Opinião

Desenvolvimento tecnológico e compromisso com a democracia

Autor

  • Lucas Reckziegel Weschenfelder

    é advogado doutorando em Direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e integrante do grupo de Estudos e Pesquisa em Direitos Fundamentais e do grupo de Estudos Proteção de Dados no Estado democrático de Direito Inteligência Artificial e Direito.

11 de maio de 2022, 20h28

No Brasil, discute-se os Projetos de Lei (PL) nº 5.051, 21 e 872, que têm como objetivo estabelecer princípios, regras, diretrizes e fundamentos para regular o desenvolvimento e a aplicação da inteligência artificial no país  e, inexoravelmente, nas relações públicas e privadas, que se dão em atmosferas globais.

Nesse andar, foi composta a Comissão de Juristas, com a finalidade de "subsidiar a elaboração de minuta de substitutivo para instruir a apreciação" dos referidos PLs, e agendadas se encontram as audiências públicas, para a discussão dos seguintes eixos: 1) Conceitos, compreensão e classificação de inteligência artificial; 2) Impactos da inteligência artificial; 2) e 3) Impactos da Inteligência artificial / Direitos e Deveres; e 4) Accountability, governança e fiscalização (cada eixo possui subcategorias, com excelentes temas que merecem atenção) [1].

Demais, no continente europeu, tem-se notícia de um political agreement [2], a respeito do Digital Markets Act e do Digital Services Act, cujos objetivos, de ambos os diplomas, encontram-se convergidos para criar um espaço digital seguro, e que proteja os direitos fundamentais dos usuários e, simultaneamente, estabelecer um projeto normativo em que a inovação, o crescimento e a competitividade sejam fomentados, não apenas no mercado europeu, mas, globalmente, dada a estrutura e inserção da União Europeia, nos mais variados segmentos e soberanias.

O que se reivindica, com a presente, é trazer um ponto que, aparentemente, encontra-se olvidado: a necessária abertura democrática do debate sobre os referidos PLs, para mais. Por óbvio que, a Comissão de Juristas instalada é imprescindível para que um projeto de lei esteja em conformidade com a Constituição, e para com as preocupações que, contemporaneamente, já se visualiza, no horizonte, sobre a matéria.

Sem embargo, não há de se esquecer: o desenvolvimento tecnológico, no Brasil, é matéria institucionalizada pela Constituição, e, sem dúvidas, qualquer estrutura normativa que vise influir, substancialmente, no arcabouço jurídico-político do tecnológico-constitucional, como é o caso, demanda um amplo debate público, transparente, e enriquecido pelas paragens mais plurais possíveis.

Na América do Sul, o Brasil, ao lado do Equador, são nações exemplos, que possuem, na sua ordem constitucional, um programa tecnológico atento às suas necessidades históricas, e do que precisa concatenar para construir e melhorar o seu futuro.

Veja-se:

"Constituição Federal de 1988
CAPÍTULO IV DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO
Artigo 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação.
Artigo  219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.

Constitución de la República del Ecuador [3]
Título VII. Régimen del buen vivir Capítulo 1. inclusión y equidad
Sección 8. ciencia, tecnología, innovación y saberes ancestrales
Artículo 385
El sistema nacional de ciencia, tecnología, innovación y saberes ancestrales, em el marco del respeto al ambiente, la naturaleza, la vida, las culturas y la soberanía, tendrá como finalidad:
1. Generar, adaptar y difundir conocimientos científicos y tecnológicos.
2. Recuperar, fortalecer y potenciar los saberes ancestrales.
3. Desarrollar tecnologías e innovaciones que impulsen la producción nacional, eleven la eficiencia y
productividad, mejoren la calidad de vida y contribuyan a la realización del buen vivir".

O texto normativo da Constituição brasileira, e da Constituição equatoriana, nos dizem um algo, a saber, que o tecnológico deve ser lastreado por variadas concepções de boa vida, pois, afinal, à auxilia em sua concepção, e à impacta.

Sem uma abertura comunicacional para com a democracia, para com um processo plural, essa boa vida constitucional-tecnológica poderá apresentar déficits excludentes.

Não somente o resultado, mas, também, o processo precisa ser justo, para ser constitucional.

Quem mais será preciso ouvir, para que haja um verdadeiro polílogo democrático-constitucional sobre o assunto?


[1] BRASIL. Comissão de Juristas responsável por subsidiar elaboração de substitutivo sobre inteligência artificial no Brasil. Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/comissoes/comissao?codcol=2504>.

[2] EUROPEAN COMISSION. Comission welcomes political agreement on rules ensuring a safe and accoutable online environment. Disponível em: <https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_22_2545> .

[3] EQUADOR. Constitución de la República del Ecuador. Disponível em: <https://siteal.iiep.unesco.org/pt/bdnp/290/constitucion-republica-ecuador> .

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    é advogado, doutorando em Direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e integrante do grupo de Estudos e Pesquisa em Direitos Fundamentais e do grupo de Estudos Proteção de Dados no Estado democrático de Direito.

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