Opinião

Whistleblower, o assoprador de apito

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17 de maio de 2022, 16h01

A Lei 13.608, de 10 de janeiro de 2018, criou a figura do whistleblower, expressão inglesa que literalmente significa "assoprador de apito", aquele dos tempos nostálgicos da polícia Inglesa que soprava o apito quando ocorria um crime. O ato servia para alertar a população local da ocorrência de um delito e também para pedir reforços.

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Aqui no Brasil, o nosso "soprador", com as novas feições dadas pelo legislador, podemos chamá-lo de "denunciante" ou "informante do  bem".

O informante do bem é a pessoa que comunica, de forma anônima ou não, a órgãos de controle, públicos ou privados, a existência, no interior da empresa ou de um órgão público em que tem ou teve algum vínculo, da prática de irregularidades.

De conseguinte, qualquer pessoa pode ser informante, um servidor público de alto ou baixo escalão, assim como o empregado privado de qualquer nível dentro da empresa.

Devem ser informações úteis para a prevenção, a repressão ou a apuração de crimes ou ilícitos administrativos, em especial, destaquem-se, a corrupção, a lavagem de dinheiro, fraudes licitatórias e a prática culturalmente impregnada no seio de algumas empresas de sonegação fiscal.

O informante do bem será recompensado pelas informações que relatar, e a ideia de recompensa está associada a essa nova estratégia de enfrentamento da criminalidade, servindo como mecanismo de incentivo às denúncias.

Não se deve confundir a figura do whistleblower com os outros institutos de "colaboradores da justiça".

Nada tem que ver com a "infiltração policial". Sabemos que o "infiltrado" é o agente de polícia que oculta sua verdadeira identidade e passa a integrar, mediante autorização judicial, determinada organização criminosa, com o fim de obter provas da atuação delituosa para desmantelar sua atuação e identificar sua liderança. O informante do bem, pelo contrário, não precisa ser necessariamente um policial, nem depende de autorização judicial para a sua atuação de relatar ilícitos.

Também não se confunde com o "delator" da famigerada colaboração premiada. O colaborador é a pessoa que, tendo participado da prática delitiva, resolve delatar comparsas e contribuir na investigação para fazer cessar a atividade delituosa, reprimir e recuperar o produto do crime, mediante benefícios processuais. O informante, bem diferente disso, não é partícipe de crime algum. Ele age voluntariamente e em troca de recompensas, em especial benefício financeiro.

Por fim, o informante do bem poderia ser considerado como testemunha? Também não. É cediço que a testemunha é aquela pessoa desinteressada que relata à autoridade, sob compromisso da verdade, um fato que viu, presenciou ou ouviu dizer. Não se pode dizer que o informante do bem seja uma pessoa desinteressada. Seu interesse é de ordem financeira e outras recompensas, o que a desnatura da condição de testemunha.

 A respeito, a Lei 13.608 diz textualmente em seu artigo 4º-B que o informante terá direito à preservação de sua identidade, a qual apenas será revelada em caso de relevante interesse público ou interesse concreto para a apuração dos fatos. Em seu parágrafo único, reporta a lei que a revelação de sua identidade somente será efetivada mediante comunicação prévia e com a sua expressa concordância formal.

O louvável instituto do "informante do bem" tem a função não só de responsabilizar pessoas físicas pelos malfeitos, mas também pessoas jurídicas (públicas ou privadas).

Esse mecanismo de investigação serve para combater atos de corrupção, em especial na chamada Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Nessa senda, a Constituição contém um mandado de criminalização explícito ainda descumprido pelo legislador ordinário. O § 5º do artigo 173, em seu Título VII da ordem econômica e financeira, enfatiza que a lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

A utilização de técnicas convencionais de investigação tem se mostrado insuficientes para a contenção de delitos intraempesarais. E o instituto vem em boa hora e deve ser melhor divulgado para a sua implementação.

Advirta-se, porém, que o whistleblowing (denunciar) não é a prova do delito. Deve ser considerado um meio de obtenção de prova, da mesma forma que acontece com a colaboração premiada ou a interceptação telefônica. Todos os dados e informações devem ser checados e investigados antes de se adotarem medidas invasivas, que firam direitos fundamentais.

Em conclusão, são estes os dois pilares essenciais do whistleblowing: medidas protetivas e incentivo financeiro. E, dentre as medidas aplicáveis remete-se à Lei 9.807/99, que dispõe sobre programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas (artigos 7º ao 9º, bem como ao artigo 4º-C da Lei 13.608.

O ponto fraco da Lei do informante do bem está no valor da recompensa, muito baixo. Segundo o § 3º do artigo 4º-C, quando as informações disponibilizadas resultarem em recuperação de produto de crime contra a administração pública, poderá ser fixada recompensa em favor do informante em até 5% do valor recuperado.

Parece-me que ninguém se disporia a denunciar uma corrupção de cem mil reais em troca da bagatela de R$ 5 mil!

No Brasil, a figura do whistleblower engatinha e ainda não tem ligação efetiva com o combate à corrupção. No entanto, é verdade que as empresas estão investindo no compliance como forma de evitar adversidades, e é a partir daí que o "informante do bem" passa a ter maior relevância nos crimes intraempresariais.

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