Opinião

13 de maio: a dívida histórica com os negros escravizados

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13 de maio de 2022, 16h02

 "A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto."
(Darcy Ribeiro)

A (dita) abolição da escravatura no Brasil foi gradual e começou com a Lei Eusébio de Queirós de 1850, que proibiu a entrada de africanos escravizados no Brasil, estabelecendo medidas para a repressão do tráfico negreiro, por influência do Bill Aberdeen, ato do Parlamento Britânico, que autorizava deter qualquer navio suspeito de transportasse escravizados no Oceano Atlântico, o que não impediu o tráfico clandestino, em especial no Cais do Valongo, no Rio de Janeiro.

A Lei do Ventre Livre de 1871 propunha, a partir de sua promulgação, a concessão de alforria às crianças nascidas do ventre de mulheres escravizadas no Império, porém sem estabelecer o preço máximo para a alforria e sem acenar para a liberdade dos nascidos antes da promulgação da lei, foi taxada de reforma vergonhosa e mutilada.

A Lei dos Sexagenários de 1885, que garantia a liberdade dos escravizados com 60 anos de idade ou mais, cabendo aos seus proprietários o pagamento de indenização, que deveria ser paga pelo liberto, o que os obrigava a prestar serviços para o seu ex-proprietário por longos anos. Por outro lado, os senhores registravam seus escravizados falsamente como sendo mais novos do que eram de fato e, quando libertados, muitos não tinham para onde ir, como até os dias atuais não têm.

O Brasil foi o último país do mundo a (pseudo) abolir a escravidão em 13 de maio de 1888, com a Lei Áurea.

Segundo Gilberto Maringoni, "a campanha abolicionista, em fins do século 19, mobilizou vastos setores da sociedade brasileira. No entanto, passado o 13 de maio de 1888, os negros e as negras foram abandonados à própria sorte, sem a realização de reformas que os integrassem socialmente". "Por trás disso, havia um projeto de modernização conservadora que não tocou no regime do latifúndio e exacerbou o racismo como forma de discriminação."

No Brasil atual, o projeto de repressão contra os negros e as negras pobres e periféricos é dualista: morte ou cárcere.

Conforme o Atlas da Violência 2018, a desigualdade racial no Brasil se expressa de modo cristalino no que se refere à violência letal: "É como se negros e não negros vivessem em países completamente distintos. Em 2016, por exemplo, a taxa de homicídios de negros foi duas vezes e meia superior à de não negros (16,0 por 100.000 habitantes contra 40,2)". E ainda: "Em um período de uma década, entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios de negros cresceu 23,1%. No mesmo período, a taxa entre os não negros teve uma redução de 6,8%".

De acordo com o Infopen, "entre os presos, 61,7% são pretos/as ou pardos/as". "Vale lembrar que 53,63% da população brasileira têm essa característica. Os brancos, inversamente, são 37,22% dos presos, enquanto são 45,48% na população em geral. Ademais, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), em 2014, 75% dos encarcerados têm até o ensino fundamental completo, um indicador de baixa renda."

É nesse contexto em vivemos tempos sombrios de ininterruptos ataques à população negra e a à educação pública.

Recentemente, o governo brasileiro anunciou corte no orçamento das universidades federais de até 41%, o que inviabilizará seu funcionamento e/ou legitimar sua privatização com cobrança de mensalidades, o produzirá, ainda mais, a elitização do ensino superior, que novamente acertar os negros e as negras pobres e periféricas.

Isto reflete diretamente na hierarquização da sociedade brasileira por meio da discriminação baseada nos critérios de cor de pele, étnica, origem, classe social e gênero num contexto de invisibilidade e exclusão, bem como viola a constitucional liberdade de consciência e de expressão no âmbito universitário.

A igualdade formal é insuficiente para concretizar os objetivos constitucionais. A igualdade material pressupõe que as pessoas colocadas em situações diferentes sejam tratadas de forma desigual, isto é, dar tratamento isonômico significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de sua desigualdade.

As ações afirmativas lastreadas na cor de pele representam imperativo ético de alteridade, promoção social e de garantia da dignidade da pessoa humana, como valores fundantes do Estado democrático de Direito e como forma de reparação da escravidão negra.

Não há mais espaço para tolerar os diuturnos massacres à população negra e a destruição da educação pública brasileira, gratuita, de qualidade e plural, a única esperança de que tenhamos, nós e as gerações vindouras, um futuro melhor, com uma sociedade mais justa, livre e democrática.

Sem educação e efetivo compromisso dos poderes públicos e da sociedade civil, nada mudará o país.

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    é sócio-fundador de Luís Guilherme Vieira Advogados; cofundador e, atualmente, membro do Conselho Deliberativo do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD); cofundador da Sociedade dos Advogados Criminais do Rio de Janeiro (Sacerj); membro da Comissão Especial de Defesa da Liberdade de Expressão da OAB; membro-colaborador do Grupo Prerrogativas; expert da Comunidade Criminal Player; consultor jurídico, “pro bono”, do Projeto Portinari e do Instituto José Zanine Caldas. Foi membro titular do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça; ex-secretário-geral do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB-Nacional), onde presidiu, como na OAB-RJ, a Comissão de Defesa do Estado Democrático de Direito.

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    é advogado e ex-professor de Criminologia e Direito Penal da FND/UFRJ.

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