Opinião

Entenda cláusula que protege acionistas minoritários de aquisições hostis

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18 de maio de 2022, 7h12

É comum que as companhias de capital aberto passem pelo que chamamos de hostile takeover (ou, em português, "aquisições hostis"), que significa a tomada do controle acionário de uma companhia, com a oposição dos membros da diretoria e/ou conselho de administração.

Essas aquisições hostis podem acontecer de duas maneiras: A primeira através de uma oferta pública de aquisição (a "OPA"), conhecida também como "tender offer". Esta modalidade de aquisição é prevista no artigo 257, da Lei nº 6.404/76 e posteriores alterações ("Lei das Sociedades por Ações") e significa uma oferta na qual um determinado proponente (uma outra companhia ou um investidor relevante) manifesta o seu compromisso de adquirir uma quantidade significativa e já pré-determinada de ações que tornem possível o exercício do poder de controle na companhia normalmente propondo o pagamento pela participação societária de um valor superior ao preço de mercado da companhia, ou seja, de um prêmio, para que assim os alienantes tenham interesse nessa alienação e os adquirentes logrem atingir seu objetivo de tomada de controle. Existe a possibilidade, da mesma forma, dos proponentes comprarem ações que lhes garantam o exercício do poder de controle diretamente dos principais acionistas da companhia, e não por meio de uma OPA, no caso de empresas que tenham um acionista específico ou um grupo controlador.

A segunda maneira, por sua vez, ocorre quando há um desentendimento entre os acionistas sobre o andamento e os rumos dos negócios da empresa. Nessa situação, normalmente os membros que possuem menos poder no conselho de administração e, dessa forma, não exercem qualquer poder de controle acerca da eleição de seus membros e consequentemente das decisões que são da seara do conselho, se unem a outros acionistas minoritários, a fim de que com a conjugação de esforços — e votos — passem a deter o poder de deliberar e aprovar a substituição de ao menos parte dos integrantes da administração, sejam diretores e/ou conselheiros e, assim, com novos administradores torna-se mais factível modificar a trajetória da empresa.

No nosso ordenamento jurídico, o tema da hostile takeover se tornou relevante quando o mercado de capitais brasileiro, como forma de obtenção de recursos pelas empresas, tornou-se uma alternativa interessante, o que se deu notadamente a partir do ano de 2007 em que o mercado de ações do país passou por uma forte onda liquidez.

No entanto, há que se lembrar que, notadamente em 2007, tínhamos um Brasil composto de empresas nas quais, em sua grande maioria, o poder de controle era exercido por um controlador ou grupo de controladores definido e, ainda, por muitas empresas de origem e cultura familiar e, desse modo, enfrentou-se uma dificuldade e um óbice a essa alternativa de obtenção de recursos: para que as empresas pudessem ter uma oferta com um valor significativo e atrativo aos investidores que recompensasse a operação, capaz de proporcionar liquidez aos papéis, a venda de uma parcela significativa das ações com direito de voto que ocasionasse a perda do poder de controle se fazia necessária — o que causava certo receio por parte dos controladores, notadamente se falarmos de um controle familiar. Ainda, no caso de companhias com capital já pulverizado e que, desse modo, não tinham um controlador específico, o receio era de estar suscetível à uma possível aquisição à revelia desse controle — até então pulverizado — por alguém que não estivesse alinhado com os interesses e estratégias da empresa.

Foi nesse cenário e, visando que tais preocupações não desestimulassem os empresários a obter recursos no mercado de ações, é que as chamadas "Poison Pills" (ou, na tradução livre para o português, pílula de veneno) foram adaptadas e começaram a ser utilizadas no Brasil, na busca por mecanismos anti-takeover, que pudessem dar certa tranquilidade aos controladores dessas empresas que, ao acessar o mercado de capitais, fatalmente veriam sua participação societária votante diminuir drasticamente.

A cláusula de "Poison Pill" foi originalmente criada em 1980 e desenvolvida pelo escritório de advocacia Wachtell, Lipton, Rosen e Katz, com sede em Nova York. O objetivo principal dessa "pílula do veneno" é evitar que um único acionista ou um grupo de acionistas adquiram participação majoritária em uma companhia, e isso resulte em uma mudança de controle indesejada e o que era para ser uma mera captação de recursos acaba por resultar em uma provável mudança completa dos rumos da empresa, na medida em que quem ditará as regras passará a ser um novo controlador.

Para que possa ter validade, a cláusula de "Poison Pill" deve ser prevista nos estatutos sociais das companhias abertas e objetiva determinar e impor as regras que serão obrigatoriamente aplicáveis àqueles que adquiram parcela relevante da companhia, que possa significar o seu controle (esse percentual variará conforme a estrutura societária de cada empresa), sendo um dos exemplos mais comuns a inclusão estatutária da obrigação de que, havendo essa aquisição de participação acionária relevante conforme as regras de cada estatuto, o adquirente estará obrigado a realizar uma OPA que abranja a totalidade das ações de emissão da companhia (ou das ações remanescentes que já não sejam de sua titularidade).

No Brasil, a ativação — ou "gatilho" — dessa cláusula tem normalmente ocorrido nas hipóteses de aquisição de participação societária em uma porcentagem que varia entre 10 e 35% das ações votantes, e com a previsão ainda de que tal compra ocorra somente se houver o pagamento pelo adquirente de um valor superior ao que os demais acionistas ganhariam caso vendessem as ações na bolsa de valores, impondo assim a incidência de ágio sobre o preço da oferta.

Outro fato interessante desta cláusula, é que, por muitas vezes no passado, esta cláusula era imposta como uma cláusula pétrea, condenando os acionistas que desejassem retirar esta cláusula do estatuto social a obrigatoriamente realizarem a oferta pública para aquisição da totalidade do capital social da companhia. A intenção de se cravar essa cláusula como pétrea era de criar obstáculos à fácil retirada das Poison Pills dos estatutos sociais, o que as tornava de certa forma vulneráveis.

No entanto, em 23 de junho de 2009 a CVM editou a Orientação nº 36/2009, onde firmou o entendimento de que a imposição de cláusulas pétreas nos estatutos sociais das companhias iria em desencontro com a legislação vigente, especialmente no que se refere aos artigos 115, 121, 122, I, e 129 da Lei nº 6.404/76 e posteriores alterações, por entender também que tais cláusulas pétreas acabam por impor um ônus substancial aos acionistas.

Por suas características, a cláusula de Poison Pill é uma forte aliada das empresas que pretendem fazer uso do mercado de capitais como forma de financiar seu negócio, mantendo ao mesmo tempo a segurança jurídica de que os acionistas não estarão sujeitos à uma tomada de controle brusca e repentina, à revelia de seus administradores.

A cláusula, entretanto, deve ser avaliada cada a caso e ter suas regras estipuladas no estatuto, para que não se torne um impeditivo à atratividade dos papéis da empresa no mercado, dificultando o interesse dos investidores. Há que de ter um equilíbrio e avaliar de forma criteriosa as vantagens e desvantagens de se fazer uso das Poison Pills, para que esta seja adaptada à realizada da empresa, e tenha seus termos e condições desenhados pelos acionistas da companhia de forma individualizada, levando-se em conta a governança interna e o objetivo principal que companhia pretende atingir: seja a obtenção de maior capital no mercado de ações com um estatuto social com regras menos engessadas e mais atrativas ou, de outra forma, a garantia de manutenção do mesmo poder de controle já exercido antes de oferta de ações.

Elon Musk, o homem mais rico do mundo, recentemente propôs uma oferta para adquirir 100% das ações do Twitter, no valor unitário de US$ 54,20 por ação, totalizando o montante de US$ 43 bilhões. A oferta veio acompanhada de uma declaração em que o bilionário expressava o seu desejo de tornar a empresa privada.

Como medida para proteger a companhia da tentativa de aquisição hostil do bilionário, o Twitter passou a acionar uma pílula de veneno, chamada internamente de "Plano de Direitos dos Acionistas". A medida prevê que os direitos dos acionistas se tornarão exercíveis se uma entidade, pessoa ou grupo se tornar beneficiária de 15% ou mais das ações ordinárias em circulação do Twitter em uma transação não aprovada pelo conselho de administração.

Cada titular dos direitos previstos no referido plano poderá comprarações ordinárias adicionais por um preço menor do que o praticado no mercado, ou seja, aplicando-se um desconto, de forma que os adquirentes poderão pagar pelas ações um valor bem inferior: as ações a serem adquridas tem um valor de mercado atual de duas vezes o preço de exercício do direito. Atualmente Musk detém aproximadamente 9,2% de participação acionária no Twitter.

A medida, apesar de dificultar a aquisição hostil do bilionário, não impede que Musk aumente a sua participação para 15%. Para a empresa, a ideia é reduzir a probabilidade de que um acionista adquira seu controle sem pagar o valor devido aos demais acionistas, ou que não permita que o conselho de administração tenha tempo o suficiente para analisar a proposta.

Sendo assim, podemos concluir que a Poison Pill é uma cláusula extremamente estratégica e importante para as companhias de capital aberto sendo que, se esta for utilizada corretamente, mediante análise prévia e detalhada de suas vantagens e desvantagens a cada caso, pode lograr atender aos interesses de todos os envolvidos, de forma equilibrada.

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