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Hugo Filardi: Meios executivos atípicos no STJ

16 de maio de 2022, 16h24

Por Hugo Filardi

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Devedores poderão sofrer cancelamento de cartões de crédito, impedimento de celebração de contratos de compra e até bloqueio de passaportes e da carteira nacional de habilitação pelo não pagamento de execuções civis? Essa pergunta que deveria ser resolvida à luz da legislação processual civil será respondida em breve pelo Judiciário ao pacificar a interpretação do artigo 139, IV do Código de Processo Civil.  

A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça admitiu o processamento, sob o rito dos recursos repetitivos, do Tema 1.137, que tenderá a colocar um fim na divergência interpretativa do artigo 139, IV, do Código de Processo Civil. A controvérsia sobre a possibilidade ou não de utilização de meios de coerção atípicos — ou seja, não previamente estipulados por lei — por juízes na condução de execuções civis será relatada pelo ministro Marco Bruzzi e terá como parâmetro fático os recursos representativos de números 1.955.539 e 1.955.574.  

STJ cuidará de criar standards decisórios e estabelecer através do sistema de precedentes maior previsibilidade a respeito das medidas de coerção  mesmo atípicas  possíveis numa execução. A técnica de cláusula aberta seguida pelo artigo 139, IV do Código de Processo Civil precisa ser adequadamente dimensionada dentro do Estado Constitucional, logicamente sob a ótica da proporcionalidade, devido processo legal, legalidade e dignidade da pessoa humana.  

Nesse sentido, inclusive já se posicionou o ministro Luis Felipe Salomão, ao afirmar que, "ainda que a sistemática do código de 2015 tenha admitido a imposição de medidas coercitivas atípicas, não se pode perder de vista que a base estrutural do ordenamento jurídico é a Constituição Federal, que resguarda de maneira absoluta o direito de ir e vir, em seu artigo 5º, XV. Não bastasse isso, como antes assinalado, o próprio diploma processual civil de 2015 cuidou de dizer que, na aplicação do direito, o juiz não terá em mira apenas a eficiência do processo, mas também os fins sociais e as exigências do bem comum, devendo ainda resguardar e promover a dignidade da pessoa humana, observando a proporcionalidade, a razoabilidade e a legalidade" (RHC 97.876/SP).

A opção legislativa no CPC em vigor foi de prestigiar o princípio da efetividade e conferir aos magistrados superpoderes na perseguição de créditos. Pretendeu-se superar, assim, a era da taxatividade das medidas coercitivas previstas em lei para um cenário processual de discricionariedade para magistrados, absoluta insegurança jurídica para executados e desproporcionalidade na excessiva abertura concedida à exequentes para penalização de cidadãos com dívidas não quitadas.  

A positivação da atipicidade das medidas coercitivas e crescente atribuição de discricionariedade de julgamentos traz enorme insegurança jurídica para os devedores. Logicamente esse trabalho não se presta a estimular a impontualidade no pagamento de obrigações pecuniárias, mas apenas de refletir se a adoção de medidas coercitivas não expressamente respaldadas em lei para a persecução de créditos viola ou não os princípios constitucionais do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana.