Opinião

Precisamos falar sobre o dano-morte nos acidentes do trabalho

Autor

  • Sebastião Barbosa Gomes Neto

    é advogado inscrito na OAB-GO graduado pela Universidade Federal de Goiás pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários e pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC-MG.

13 de maio de 2022, 15h11

O ordenamento jurídico brasileiro assegura o direito à indenização por danos perpetrados contra a honra, moral ou psique e a integridade física do indivíduo. Aquela pessoa que de alguma forma sofre um abalo moral, que não se enquadre como um simples aborrecimento cotidiano, faz jus a uma reparação civil por quem deu causa, por ação ou omissão ao dano. Isso também se faz presente nas relações trabalhistas. Ou seja, o empregador, responsável pela saúde, segurança e higidez no ambiente de trabalho, deve manter o local de trabalho incólume, preservando a saúde física e mental dos seus trabalhadores.

No que tange aos acidentes do trabalho quando ocorridos com vítima fatal, o núcleo familiar faz jus à indenização por dano moral reflexo ou por ricochete, eis que perdeu um familiar, muitas das vezes arrimo de família. Nesses casos é devida a indenização aos familiares, comprovada a responsabilidade do empregador pelo dano, é claro.

Situação pouco usual diz respeito ao dano-morte. Isso mesmo, ao dano sofrido por aquele trabalhador que sofreu literalmente o evento morte. Ora, impossível imaginar o que um ser humano sofre momentos antes de falecer. Que pensamentos afloram na sua mente nos últimos milésimos de segundos antes de vir a óbito num acidente do trabalho. Por isso, e por lógica, além de ser indenizável a dor do núcleo familiar que perde um ente querido, também deve ser devida indenização a pessoa que vivencia o evento. No caso, o trabalhador.

Isso fica mais evidente em casos onde há a morte de muitos trabalhadores, como em Brumadinho, onde quem se manteve vivo tem direito a uma indenização pela dor sofrida diante de ter participado do acidente de forma passiva. Mas ainda pouco comum o dano morte poderia ter passado despercebido, o que felizmente não se deu. Isso pois, o TRT mineiro condenou a empresa Vale a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 1 milhão, por vítima fatal, aos espólios/herdeiros dos empregados falecidos.

No caso envolvendo Brumadinho [1] o relator do recurso, desembargador Paulo Chaves Corrêa Filho, apresentou voto em sessão favorável ao recurso da mineradora, para excluir a condenação por danos morais imposta em primeiro grau, mas foi vencido. Também negou provimento ao recurso do Sindicato Metabase, que desejava aumentar o valor da indenização. Entretanto, a desembargadora Paula Oliveira Cantelli formulou voto divergente e vencedor pela manutenção da decisão de primeiro grau, que determinou o pagamento da indenização pela mineradora Vale S.A. ao espólio/herdeiros dos trabalhadores mortos.

A desembargador Paula Oliveira Cantelli ressaltou que o princípio da dignidade humana insere a pessoa como núcleo central que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais: "partindo dessa perspectiva, o dano-morte decorre da afronta ao patrimônio personalíssimo do trabalhador, que teve subtraído o seu bem jurídico mais valioso: a vida, cuja inviolabilidade é protegida pelo artigo 5º, caput, da CR/88, bem como pelo artigo 3º, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e artigo 4º, da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, de 1969".

Ou seja, se a dor absorvida pessoalmente por quem falece não pudesse ser objeto de indenização, quem teve a oportunidade de sobreviver seria ressarcido em valor monetário superior a quem falecesse. Isto é, porque são aparentes e imediatamente aferíveis os danos sofridos por alguém que carrega, devido à sobrevivência, a possibilidade de expressá-los.

É importante dizer que esse entendimento já era explanado por Camilla de Araújo Cavalcanti: "assim como lesões corporais são indenizáveis, a exemplo do dano estético no Brasil, não indenizar o lesado que sofrera fisicamente a ponto de ter a sua vida abreviada é não abarcar o dano biológico de máxima extensão, lesão incomensurável à saúde, dado que é a morte a perda absoluta e irreversível da integridade psicofísica" [2].

Assim, a indenização em razão do dano-morte decorre da proteção do direito à vida. A imposição de um término prematuro à vida é a mais grave violação que este direito pode sofrer. Não há dor maior a que a vítima possa ser submetida, por isso mesmo, é indenizável, na esteira do entendimento sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal: "o dano moral indenizável é o que atinge a esfera legítima de afeição da vítima, que agride os seus valores, que humilha, que causa dor" [3].

Em outros termos, se em um acidente do trabalho o trabalhador que sofre uma lesão incapacitante tem direito à indenização, com maior razão deve ser ocorrendo a morte. Por isso mesmo precisamos falar sobre o dano-morte, pois, conforme a desembargadora Paula Oliveira Cantelli: "não admitir a existência do dano-morte é o avesso do próprio direito posto. A não concessão de indenização por dano-morte ao de cujus representa a negação de todo um complexo de leis, normas e institutos que garantem a proteção à vida, sob o manto constitucional do Estado democrático de Direito".

Portanto, o empregado vítima fatal de acidente causado por ação ou omissão do empregador, deve ser indenizado pelo dano-morte decorrente desse evento danoso, independentemente do protocolo da ação (há casos em que ocorrido o acidente o evento morte não é instantâneo), ainda em vida. Partindo da premissa que o dano-morte assegura à vítima fatal a indenização decorrente do referido fato, o valor relativo à indenização incorpora-se ao patrimônio desta.


[1] Processo nº 0010165-84.2021.5.03.0027 (ROT); relator desembargador Paulo Chaves Corrêa Filho, 4ª T, DJ de 18-3-2022

[2] CAVALCANTI, Camilla de Araújo. Indenizibilidade do dano morte no Brasil: uma perspectiva acerca da defesa da vida. Revista IBERC, Minas Gerais, v. 2, n. 2, p. 1-19, maio-ago. 2019

[3] RE 387.014 AgR, relator ministro Carlos Velloso, 08/06/2004, 2ª T, DJ de 25-6-2004

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