Opinião

Transformar aviões executivos em táxis-aéreos pode reduzir alíquota de IRPJ e CSLL

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18 de maio de 2022, 12h03

No país assolado pela pandemia, o vai e vem de aviões executivos transformados em UTI aéreas demonstraram o aquecimento do setor da aviação pela alta procura desses serviços, o que denota um movimento tão forte dessa modalidade de transporte no ano passado.

O reflexo foi o crescimento de empresas que fazem esse tipo de transporte, de modo que é para essas sociedades empresariais que se propõe a escrever este artigo.

Será que a expressão "serviços hospitalares" alcançaria os serviços de UTI aérea e terrestre prestados por essas empresas?

Nos termos do artigo 15, § 1º, III, "a", da Lei nº 9.249/95, as empresas de serviços hospitalares têm a tributação de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e Contribuição Social sobre Lucro Líquido com alíquotas reduzidas, cujo benefício fiscal tem como justificativa a finalidade social que as instituições dessa natureza desenvolvem para a sociedade, afinal, nos termos da própria Constituição Federal, no artigo 6º, a saúde é um direito social, devendo a população ter amplo acesso a serviços médicos e hospitalares.

A intenção do legislador com a instituição da redução de alíquota para os serviços hospitalares busca diminuir os encargos fiscais e tributários, notadamente devido ao elevado custo para manutenção e reparo de equipamentos, assim como a alta remuneração dos profissionais da área da saúde, tais como, médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, dentre outros.

A Lei nº 9.249/95, em seu artigo 15, parágrafo 1º, inciso III, "a", c/c artigo 20, I e III, estabeleceu regime de tributação especial às empresas prestadoras de serviços hospitalares, situação em que a base de cálculo para o recolhimento do IRPJ e do CSLL no lucro presumido sobre a receita bruta passa de 32% para 8% e de 32% para 12%, respectivamente:

"Art. 15: A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada mediante a aplicação do percentual de oito por cento sobre a receita bruta auferida mensalmente, observado o disposto nos arts. 30 a 35 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995.
§ 1º Nas seguintes atividades, o percentual de que trata este artigo será de:
(…).
III – trinta e dois por cento, para as atividades de:
Prestação de serviços em geral, exceto a de serviços hospitalares
Art. 20. A base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) devida pelas pessoas jurídicas que efetuarem o pagamento mensal ou trimestral a que se referem os arts. 2º, 25 e 27 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, corresponderá aos seguintes percentuais aplicados sobre a receita bruta definida pelo art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, auferida no período, deduzida das devoluções, das vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos
I – 32% (trinta e dois por cento) para a receita bruta decorrente das atividades previstas no inciso III do § 1º do art. 15 desta Lei;
(…).
III – 12% (doze por cento) para as demais receitas brutas."

À míngua de definição legal de "serviços hospitalares", a Secretaria da Receita Federal expediu a IN 306/03, apontando, com base na Portaria GM nº 1.884/94, do Ministério da Saúde, diversos serviços ligados diretamente à atenção e assistência à saúde, considerados hospitalares para os fins previstos no artigo 15, § 1º, III, a, da Lei nº 9.249/95 (artigo 23).

Por sua vez, dispondo sobre a abrangência do conceito de "serviços hospitalares", para tais fins, foi emitido o Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 18/03, excluindo, do referido enquadramento, os serviços de assistência à saúde, prestados ainda que, com o concurso de auxiliares e colaboradores, exclusivamente pelos sócios da empresa, ou referentes unicamente ao exercício de atividade intelectual, de natureza científica, dos profissionais envolvidos. Posteriormente, foi emitida a IN 480/04, que revogou a IN 306/03, trazendo novos requisitos para aplicação das alíquotas reduzidas, referentes à qualidade do prestador do serviço e à estrutura do estabelecimento.

Atualmente em vigor, em substituição a IN 480/04, a IN 1234/2012 traz um novo conceito sobre a compreensão da nomenclatura "serviços hospitalares" que são aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde, prestados pelos estabelecimentos assistenciais de saúde que desenvolvem as atividades previstas nas atribuições 1 a 4 da Resolução RDC nº 50, de 21 de fevereiro de 2002, da Anvisa (artigo 30).

Seriam também considerados serviços hospitalares, para fins da IN 1.234/2012, aqueles efetuados pelas pessoas jurídicas prestadoras de serviços pré-hospitalares, na área de urgência, realizados por meio de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) móvel instalada em ambulâncias de suporte avançado (Tipo "D") ou em aeronave de suporte médico (Tipo "E"); e prestadoras de serviços de emergências médicas, realizados por meio de UTI móvel, instalada em ambulâncias classificadas nos Tipos "A", "B", "C" e "F", que possuam médicos e equipamentos que possibilitem oferecer ao paciente suporte avançado de vida (artigo 30, parágrafo único). Na mesma linha, em vigor o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 19, de 7 de dezembro de 2007.

Após múltiplas controvérsias acerca do alcance da expressão "serviços hospitalares", prevista no artigo 15, §1º, inciso III, alínea "a", da Lei 9.429/95, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, na sistemática dos recursos repetitivos, pacificou o entendimento de que a mesma deve ser "(…) interpretada de forma objetiva (ou seja, sob a perspectiva da atividade realizada pela contribuinte), porquanto a lei, ao conceder o benefício fiscal, não considerou o contribuinte em si (critério subjetivo), mas a natureza do próprio serviço prestado (assistência à saúde)', além de que '(…) os regulamentos emanados da Receita Federal referentes aos dispositivos legais acima mencionados não poderiam exigir que os contribuintes cumprissem requisitos não previstos em lei (a exemplo da necessidade de manter estrutura que permita a internação de pacientes) para a obtenção do benefício" (REsp nº 1.116.399 — Tema 217/STJ).

Dessa forma, o STJ, alterando orientação anterior, firmou entendimento de que a expressão "serviços hospitalares" constante do artigo 15, § 1º, III, alínea "a", da Lei nº 9.249/95, deve ser interpretada de forma objetiva, levando-se em conta, não o contribuinte em si (critério subjetivo), mas a natureza do serviço prestado, independentemente da capacidade de internação ou estrutura do estabelecimento, de forma a compreender os serviços normalmente, mas não necessariamente, prestados em hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde, excluindo-se as simples consultas médicas, próprias dos consultórios médicos, ainda que prestadas no interior do estabelecimento hospitalar (cf.: EDcl no próprio REsp nº 1.116.399/BA, DJe 29/9/2010).

Em outras palavras, significa dizer que "a redução das bases de cálculo do IRPJ e da CSSL, nos termos dos artigos 15 e 20 da Lei nº 9.249/95, é benefício fiscal concedido de forma objetiva, com foco nos serviços que são prestados, e não no contribuinte que os executa" (AgRg no REsp 1.138.758/SP), razão pela qual o beneficiário da tributação incentivada em questão não necessita estar equiparado em termos estruturais e formais a este tipo de pessoa jurídica (hospital).

Com a edição da Lei nº 11.727/2008, o artigo 15, § 1º, III, alínea "a" sofreu alteração legislativa passando a ter novos requisitos taxativos/exaustivos que devem ser observados para a regular fruição da alíquota reduzida, a saber: 1) a empresa deve estar organizada sob a forma de sociedade empresária; e 2) a empresa deve atender as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Regulamentando a alteração em referência, a Secretaria da Receita Federal do Brasil editou inúmeras instruções normativas ao longo dos anos, estando em vigor, atualmente, as previsões contidas Instruções Normativas 1.234, de 11/01/2012, e 1.700, de 14/3/2017 (ambas com suas devidas atualizações).

Quanto ao requisito da constituição de empresa organizada sob a forma de sociedade empresária, não existem maiores discussões, na medida em que para fins de enquadramento como sociedade empresária, deve a pessoa jurídica "exercer profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços (artigo 966 do Código Civil), de modo a haver a necessária organização econômica da atividade empresarial, mediante alocação dos fatores de produção" (Solução de Consulta nº 195/2019).

No que se refere à observação das normas da Anvisa, a Secretaria da Receita Federal do Brasil entende "como atendimento às normas da Anvisa, entre outras, a prestação de serviços em ambientes desenvolvidos de acordo com o item 3 — Dimensionamento, Quantificação e Instalações Prediais dos Ambientes da Parte II – Programação Físico-Funcional dos Estabelecimentos Assistenciais de Saúde da Resolução RDC nº 50, de 21 de fevereiro de 2002, cuja comprovação deve ser feita mediante alvará da vigilância sanitária estadual ou municipal" (artigo 33, §3º, da Instrução Normativa nº 1.700/2017).

Em um primeiro momento, poder-se-ia perceber que não mais existiria qualquer controvérsia; entretanto, na prática, a Secretaria da Receita Federal ainda comete flagrantes excessos de suas prerrogativas de regulamentação da legislação, pois através de instruções normativas, soluções de consulta e atos declaratórios interpretativos, cria direito novo, age como legislador positivo e, assim, impõe uma série de óbices e requisitos não previstos em lei para que o contribuinte não possa usufruir regularmente das alíquotas reduzidas do IRPJ e CSLL.

Por exemplo, no artigo 30, caput, da Instrução Normativa nº 1.234/2012, a Secretaria da Receita Federal do Brasil informa que são considerados serviços hospitalares as atividades voltadas à promoção da saúde, "(…) prestados pelos estabelecimentos assistenciais de saúde que desenvolvem as atividades previstas nas atribuições 1 a 4 da Resolução RDC nº 50, de 21 de fevereiro de 2002, da Anvisa".

O rol de atividades e subatividades previstas na Resolução RDC nº 50/2002 (prestação de atendimento eletivo de promoção e assistência à saúde em regime ambulatorial e de hospital; prestação de atendimento imediato de assistência à saúde; prestação de atendimento de assistência à saúde em regime de internação; e prestação de atendimento de apoio ao diagnóstico e terapia) não pode ser interpretado de forma taxativa, até mesmo porque, nos próprios termos do ato infralegal emanado pelo Ministério da Saúde, "(…) embora o objetivo seja esgotar a listagem, esta é sempre passível de modificação, porque sempre será possível o surgimento e/ou transformação das atividades", sendo indiscutível que desde 2002 a medicina passou por diversas inovações e avanços tecnológicos.

Um outro exemplo, a Solução de Consulta nº 01/2002 que estabelece que as receitas decorrentes dos serviços de emergências médicas, realizados por meio de UTI móvel instaladas em ambulâncias classificadas nos Tipos "A", "B", "C" e "F", que não possuam médicos e equipamentos que possibilitem oferecer ao paciente suporte avançado de vida, deverá ser aplicado o percentual de 32% sobre a receita bruta da atividade.

Ocorre que, conforme entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, "os regulamentos emanados da Receita Federal referentes aos dispositivos legais acima mencionados não poderiam exigir que os contribuintes cumprissem requisitos não previstos em lei" (REsp nº 1.116.399), o que significa dizer que atos infralegais (portarias, atos declaratórios, instruções normativas etc.) não podem dizer mais do que a própria lei.

Ou seja, não pode a Secretaria da Receita Federal do Brasil editar atos infralegais para contradizer, restringir ou ampliar o alcance do texto legal ou, ainda, para impor restrições não previstas na lei.

Sendo assim, uma sociedade empresarial que tenha transformado seus aviões executivos em táxi-aéreos e que atenda as normas da Anvisa, ainda que desenvolva atividades de transporte de passageiros e de carga, e voos executivos fretados; mas que, por terem realizados serviços especializados na parte de UTI aérea e terrestre, e contarem com equipe formada por profissionais, tal como médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, motoristas e pilotos de avião, além de diversos equipamentos que as UTIs dos hospitais possuem, para fazer a remoção dos pacientes; faz jus a redução de alíquota prevista na Lei nº 9.249/95 em relação àquela parcela da receita proveniente da atividade específica sujeita ao benefício fiscal (serviços hospitalares), como UTI Móvel Aérea e Terrestre (CNAE 8621-6/01), desenvolvida pela empresa, não alcançando o benefício as receitas decorrentes de outras atividades, tais como as relacionadas no contrato social (por exemplo, tais como, prestação de serviços de transporte aéreo público não-regular na modalidade táxi aéreo (CNAE 5112-9/01), manutenção, revisão e reparo de aeronaves (CNAE 3316-3/01) e comércio varejista de peças aeronáutica (CNAE 4669-9/99) e etc.). Inteligência do julgado do TRF-3 — ApCiv: 00041756920144036000 MS, relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO, data de julgamento: 5/6/2019, 3ª TURMA, data de publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/6/2019.

Em suma, na prática, o benefício fiscal de redução de alíquota do IRPJ e CSSL alcançaria apenas aos rendimentos oriundos dos atos considerados como serviços hospitalares, restando excluídas do benefício fiscal aquelas receitas provenientes de outras atividades. Neste sentido: EDcl nos EDcl no REsp 983.247/SC, rel. ministro HERMAN BENJAMIN, 2ª TURMA, julgado em 18/3/2010, DJe 6/4/2010.

Portanto, conclui-se que o IRPJ e a CSSL são devidos sobre a base de cálculo de 8% e 12%, sobre a receita bruta auferida pela prestação tipicamente hospitalar, em substituição ao percentual geral de 32% (restando excluídas do benefício fiscal aquelas receitas provenientes de outras atividades.), fazendo jus as sociedades empresariais, que transformaram seus voos executivos em táxi-aéreo com serviços de UTI móvel, à aplicação da alíquota reduzida na forma da Lei nº 9.249/95.

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