Paradoxo da Corte

Sustentação oral na recente reforma do Estatuto da Advocacia

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

17 de maio de 2022, 8h00

Como já tive oportunidade de escrever, em precedente artigo, a oralidade no processo civil, que teve na obra de Chiovenda lugar de inegável destaque, reúne como corolários: a) a prevalência da palavra; b) a imediatidade; c) a identidade física do juiz; e d) a concentração de determinados atos processuais numa única oportunidade.

Spacca
Piero Calamandrei, muitos anos depois, reafirmando, quase que integralmente, os alicerces da clássica teoria de seu mestre, sublinha que, de fato, o mérito de ter sobrelevado, na Itália, as vantagens da oralidade é todo de Chiovenda, que, com um admirável apostolado, iniciado em 1906 e que perdurou até a sua morte, fez-se pregoeiro daquela reforma inspirada no processo oral, que acabou triunfando não apenas na legislação italiana, como, igualmente, mundo afora, em inúmeros outros diplomas processuais.

Em nosso sistema processual, antes mesmo da influência da dogmática italiana que, mais tarde, iria marcar de forma indelével a legislação e a doutrina pátrias, a tradição jurídica luso-brasileira já conhecia, na seara forense, a "audiência" como ato de interlocução entre o juiz e os advogados das partes, que acorriam ao foro para apresentar, diretamente ao magistrado, alegações e requerimentos. Todos esses atos processuais ficavam registrados pelos escrivães, que os transcreviam nos respectivos autos do processo.

Inspirando-se praticamente no mesmo modelo do sistema oral clássico, que coloca as partes e seus advogados frente a frente com o juiz, embora deixando de exigir a identidade física deste, o vigente Código de Processo Civil, em particular no artigo 358, prestigia a oralidade.

Todavia, como tal princípio não vigora perante os tribunais e, ainda, diante da dificuldade crescente, ao menos na experiência jurídica paulista, de o advogado ter acesso pessoal aos desembargadores, a sustentação oral tem sido considerada o momento ideal para que a parte seja ouvida por intermédio de seu procurador.

No entanto, com mais de 40 anos de exercício profissional, tenho observado que, em regra, na maioria das vezes jovens advogados abusam da paciência dos magistrados que atuam nos tribunais, porque, na véspera do julgamento, procuram "despachar" nos gabinetes, sendo certo que, ao ensejo do julgamento, às vezes no dia seguinte, repetem, na sustentação oral, a mesma exposição então feita.

Assim é que a sustentação na sessão de julgamento acaba ficando banalizada. Essa é, de fato, uma irretorquível conclusão de todos nós, que participamos do dia a dia da vida forense.

Seja como for, a possibilidade de sustentação oral vem prevista, de forma expressa e detalhada, no artigo 937 do Código de Processo Civil: "Na sessão de julgamento, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido e, nos casos de sua intervenção, ao membro do Ministério Público, pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos para cada um, a fim de sustentarem suas razões, nas seguintes hipóteses, nos termos da parte final do caput do artigo 1.021: I — no recurso de apelação; II — no recurso ordinário; III — no recurso especial; IV — no recurso extraordinário; V — nos embargos de divergência; VI — na ação rescisória, no mandado de segurança e na reclamação; VIII — no agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência; IX — em outras hipóteses previstas em lei ou no regimento interno do tribunal. § 1º A sustentação oral no incidente de resolução de demandas repetitivas observará o disposto no art. 984, no que couber. § 2º O procurador que desejar proferir sustentação oral poderá requerer, até o início da sessão, que o processo seja julgado em primeiro lugar, sem prejuízo das preferências legais. § 3º Nos processos de competência originária previstos no inciso VI, caberá sustentação oral no agravo interno interposto contra decisão de relator que o extinga. § 4º É permitido ao advogado com domicílio profissional em cidade diversa daquela onde está sediado o tribunal realizar sustentação oral por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que o requeira até o dia anterior ao da sessão".

Dentre outras hipóteses previstas em lei, destaca-se o caput do artigo 942, que também admite a sustentação oral quando se verifica o denominado julgamento estendido, isto é, quando houver dissenso entre os desembargadores, por ocasião do julgamento da apelação, da ação rescisória ou do agravo de instrumento sobre decisão parcial de mérito.

A mens legis nessa situação propicia a intervenção oral do advogado, em subsequente sessão de julgamento, mas desde que não tenha estado presente pelo menos um dos dois desembargadores que passam a integrar a turma julgadora. Evita-se, com esse sábio expediente, desnecessária repetição.

Ressalte-se que a sustentação oral, de um modo geral, é recomendada para que o procurador da parte possa ressaltar questões de fato determinantes do julgamento do recurso. Usar a tribuna apenas para repetir matéria de direito acaba sendo contraproducente diante do velho aforismo iura novit curia!

A propósito desse assunto, cumpre-me registrar que na semana passada, o Senado aprovou, em caráter definitivo, o Projeto de lei nº 5.284, de 2020, de iniciativa do deputado federal Paulo Abi-Ackel (PSDB/MG), que introduziu importantes alterações no Estatuto da Advocacia e nos Códigos de Processo Civil e Processo Penal.

No que toca à possibilidade de sustentação oral, o advogado, consoante a nova redação do artigo 7º da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), poderá:

“(…)
 IX-A – sustentar oralmente, durante as sessões de julgamento, as razões de qualquer recurso ou processo presencial ou telepresencial em tempo real e concomitante ao julgamento;
X – usar da palavra, pela ordem, em qualquer tribunal judicial ou administrativo, de deliberação coletiva da administração pública ou Comissão Parlamentar de Inquérito, mediante intervenção pontual e sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, a documentos ou a afirmações que influam na decisão;
(…)
§ 2º-A – Incluídos no plenário virtual o julgamento dos recursos e das ações originárias, sempre que a parte requerer a sustentação oral em tempo real ao julgamento, o processo será remetido para a sessão presencial ou telepresencial.
§ 2º-B – Poderá o advogado realizar a sustentação oral no recurso interposto contra a decisão monocrática de relator que julgar o mérito ou não conhecer dos seguintes recursos ou ações:
I – recurso de apelação;
II – recurso ordinário;
III – recurso especial;
IV – recurso extraordinário;
V – embargos de divergência;
VI – ação rescisória, mandado de segurança, reclamação, habeas corpus e outras ações de competência originária.

Nota-se facilmente que, além de adequar a legislação vigente às novas formas de julgamento por meio de plataformas eletrônicas, passa a ser permitida a sustentação oral em recurso contra decisão monocrática de relator, que julgar o mérito ou inadmitir recurso ou ação originária.

Tal faculdade, a meu ver, resolve um crucial problema, que, a rigor, vulnerava a prerrogativa do advogado de participar do julgamento, quando configurada tal situação, em segundo ou superior grau de jurisdição.

Importa ainda assinalar que, pela nova redação do artigo 7º, IX-A, supra transcrito, o advogado também poderá sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo no momento do julgamento, seja em sessões presenciais ou telepresenciais.

Registro, por fim, que, embora sem qualquer alusão, estas disposições harmonizam-se com o disposto no inciso IX do artigo 937 do Código de Processo Civil.

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