Opinião

Equity Crowdfunding: mais um passo na democratização do mercado de capitais

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13 de maio de 2022, 12h12

O acesso ao mercado de capitais historicamente foi restrito a grandes companhias e operações multimilionárias. No Brasil, esse cenário mudou em 2017 quando a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou a Instrução Normativa 588, regulamentado o chamado equity crowdfunding. A IN 588 criou um ambiente de captação de recursos simples e de baixo custo, destinado a pequenas e médias empresas e, especialmente, a empresas de rápido crescimento e necessidade de capital intensivo, as startups.

O marco regulatório do equity crowdfunding, fruto de longa consulta pública realizada pela Comissão de Valores Mobiliários, criou um sistema simplificado em que as plataformas de investimento coletivo são as únicas intermediárias da operação de captação de investimentos.

O sistema implementado pela IN 558 logo mostrou-se exitoso. Segundo dados da CVM, em 2017, ano da publicação da Instrução Normativa, foram captados R$ 12.836.000,00. Já no ano seguinte, esse valor saltou para R$ 46.006.340,00, tendo atingido R$ 188.260.875,00 no ano de 2021. O número de investidores participantes de rodadas de equity crowdfunding saltou de 2.467 em 2017 para 19.797 em 2021, e o número de plataformas cresceu saltou mais de dez vezes no período, indo de 5 em 2017 para 56 em 2021 [1].

Apesar do inegável sucesso dessa nova modalidade, que permitiu que empresas iniciantes acessassem o mercado de capitais a um custo reduzido, a Instrução Normativa 588 também sofreu críticas por parte dos atores do mercado em razão das limitações ao valor captado (R$ 5 milhões) e ao valor investido (R$ 10 mil anuais para investidores não qualificados) e da falta de uma ferramenta que permitisse a liquidez dos investimentos.

Em março de 2020 foi aberta a audiência pública SDM 02/2020, com o objetivo de revisar a IN 588 e atender às críticas dos agentes de mercado. O resultado do processo de revisão veio à luz no dia 27/04/2022, com a edição da Resolução CVM 88, que substituiu integralmente a Instrução Normativa 588.

A IN 588 adotou limites conservadores em relação aos valores envolvidos nas operações de equity crowdfunding. A adoção de limites baixos, embora criticada por parte do mercado, permitiu à CVM um período de maturação do ecossistema antes de permitir a captação de valores superiores. É importante lembrar que o mercado de capitais tem como objeto a captação de recursos da poupança pública, isto é, das economias de todos. Por isso, a sua regulamentação deve ser tratada de maneira cautelosa.

Passado o período inicial de maturação e em razão da verificação dos resultados positivos das ferramentas de equity crowdfunding, a CVM triplicou o valor máximo de captação por oferta, que passa de R$ 5 milhões para R$ 15 milhões. A nova Resolução também aumenta a base de empresas aptas a captar recursos por meio dessa ferramenta. Sob a vigência da IN 588, só poderiam captar recursos em plataformas de crowdfunding empresas com receita anual de até R$ 10 milhões. Esse limite foi aumentado para R$ 40 milhões anuais. Com essas alterações essa ferramenta de captação de recursos deixa de ser destinada apenas a empresas em estágio mais inicial de desenvolvimento, tornando-se uma forma atrativa de acessar o mercado de capitais também para empresas já estabelecidas no mercado.

A fim de balancear o aumento dos limites a serem captados, a CVM aumentou também o limite dos valores que podem ser investidos por investidores não qualificados, de R$ 10 mil anuais para R$ 20 mil.

A Resolução 88 também inseriu no regramento do crowdfunding o greenshoe, dispositivo muito comum na emissão de valores mobiliários realizados em bolsa. Trata-se da possibilidade de emissão de um lote adicional, neste caso limitado a 25% do valor da oferta, em caso de grande procura pelos títulos originalmente ofertados. O lote adicional também está submetido ao limite global de R$ 15 milhões de reais para a captação.

Em relação à liquidez desse mercado, cuja ausência era uma das principais críticas à norma atual, o novo regramento traz novidades tanto para o investidor quanto para o empreendedor.

Agora a oferta realizada via plataformas de crowdfunding pode incluir até 20% de títulos secundários, isto é, títulos que eram detidos pelos fundadores da empresa ou por investidores anteriores. Essa inovação permite que parte do valor captado seja destinado ao exit de um investidor early bird ou a assegurar alguma liquidez aos fundadores. No segundo caso, os fundadores não podem alienar mais de 20% da sua participação em uma oferta e devem manter o controle da sociedade.

Sob o ponto de vista do investidor, a IN 588 vedava expressamente que as plataformas de crowdfunding atuassem no mercado secundário desses títulos. Em razão da ausência de um ambiente em que os investidores pudessem transacionar as participações adquiridas nas ofertas, a liquidez dos títulos era praticamente nula e o investidor possuía poucas opções além de aguardar o prazo de vencimento do título — já que normalmente as ofertas envolvem a aquisição de títulos conversíveis.

O novo marco legal segue vedando a criação de um mercado de balcão organizado. Contudo, permitiu às plataformas a criação de um ambiente para transações dos títulos que foram objetos de ofertas anteriores. Esse ambiente estará disponível para todos os investidores ativos das plataformas, não apenas aqueles que participaram da oferta inicial, o que aumenta a base de potenciais adquirentes dos títulos. Será possível, ainda, que os próprios empreendedores transacionem seus títulos na plataforma. Essa novidade confere um elevado ganho de liquidez, pois os investidores não precisam aguardar o prazo de vencimento dos títulos, normalmente de cinco anos, para poder realizar seus lucros em caso de sucesso da empresa. O aumento da liquidez dos ativos também é uma forma de atrair novos investidores, até então reticentes em participar desse ecossistema em razão dos prazos estendidos para retorno do investimento.

Ainda em relação aos recursos captados, outra inovação é a autorização para que os valores captados possam ser utilizados na aquisição de outras empresas. No mercado de bolsa, é comum a realização de ofertas públicas para levantar recursos para a aquisição de outra empresa pela companhia. A IN 588 vedava que os recursos captados fossem destinados à aquisição de participações societárias ou títulos de outras empresas. A nova regra veda apenas a aquisição de participação minoritária, permitindo, assim, que os valores levantados via crowdfunding sejam destinados à aquisição de outras empresas.

O acesso ao capital é indispensável para o sucesso de novos negócios e o seu elevado custo é um dos entraves de crescimento para as empresas ingressantes no mercado. A edição da Resolução 88 é o aperfeiçoamento de uma ferramenta que se mostrou bastante útil na democratização do mercado de capitais no país, e certamente fortalecerá o ecossistema de inovação do país.

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