Opinião

Cabe diferenciar sentença arbitral de sentença judicial para fins de IR na fonte?

Autor

  • Reginaldo Angelo dos Santos

    é advogado tributarista mestrando Acadêmico pela Escola Paulista de Direito (EPD) especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e pelo IBDT e em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP)SP e tem formação em Arbitragem Tributária em Lisboa pela mesma instituição onde é membro do grupo de pesquisa: “Métodos Adequados de Resolução de Conflitos em Matéria Tributária”.

11 de maio de 2022, 17h03

Em dezembro de 2021, a Receita Federal publicou a Solução de Consulta da Coordenadoria Geral de Tributação (SC Cosit) nº 184, de 8 de dezembro, orientando que o pagamento de lucros cessantes decorrentes de sentença arbitral não se equipara à sentença judicial, para efeito da aplicação da alíquota reduzida de 5% de imposto sobre a renda na fonte (IR Fonte), a que se refere o artigo 738 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/2018).

O caso envolveu acordo entre pessoas jurídicas homologado por sentença proferida pelo Juízo Arbitral, no qual a Receita, ao ser consultada, entendeu que se aplica ao caso o artigo 740 do RIR/2018, que se refere as multas ou as demais vantagens pagas ou creditadas por pessoa jurídica, ainda que a título de indenização, em decorrência de rescisão de contrato, que estabelece a alíquota de 15% de IR Fonte.

Segundo a Cosit, as sentenças arbitrais não se confundem com as decisões judiciais, entre outras razões, porque:

a) não são proferidas pelo Poder Judiciário;
b) não seguem necessariamente o direito, uma vez que, em determinadas  situações, a critério das partes, a arbitragem tem como base a equidade, e não as normas do direito posto;
c) as partes podem escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública; etc.

Concluiu, então, a Cosit, que embora a sentença arbitral produza, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, se for condenatória, constitua título executivo, ela não vincula a União quando esta não tiver participado da arbitragem e, em consequência de tudo disso, a sentença arbitral que homologou o acordo entre as empresas não se qualifica como sentença judicial para fins da retenção prevista no artigo 738 do RIR/2018.

O entendimento não poderia ser mais equivocado, como será demonstrado nos parágrafos seguintes.

Nas palavras de Carlos Alberto Carmona (2009, p. 15), "a arbitragem é uma técnica para solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nesta convenção sem intervenção do Estado, sendo a decisão destinada a assumir eficácia de decisão judicial".

Ao contrário da arbitragem envolvendo a administração pública, que será sempre de direito, aquelas envolvendo particulares poderão ser de direito ou por equidade, a critério das partes, mas nunca contrariando as regras e os princípios gerais de direito, conforme estabelece o artigo 2º da Lei 9.307/96 (Lei da Arbitragem).

Significa dizer que na arbitragem (privada) "as partes têm liberdade de escolher o direito  material e processual  aplicável à solução da controvérsia, podendo optar pela decisão por equidade ou ainda fazer decidir o litígio com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio. Prestigiou-se em grau máximo e de modo expresso o princípio da autonomia da vontade, de forma a evitar dúvidas na aplicação da lei" (Carmona, 2009, p. 15).

O julgamento por equidade, entretanto, é mera faculdade, não impedindo que se aplique o direito estrito ao caso concreto. A lei de arbitragem, em nenhum momento, concede liberdade aos árbitros para que deixem de observar as nomas jurídicas de ordem pública. Ao admitir o julgamento por equidade, a lei apenas permite que os árbitros decidam o caso sem aplicação das normas postas que incidiram na espécie.

Carmona ressalta, aliás, que "…'as regras de direito' a que se referem o artigo 2º, §1º, são tanto de direito material quanto processual: quanto às regras de direito processual, nada impede que as partes criem normas específicas para solucionar o litígio, reportem-se às regras de um órgão arbitral institucional ou até mesmo adotem as regras procedimentais de um código de processo civil estrangeiro". (2009, p. 15).

Tal prestígio ao princípio da autonomia da vontade, entretanto, não permite que se ultrapasse os limites das regras de direito e seus princípios gerais, sendo incabível asseverar que as sentenças arbitrais não seguem, necessariamente, o direito. Tal afirmação é definitivamente afastada pelo artigo 31 da lei de arbitragem, ao estabelecer que a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário.

Referido artigo demonstra clara opção do legislador pela jurisdicionalidade da arbitragem, afastando a atividade homologatória do juiz estatal. Se assim não fosse, estaria retirada do instituto as características da autonomia da vontade e celeridade, fatores primordiais que levam as partes à opção pelo processo arbitral.

Ademais, o artigo 18 da mesma lei garante a irrecorribilidade quanto ao mérito da questão suscitada, estabelecendo que o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário. Assim não seria se admitíssemos que a decisão arbitral fosse livre para não seguir as normas do direito ou seus princípios gerais.

Para além disso, não poderia a União participar da arbitragem envolvendo particulares, uma da razões pelas quais a Solução de Consulta 184/2021 não confere à sentença arbitral os mesmos efeitos da decisão judicial, para fins de aplicação da alíquota de 5% de IR Fonte prevista no artigo 738 do RIR/2018.

Tal argumento não se sustenta. Ainda que o litígio entre os particulares, no caso analisado, fosse decidido pelo poder judiciário, não haveria a participação da União, por se tratar de conflito entre particulares, decorrente de discussão envolvendo contrato celebrado no âmbito privado. Este mesmo conflito, no entendimento da Cosit, caso fosse decidido pelo poder judiciário, ainda que sem a o envolvimento da União, permitiria a aplicação do citado artigo 738 do RIR/2018, o que demonstra a fragilidade do entendimento.

Como afirma Carlos Alberto Carmona (2009, p. 26), "continuarão a surgir críticas de processualistas ortodoxos que não conseguem ver atividade processual  e muito menos jurisdicional  fora do âmbito da tutela estatal estrita". Mencionando lição de Giovanni Verde, lembra que "a figura do estado onipotente e centralizador é um mito, que não pode (e talvez não mereça) ser cultivado. Deste mito faz parte a ideia que a justiça deva ser administrada em via exclusiva pelos seus juízes".

Como se observa, não há razão lógica a distinguir os efeitos entre a sentença arbitral e a sentença judicial, para fins de aplicação do artigo 738 do RIR/2018. O artigo 31 da lei da arbitragem não poderia ser mais claro neste sentido. O que se verifica, na realidade, é uma certa resistência em aceitar que a tutela jurisdicional pode ser alcançada de forma legítima fora do âmbito estatal. O conceito de jurisdição carece de adaptação à nova realidade, de forma a aceitar a arbitragem como meio adequado de solução de conflitos com todos os efeitos que a lei confere ao instituto.

Ainda que alguns insistam em debater a natureza da arbitragem, sustentando que ela teria um viés contratualista, é clara sua concepção como forma de ampliação do acesso à justiça, movimento que teve início com a Resolução do Conselho Nacional de Justiça  CNJ nº 125/2010 (CNJ, 2010 p. 1 e artigo 1º), que entre outras razões, considerou que o direito de acesso à justiça, previsto no artigo 5º, XXXV da Constituição Federal, além da vertente formal perante os órgãos judiciários, implica acesso à ordem jurídica justa.

Cabe à administração tributária pensar além de suas antigas convicções, de forma a aplicar conceitos já sedimentados, como o da arbitragem, assim como o fez o Supremo Tribunal Federal, na oportunidade em que reconheceu a constitucionalidade da arbitragem, destacando, entre outras questões relevantes, os efeitos de decisão judiciária da sentença arbitral (SE 5206 AgR., 2001).

Referências
BRASIL, Congresso Nacional. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Dispõe sobre a arbitragem.
BRASIL, Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010. Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2014/04/resolucao_125_29112010_23042014190818.pdf. Acesso em: 1º mai. 2022.
BRASIL, Presidência da República. Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018. Regulamenta a tributação, a fiscalização, a arrecadação e a administração do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza.
BRASIL, Receita Federal. Solução de Consulta da Coordenadoria Geral de Tributação nº 184, de 08 de dezembro de 2021. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=122179. Acesso em: 1º mai. 2022.
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. Um Comentário à Lei nº 9.307/96. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.

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  • é advogado tributarista, mestrando Acadêmico pela Escola Paulista de Direito (EPD), especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e pelo IBDT e em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP)SP e tem formação em Arbitragem Tributária em Lisboa pela mesma instituição, onde é membro do grupo de pesquisa: “Métodos Adequados de Resolução de Conflitos em Matéria Tributária”.

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