Opinião

STF, a mulher de César e a "revisão da vida toda"

Autor

  • Adriano Measso

    é advogado há 21 anos nas áreas de Direito Previdenciário e Trabalhista e sócio proprietário do escritório Correa & Measso Advogados Associados.

14 de maio de 2022, 17h13

Ninguém duvida que o STF (Supremo Tribunal Federal) se apresenta como uma instituição séria, afinal trata-se da Corte Suprema da Justiça Brasileira. Cultos e eruditos costumam designá-lo pelo palavrão: "Pretório Excelso".

Basta notarmos as expressões pomposas relacionadas ao tribunal; as togas; os assessores mais qualificados e com títulos reconhecidos; os votos eloquentes e persuasivos, proferidos, no mais das vezes, com palavrões indecifráveis e incompreensíveis pela grande maioria do povo brasileiro; a forma de tratamento interpessoal (ministros, excelências) — até mesmo quando um de seus membros deseja se contrapor de forma mais ríspida ou praguejar mesmo contra outro colega, o respeito e a seriedade não podem ser deixados de lado.

Pois bem. conta a história que Pompeia, mulher de César, imperador de Roma à época, apesar de honesta, teve a desgraça de ter seu bom nome difamado à boca pequena por maledicências do Império, precisamente por uma suposta traição que jamais teria ocorrida — criada e disseminada pela oposição para desestabilizar o imperador. Diante do fato "tão vergonhoso" perante a opinião pública, o Imperador, apesar acreditar na inocência da esposa, não encontrou outra solução ao problema que não fosse divorciar-se da mulher que amava profundamente. Ainda segundo o relato histórico, o fato teria dado origem à famosa expressão: "À mulher de César não basta ser honesta, ela deve parecer honesta". A aparência perante a chamada opinião pública teve mais peso do que a essência honesta da mulher e César não titubeou em divorciar-se de sua amada.

Dito isso e com o devido respeito aos excelentíssimos ministros, é absolutamente pertinente nos dias atuais as seguintes indagações acerca da reputação da nossa Corte Suprema. 1 – Apesar de parecer sério, o STF (Supremo Tribunal Federal) é essencialmente sério? Suas decisões transmitem transparência e seriedade (na sua essência) e ou fazem parte de um jogo de cena para atender interesses escusos e pouco republicanos? Há quem sustente que a opinião pública não tem importância diante dos julgamentos do STF, mas veremos adiante que não é bem assim. Vamos aos fatos.

Recentemente, por ocasião do julgamento da tese de recurso repetitivo nº 1.102 (a chamada "Revisão da Vida Toda"), toda comunidade jurídica viu-se atônita e perplexa com manobra realizada pelo ministro Nunes Marques que, no "apagar das luzes" do referido julgamento e "ao final do segundo tempo da prorrogação", vislumbrando a perda definitiva do governo, formulou pedido de destaque para o reinício do julgamento no plenário físico — tornando (ou tentando tornar) completamente sem efeito todo o julgamento até então realizado.

Com a manobra todos os votos proferidos até o momento e o resultado do julgamento (6 a 5) em favor da tese que determina a revisão, restaria sem efeito e o julgamento começaria do zero. Todos os ministros que dispensaram seu precioso, importante e caro tempo para análise, desenvolvimento e, finalmente, para proferir o julgamento teriam participado de um "jogo de cena" que culminou no pedido de destaque, até mesmo a votação do próprio ministro que pediu o destaque, o que configura, com o devido respeito, verdadeira teratologia jurídica.

Cabe esclarecer que o caput do artigo 4º e seus Incisos I e II, da Resolução 642, de 14/6/2019, do próprio Supremo Tribunal Federal, determinam: “não serão julgados em ambiente virtual as listas ou os processos com pedido de destaque feito: (Inciso I) por qualquer ministro; ou (Inciso II) – por qualquer das partes, desde que requerido até 48 (quarenta e oito) horas antes do início da sessão e deferido pelo relator.

Observem que embora o Inciso II determine que apenas "qualquer das partes" tenha que fazer/requerer o pedido de destaque "até 48 horas antes do início da sessão", não fazendo tal exigência temporal aos ilustres ministros, resta líquido e certo que, caso o ministro não faça o pedido com antecedência, preferindo realizar e concretizar a sua votação virtualmente, ele não poderá, a seu bel prazer, fazer o pedido de destaque posterior, uma vez que no caso teria sido operada a chamada Preclusão Lógica e Consumativa.

Sobre a preclusão, o professor Arruda Alvim traz os seguintes esclarecimentos: (…) "fala-se, finalmente em preclusão consumativa quando se pratica um ato processual previsto na lei. Não será possível, depois de consumado o ato, praticá-lo novamente. A preclusão lógica, rigorosamente, é também consumativa. Vale dizer, a circunstância de a prática de um ato processual se ter verificado envolve consumação" (Manual de Direito Processual Civil, volume 1 : Parte Geral / Arruda Alvim. 10ª Edição Revista, Atualizada e Ampliada – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, página 472).

Ainda de acordo com a esclarecedora "Nota Técnica da Comissão de Seguridade Social da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Estado do Rio Grande do Sul", publicada no site www.previdenciaristas.com, (…) tendo já proferido voto, poderia utilizar o seu prazo regulamentar para eventualmente alterá-lo, mas não para pedir destaque, já que tal medida tão só se mostra lógica em momento de debate que antecede a publicação do voto propriamente dito. Mais: uma correta leitura da lógica do sistema, como posto, é o de impedir que questões fundamentais de ordem constitucional sejam julgadas em ambiente virtual, facilitando o debate em ambiente democrático presencial. Assim, se o ministro Nunes Marques se sentiu seguro a ponto de apontar voto em ambiente virtual, estaria preclusa a sua possibilidade de requerer a abertura de destaque em momento ulterior. Trata-se de típica hipótese de PRECLUSÃO CONSUMATIVA, de que a doutrina do processo há muito defende e aplica. (…) A preclusão consumativa vincula, sem dúvida, e de maneira frequente no processo, tanto as partes como o julgador, sendo unânime a posição de que é aqui que o termo preclusão projudicato (rectius: preclusão para o juiz ou preclusão judicial) alcança seu mais amplo espaço.

A preclusão operada no caso em comento não se trata de mera conjectura ou de premissa argumentativa utilizada para chegar à conclusão pretendida pelo autor desse texto. Ela ocorreu de forma lógica e inquestionável. Neste caso, a admissão de sua ocorrência pelo julgador ocorre (ou deve ocorrer) de pleno iuri, isto é, de pleno direito. Cito, en passant e como exemplo, apenas um dos provavelmente milhares julgamentos proferido sobre o tema "preclusão", de relatoria do próprio presidente do Excelso Supremo Tribunal Federal, ministro e jurista Luiz Fux, no Agravo Regimental no Recurso Especial nº 856.658: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. INTERPOSIÇÃO DE DOIS RECURSOS CONTRA A MESMA DECISÃO. PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO CONSUMATIVA. 1. A duplicidade de recursos – embargos de declaração e recurso especial – interpostos pela mesma parte e atacando o mesmo acórdão, em razão da similitude dos fundamentos recursais, acarreta o não-conhecimento daquele que foi protocolado por último, ante a ocorrência de preclusão consumativa. 2. Agravo Regimental desprovido" – g.n.

Nesse passo, a relevante "nota técnica" acima citada, de relatoria do membro consultor da Comissão de Seguridade Social da OAB-RS, Fernando Rubin, conclui "que tendo sido formada maioria a favor de uma tese, tendo os julgadores entendido que seria sim possível o encaminhamento de votação pelo ambiente virtual — inclusive o ministro que solicitou o destaque" (…) "evidentemente que a ratio da questão envolve a aplicação do macro princípio processual da segurança jurídica, no seu contexto de previsibilidade e da própria imparcialidade que se exige do julgador da causa, independente da instância jurisdicional que atue" – g.n., concluindo, que "não deve surtir efeito jurídico-processual algum o pedido de destaque deduzido, devendo o presidente do Supremo Tribunal Federal examinar a questão, exatamente como sugere o artigo 8º do Regulamento ('O presidente do tribunal decidirá sobre os casos omissos'), decidindo pela confirmação da votação colegiada proferida em plenário virtual dentro do prazo regimental fechado em 8/3/2022".

Com efeito, para que o respeitado Supremo não tenha apenas a aparência de seriedade perante a opinião pública e visando fazer transparecer a essência de tribunal sério (que de fato ele é) e de quebra fazer justiça secular à mulher de César, fica aqui a sugestão ao eminente ministro presidente Luiz Fux, na condição de presidente da Casa:

"Chamar à ordem" o julgamento e proferir decisão monocrática e ex officio reputando o ato do eminente ministro Nunes Marques absolutamente inexistente e/ou nulo de pleno iure, "decidindo pela confirmação da votação colegiada proferida em plenário virtual dentro do prazo regimental fechado em 8/3/2022".

Fundamento jurídico não falta, citando-se, a seguir, apenas alguns: (1) princípio da segurança jurídica; (2) o artigo 4º e seus Incisos I e II, da Resolução 642, de 14.06.2019; (3) artigo 8º do Regulamento do Supremo Tribunal Federal; (4) a evidente e inquestionável ocorrência da Preclusão Lógica e Consumativa; (5) o princípio da impessoalidade; (6) o princípio da colegialidade; e (7) princípio da legalidade, dentre outros tantos.

Trata-se, antes de qualquer reflexão, de questão de observância e respeito às instituições democráticas desse país.

Com a palavra o eminente presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, a quem urge fazer valer a seriedade (em sua essência) que toda sociedade credita ao Judiciário brasileiro, caso contrário, com a devida vênia, respeitosamente e s.m.j., o tribunal deixará de ostentar tal credibilidade, passando a cultivar uma imagem idêntica daqueles pseudos tribunais superiores latino-americanos que patrocinam ditaduras há décadas, e tentam transparecer perante a sociedade a imagem e a credibilidade mais arranhadas do que a da mulher de César, injustamente subjugada pela opinião pública, vitimada pela injustiça acima citada.

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