Opinião

A alteração da convenção arbitral da CCEE

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18 de maio de 2022, 15h04

A escolha da arbitragem como mecanismo de resolução de disputas no âmbito da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) remonta à própria criação da entidade. Conforme dispõe o artigo 4°, §5° da Lei nº 10.848/04, que autorizou a criação da CCEE:

"§ 5º. As regras para a resolução das eventuais divergências entre os agentes integrantes da CCEE serão estabelecidas na convenção de comercialização e em seu estatuto social, que deverão tratar do mecanismo e da convenção de arbitragem, nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996."

No mesmo sentido, a Convenção de Comercialização de Energia Elétrica da CCEE (Convenção de Comercialização), instituída através da Resolução Normativa nº 109/2004 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), previu em seu artigo 58:

"Artigo 58. Os Agentes da CCEE e a CCEE deverão dirimir, por intermédio da Câmara de Arbitragem, todos os conflitos que envolvam direitos disponíveis, nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 […]."

Ademais, foi consignado que haveria um documento em separado, mas integrante da Convenção de Comercialização, denominado Convenção Arbitral, conforme artigo 58, parágrafo único da Convenção de Comercialização, através do qual os agentes da CCEE comprometem-se a submeter seus conflitos à resolução pela via arbitral.

A adesão dos agentes da CCEE à referida convenção é obrigatória, por força do disposto no artigo 17, inciso VII, da Convenção de Comercialização de Energia Elétrica da CCEE e do artigo 8°, inciso VI, do Estatuto Social da CCEE.

Em 2007, o atual texto da Convenção Arbitral foi homologado pela Aneel, entrando em vigor. Dentre as suas particularidades, está a escolha da Câmara FGV de Conciliação e Arbitragem (atualmente Câmara FGV de Mediação e Arbitragem) como única instituição arbitral competente para administrar os procedimentos arbitrais no âmbito da CCEE.

Em 2017, a alteração da Convenção Arbitral passou a ser debatida, resultando na criação de um grupo de trabalho. As proposições resultantes desse grupo de trabalho foram levadas para deliberação dos associados na 63ª Assembleia Geral Extraordinária da CCEE, realizada em 26 de outubro de 2017. Na ocasião, em razão de pedidos de alteração do texto proposto, acabou o assunto sendo retirado de pauta.

A alteração da Convenção Arbitral da CCEE
Após a retomada dos esforços do grupo de trabalho, o assunto voltou a ser tratado na 68ª Assembleia Geral Extraordinária da CCEE, realizada em 19 de outubro de 2021, dessa vez sendo aprovada a proposta de alteração da Convenção Arbitral da CCEE por unanimidade dos presentes.

Conforme relatado durante o conclave, o grupo de trabalho criado em 2017 delimitou quatro tópicos principais a serem abordados na alteração da Convenção Arbitral:

(1) falta de competividade entre Câmaras dada a atual exclusividade da Câmara da Fundação Getúlio Vargas (FGV);

(2) possível afetação do mercado decorrente de decisões arbitrais proferidas em processos com questões bilaterais;

(3) necessidade de consolidar a regra já adotada que fixa as hipóteses em que não se aplica a Convenção Arbitral, decorrentes da própria Convenção de Comercialização; e

(4) aprimoramentos decorrentes da própria evolução do mercado e da experiência alcançada desde a entrada em vigor da atual Convenção Arbitral.

Com base nesses pontos e nas sugestões colhidas junto aos agentes da CCEE, foi elaborado o novo texto da Convenção Arbitral aprovado na 68ª Assembleia Geral Extraordinária da CCEE. Dentre as mudanças promovidas pelo novo texto, destaca-se:

1. O aumento do número de câmaras arbitrais elegíveis para a resolução de disputas de agentes da CCEE: os agentes poderão escolher qualquer câmara arbitral dentre aquelas homologadas pela CCEE, mediante um procedimento de homologação a ser criado.

2. Delimitação de quais conflitos devem ou não devem ser submetidos à arbitragem: remissão à Convenção de Comercialização para delimitar os conflitos que devem ser submetidos à arbitragem e melhora da redação das exceções à via arbitral, a saber: (a) conflitos bilaterais que não impactem terceiros; e (b) a cobrança, por parte da CCEE, de valores inadimplidos, inclusive penalidades.

3. Mecanismo de proteção ao mercado: possibilidade de o tribunal arbitral constituído para decidir o conflito exigir garantias das partes em razão dos efeitos das decisões daquela arbitragem sobre terceiros.

4. Alterações nos critérios para indicação de árbitros: foram alteradas as hipóteses de impedimento e reduzido o prazo de quarentena para ex-prestadores de serviço, ex-colaboradores e ex-consultores das partes, permitindo uma ampliação do rol de possíveis árbitros.

5. Divulgação de um banco de jurisprudência: criação de um repositório público das ementas das sentenças arbitrais, respeitando-se a confidencialidade das partes.

Além de salutares, tais alterações vão de encontro tanto com as preocupações dos associados quanto às atuais tendências no cenário arbitral nacional e internacional.

O aumento de câmaras arbitrais elegíveis, mediante um procedimento de homologação, além de reforçar a liberdade de escolha — tema caro no âmbito da CCEE e no campo da arbitragem —, também encaixa-se em uma tendência que vem se disseminando no Brasil desde 2019, quando o credenciamento de câmaras arbitrais, mediante cumprimento de certos requisitos, foi estabelecido como condição para: (a) submissão à arbitragem de litígios envolvendo a União Federal nos setores portuário e de transporte rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroportuário (Decreto nº 10.025/2019); e (b) submissão à arbitragem de litígios envolvendo o estado de São Paulo e suas autarquias (Decreto nº 64.356/2019).

A remissão à Convenção de Comercialização para delimitar os conflitos arbitráveis e a clara especificação das exceções à via arbitral (conflitos bilaterais que não afetem terceiros e cobrança, pela CCEE, de valores inadimplidos) contribuem para evitar divergências interpretativas decorrentes da redação anterior da Convenção Arbitral, promovendo segurança jurídica.

A possibilidade de serem demandadas garantias das partes do procedimento arbitral em razão de efeitos das decisões arbitrais sobre terceiros tem o potencial de evitar disfunções do mercado de comercialização — um mercado caracterizado por redes contratuais, no qual a ação de um agente (ou então uma decisão arbitral) tem o potencial de gerar efeitos em cascata sobre diversos outros agentes.

As alterações referentes à indicação de árbitros têm o condão de aumentar o rol de possíveis julgadores a serem escolhidos pelas partes. Trata-se de mudança interessante, dada a alta complexidade dos conflitos abarcados pela Convenção Arbitral e a necessidade de árbitros especializados e com conhecimento do setor, fatores que, por si só, limitam o rol de possíveis indicados.

Por fim, a criação de um banco de jurisprudência, a despeito de eventuais ressalvas que os agentes possam ter quanto ao tema, é prática já adotada no âmbito da arbitragem internacional — notadamente no âmbito da Corte Internacional de Arbitragem da ICC (International Chamber of Commerce) –, em que, via de regra, excertos de decisões arbitrais são publicados, omitindo-se qualquer fato que possa dar indicação sobre a identidade das partes.

A nova versão da Convenção Arbitral aprovada agora aguarda homologação da Aneel para entrar em vigor.

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