Garantias do Consumo

McPicanha e Whopper Costela: "verdade ou consequência"

Autor

  • Cristiano Heineck Schmitt

    é advogado doutor e mestre em Direito pela UFRGS professor de Direito da Escola de Direito da PUC-RS pós-graduado pela Escola da Magistratura do RS secretário-geral da Comissão Especial de Defesa do Consumidor da OAB-RS Membro do Instituto Brasilcon e do Ibdcont (Instituto Brasileiro de Direito Contratual).

18 de maio de 2022, 8h05

O McDonald's Corporation é a maior cadeia de restaurantes fast food do mundo, sendo um conhecido símbolo do capitalismo norte-americano, mais proeminente, ao nosso ver, do que a bandeira do país que lhe deu origem. Entre seus produtos, o destaque maior é dos hambúrgueres, seguidos por batatas fritas e sorvetes, entre outros não tão destacados. Muito além de lanches e refeições, a empresa traduz um modelo de operação de franquia empresarial que se torna um ícone, não somente para outros fornecedores ligados ao mesmo objeto, como também a várias outras e distintas áreas. Sua presença global é tão marcante, que fica mais fácil reportar quais países não tem uma franquia do McDonald's, ou em quais países o restaurante ainda não aportou.

A Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece a existência de 193 países e 17 territórios. Pois bem, existem 35 mil restaurantes da marca espalhados por 119 países e territórios, o que bem revela a influência do grande "M dourado" [1]. Criado nos Estados Unidos, nos primórdios de 1940, o McDonald's, que leva o nome de seus patriarcas, tem um início através de uma churrascaria, passando em 1948 a uma hamburgueria com princípios próprios de uma linha de produção. Sob nova direção, em 1955 dá-se início a um sistema de franquia que até hoje é modelo mundial [2].

Por sua vez [3], e não menos importante, embora menor, tem-se a rede de restaurantes Burger King, cujo início dá-se em 1953, na Flórida. Uma curiosidade é que em 2 de setembro de 2010, a totalidade das ações da empresa foi adquirida pelo fundo de investimentos brasileiro chamado 3G Capital [4], com sede no Rio de Janeiro, podendo-se dizer que, por alguns anos, a cadeia de fast food tenha sido exclusivamente brasileira. Em face do seu tamanho e expansão, pode-se dizer que o Burger King é maior concorrente do McDonald's, sendo a segunda maior franquia desse setor no mundo, possuindo mais de quinze mil lojas, estando presente em mais de cem países [5].

Feitas as apresentações resumidas dos atores principais do problema observado, passamos ao objeto da discórdia.

Em campanha publicitária recente e contida nas embalagens de produtos, o McDonald’s passou a anunciar um "novo" hambúrguer, cujo nome era "McPicanha", fazendo referência a um corte nobre de carne.

Contudo, dúvidas começaram a surgir, e, indagada, a rede fast food disse que usava o nome "Picanha", mas o seu hambúrguer, a carne utilizada no mesmo, não continha picanha [6]. Diante de forte pressão de consumidores, e de órgãos de proteção do consumidor, o McDonald's admitiu que errou na escolha do nome, e que o sanduíche seria apresentado então como sendo "a maior carne do Méqui com delicioso molho sabor picanha". Em verdade, os hambúrgueres do McDonald's são compostos cem por cento de carne bovina, segundo garante a rede, carne esta que vem do ombro, peito, pescoço, costas e pernas do boi. Ou seja, nada de Picanha.

O que ocorria de fato, e isso é o que defendera a rede de lanchonetes, é que o hambúrguer, ou ao menos a carne, teria aroma de picanha. Em nossa opinião pessoal, entendemos ser um pouco difícil tal meta. Quando se compra uma picanha, carne esta que no tempos atuais tem seu quilo superando os cem reais, busca-se um produto de grande maciez, e não somente algo que exale um aroma diferenciado quando assado.

Por outro lado, após toda uma celeuma gerada pelo caso da Picanha, era a vez de se analisar se o maior concorrente, o Burger King, também adotava comportamento similar na oferta de produtos. E, nesse sentido, vem à tona, o caso do "Whopper Costela". Como faz crer o anúncio do sanduíche, o mesmo conteria carne de costela suína, como se pode verificar:

Questionado sobre a presença de costela no hambúrguer, o Burger King confirmou que o mesmo é feito com paleta suína e tem "aroma natural de costela" [7]. Em sua defesa, o Burger King afirma que em seus comerciais deixa claro que a carne do hambúrguer seria proveniente de paleta suína.

Diante desse cenário, estava constituída a celeuma. Nas campanhas dos sanduíches indicados, houve publicidade enganosa? Os anúncios fazem crer que o hambúrguer é composto de determinado tipo de carne, e de fato não o é? Estaria faltando transparência às empresas em esclarecer adequadamente que os hambúrgueres apresentam apenas aroma de picanha ou de costela suína?

Em sites como Reclame Aqui, redes sociais, entre outros, várias foram as manifestações de consumidores insatisfeitos com o comportamento de ambas as empresas, que, em resumo, é classificado como desleal, por anunciar algo que não correspondia à verdade. Há quem sustente que a denúncia, por assim dizer, partiu de funcionários da rede McDonald's afirmando no Facebook que o hambúrguer de picanha era a mesma carne utilizada em outros sanduíches da rede, não tendo, portanto, picanha [8].

Entrou na discussão o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor através de alguns Procons. O Procon-SP, por exemplo, notificou o Mcdonald's para se explicar sobre o caso, registrando-se quem em determinados anúncios chegava a ter-se a expressão "picanhamente delícia". Destaca-se que o produto não foi criado em 2022, já tendo aparecido no mercado em 2019. Na linha de exigências do Procon-SP, foi requisitado ao McDonald's para apresentar a tabela nutricional dos sanduíches, atestando a composição de cada um dos ingredientes, merecendo destaque, os materiais publicitários e das mídias de divulgação da linha de 2022, bem como dados da campanha imediatamente anterior [9].

No caso do Burger King, o Procon do Distrito Federal foi a venda do Whopper Costela, tendo que vista que até então, somente foi constatada a presença de aromatizante no hambúrguer, mas sem a presença da carne de costela suína. O órgão enfatizou também que "a informação sobre a composição do lanche não é clara na publicidade e pode induzir o consumidor ao erro, podendo se caracterizar como publicidade enganosa" [10].

Inclusive o Conar, Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, embora sem poder de polícia, mas com aptidão para denunciar a deficiência e inaptidão de determinada campanha publicitária, também está investigando o caso, abrindo um processo ético para verificar a veracidade da mensagem publicitária do McPicanha.

Como bem ensina Erik Jayme, "a sobrevivência de toda a ordem jurídica necessita da figura da pessoa média ('Durchschnittsperson'), cujas visões e expectativas serão o auxílio para a interpretação e concretização dos conceitos de direito, dos conceitos indeterminados e das cláusulas gerais, enfatizando a importância das projeções dessas valorações no âmbito do direito comparado" [11]. E, de acordo com referido jurista, o consumidor é um "observador menos atento" (ibidem, p.34), sendo que crianças, por exemplo, podem se tornar vítimas potenciais de publicidade abusiva.

No caso, os sanduíches do McDonald's tem um alvo muito intenso sobre crianças e adolescentes, sendo inclusive vendidos, em conjunto ou separado, com brinquedos representando super heróis, personagens de filmes de animação, televisão, etc. Ao se analisar o conteúdo das imagens publicitárias de ambos os sanduíches, ao menos na visão deste articulista, é bastante perceptível a intenção e indicar a presença de picanha ou de costela suína em hambúrgueres. E dúvida que paira no ar é, haveria o mesmo número de vendas caso as mensagens deixassem claro que os sanduíches não contêm nem picanha, nem costela, mas somente o suposto odor? Observando-se o tamanho e extensão das operações de ambas as empresa citadas, o número de pessoas potencialmente afetadas é incalculável, considerando- se apenas o Brasil.

O consumidor é um sujeito vulnerável por natureza (artigo 4º, inciso I do CDC), e compra por impulsos, com pouca ou nenhuma reflexão, muitas vezes apenas atendendo a desejos básicos, como a fome. Uma promessa de presença de picanha em um hambúrguer, em épocas em que a grande parte da população não consegue mais comprar carne bovina, face à alta da inflação e desempregos, é um tentador convite para a compra do sanduíche, que tem um preço bem mais reduzido do que um quilo do corte referido. Contudo, não parece ser uma conduta leal com o cliente, se resta provado que inexiste a tão sonhada picanha.

O artigo 37, parágrafo primeiro, do Código de Defesa do Consumidor, lei n° 8.078/90, dispõe que é proibida toda publicidade enganosa, a qual conceitua como sendo qualquer "modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços".

Se um dos deveres anexo da boa-fé objetiva, a informação, representa dividir com o outro contratante o que se sabe, permitindo-se a este uma correta expectativa da relação que será firmada, o contrário disto é a publicidade enganosa. Nesta, é prometida uma eficácia do produto ou serviço que um dos contratantes, no caso, o fornecedor, já sabe que jamais atingirá o nível de verdade e de satisfação garantido pelo anúncio. Tal prática, inclusive, é, em face do artigo 67 do CDC, figura criminal: "fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva; pena: detenção de três meses a um ano e multa".

Sem pretender ainda prejulgar os ímpetos de ambas as campanhas versadas por McDonald's e Burger King, é exigível dessas empresas, no mínimo, um padrão acentuado de lealdade com seus consumidores, deixando claro que seus novos hamburguers apenas contêm aroma, mas não a carne que dá o nome ao sanduíche, o que é, aliás, bastante paradoxal. Sugere-se, inclusive, para uma boa e sadia relação com a vasta clientela, alterando-se os nomes dos produtos, evitando-se confusões e desgastes das marcas. Além disso, um pedido de desculpas com doações de sanduíches (mesmo os aqui relatados), a organizações sociais, por exemplo, seria muito bem recebido e mostraria que, afinal, se errar é humano, assumir o erro e tentar consertá-lo é auspicioso. Por outro lado, persistir na meta equivocada, pode gerar uma série ampla de interpretações, que podem desgastar ainda mais a imagem das duas redes envolvidas.

 [6] Vide https://economia.ig.com.br/2022-04-30/mcdonalds-admite-erro-anuncia-volta-mcpicanha-novo-nome.html. Acesso em 10/5/2022.

[7] Vide https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2022/05/02/burger-king-e-acusado-de-vender-whooper-de- costela-sem-costela.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em 10/5/2022.

[8] Vide https://economia.ig.com.br/2022-04-28/procon-mcdonalds-mcpicanha.html. Acesso em 10/5/2022.

[9] Vide https://economia.ig.com.br/2022-04-28/procon-mcdonalds-mcpicanha.html. Acesso em 10/5/2022.

[10] Vide https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2022/05/5004823-procon-df-suspende-venda-do-whopper-costela-pelo-burger-king.html. Acesso em 10/5/2022.

[11] JAYME, Erik. Visões para uma teoria pós-moderna do Direito Comparado. Tradução de Claudia Lima Marques. Revista dos Tribunais, São Paulo, nº 759, p.33, jan. 1999.

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    é advogado, doutor e mestre em Direito pela UFRGS, professor de Direito da PUC-RS, pós-graduado pela Escola da Magistratura do RS, secretário-geral da Comissão Especial de Defesa do Consumidor da OAB-RS, diretor do Instituto Brasilcon, autor de livros, palestrante e professor de curso de pós-graduação lato sensu.

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