às advogadas. Portanto, observou ele, também por esse motivo não haveria sentido lógico algum em sua responsabilização. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

HC 662.690

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