Direito do Carf

Carf analisa a dedutibilidade das provisões do setor elétrico

Autor

  • Alexandre Evaristo Pinto

    é conselheiro do Carf doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo doutor em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela USP mestre em Direito Comercial pela USP professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Financeiras e Atuariais (Fipecafi).

11 de maio de 2022, 9h53

Nesta semana, abordaremos os precedentes do Carf acerca da dedutibilidade ou não das provisões específicas do setor elétrico, que são constituídas em função de determinações regulatórias ou legais.

Spacca
Em primeiro lugar, cabe indagar qual é o conceito de provisão.

As provisões são reguladas contabilmente pelo Pronunciamento Contábil nº 25 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, que trata de "Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes" (CPC 25).

Nos termos do CPC 25, "passivo é uma obrigação presente da entidade, derivada de eventos já ocorridos, cuja liquidação se espera que resulte em saída de recursos da entidade capazes de gerar benefícios econômicos".

Por sua vez, o CPC 25 define a provisão como "um passivo de prazo ou de valor incertos".

Desse modo, o que caracteriza uma provisão é a incerteza no que tange ao prazo de sua liquidação ou a incerteza no que se refere a sua mensuração.

Em outras palavras, o que difere uma provisão de um passivo correntemente chamado de "contas a pagar" é o fato de que no último há um prazo definido para seu pagamento, bem como ele possui um valor determinado, muitas vezes com base em algum parâmetro como uma medição, por exemplo.

Como regra geral, os passivos são constituídos por meio de um lançamento contábil a crédito em contrapartida a um lançamento contábil a débito no resultado do exercício.

Tendo em vista a situação em que o passivo é constituído em contrapartida ao resultado do exercício, o que acontece tanto no caso de constituição de um passivo de provisão quanto na constituição de um passivo de contas a pagar, é importante a discussão acerca da dedutibilidade ou não da despesa com a constituição daquele passivo para fins de apuração dos tributos sobre o lucro.

Vale notar que o artigo 13, I, da Lei nº 9.249/95[2] prevê que as provisões são indedutíveis nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, exceto às provisões de férias e 13º salário de empregados, assim como as provisões técnicas das companhias de seguro e de capitalização, e das entidades de previdência privada.

É interessante observar que embora recebam o nome de provisão de férias e 13º salário de empregados, tecnicamente os referidos passivos não são provisões, mas sim são constituídos em decorrência do próprio regime de competência, de forma que 1/12 em relação à remuneração dos empregados são apropriados mensalmente. Dito de outra forma, nem o valor é incerto, pois é calculado com base em uma base pré-determinada e tampouco o prazo é incerto, pois se sabe quando serão pagos os referidos direitos trabalhistas dos empregados.

Isso demonstra o quanto o nome de uma determinada conta contábil pode não condizer com a sua natureza.

A discussão das provisões relacionadas ao setor de energia elétrica ganha relevo diante da regulação do setor elétrico e o estabelecimento de alguns encargos setoriais comumente denominados de provisões. Em linhas gerais, cabe à Agência Nacional da Energia Elétrica (Aneel) a determinação de uma tarifa justa ao consumidor, que ao mesmo tempo seja capaz de garantir o equilíbrio econômico-financeiro da concessionária.

A tarifa a ser cobrada do consumidor contempla encargos setoriais e tributos além da remuneração pelos serviços de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica.

Dentre os encargos setoriais, merece ser mencionada a Reserva Global de Reversão (RGR), que foi instituída pelo Decreto nº 41.019/57, que pode ser entendida como uma reserva ou fundo público constituído mediante contribuições oriundas de todos os concessionários e permissionários de serviços públicos de energia elétrica com vistas a conferir recursos para que a União pague indenizações sobre ativos ainda não depreciados nos casos de reversão, encampação, expansão e melhoria dos serviços públicos de energia elétrica.

Também merece destaque a obrigatoriedade da realização de investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) pelas empresas concessionárias de distribuição de energia elétrica, instituída pela Lei nº 9.991/00 e os recursos são destinados ao Ministério da Ciência e Tecnologia.

Diante de tal cenário, resta saber se as provisões RGR e provisões de P&D das empresas de energia elétrica são indedutíveis ou não para fins de apuração do IRPJ e da CSLL.

Feitas as primeiras observações sobre o tema, verificaremos os precedentes do Carf que tratam do assunto.

No Acórdão 1402-001.550 (de 11/02/14)[3], foi dado provimento parcial ao Recurso Voluntário, de forma unânime, para restabelecer a dedutibilidade das despesas tidas como provisões do setor elétrico.

O relator expôs de forma detalhada os fundamentos legais e a forma de apuração tanto do encargo setorial de RGR quanto do encargo de P&D. Assim, o relator destacou que o valor anual da RGR equivale a 2,5% dos investimentos efetuados pela concessionária em ativos vinculados à prestação do serviço de eletricidade e limitado a 3,0% de sua receita anual. Por sua vez, no que tange ao passivo de P&D, foi ressaltado que as concessionárias e permissionárias de serviços públicos de distribuição de energia elétrica estão obrigadas a aplicar, anualmente, o montante de, no mínimo, 0,75% de sua receita operacional líquida em pesquisa e desenvolvimento do setor elétrico e, no mínimo, 0,25% em programas de eficiência energética no uso final. 

Ante tal cenário, o relator entendeu que os encargos setoriais da RGR e de P&D possuem características de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide).

A partir de tais premissas, concluiu o relator pela dedutibilidade das despesas relativas às chamadas provisões no setor elétrico RGR e P&D.

Em sentido oposto, no Acórdão 1401-001.558 (de 01/01/16)[4], foi negado provimento ao Recurso Voluntário da contribuinte, de forma unânime, de modo que prevaleceu o entendimento que os investimentos para a pesquisa e desenvolvimento do setor elétrico previsto no artigo 4º, II, da Lei nº 9.991/00, somente podem ser considerados despesas dedutíveis quando incorridos os correspondentes dispêndios e, ainda assim, não se caracterizarem como bens mensuráveis na forma de ativos (tangíveis ou intangíveis).

No referido caso, constava no TVF o entendimento de que a contabilização do investimento em P&D teria natureza apenas potencial de se transformar em uma efetiva despesa, que somente se concretizaria quando efetivamente incorrida e deve ser comprovada com a documentação que lhe dê suporte.

O relator destacou ainda que, de acordo com o item 8.1 do Manual do Programa de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico do Setor de Energia Elétrica, quando da conclusão dos projetos, os gastos efetuados que resultarem em bens (tangíveis e intangíveis) devem ser transferidos para o ativo imobilizado da empresa, o que implica que não necessariamente consubstanciarão despesas, mas, poderão originar ativos que integrarão o próprio patrimônio da empresa.

Diante do dissidio jurisprudencial formado a partir dos dois acórdãos supramencionados, surgiu o cenário propício para a interposição de recursos de divergência e foi exatamente o que aconteceu.

A Fazenda Nacional interpôs recurso de divergência frente ao Acórdão 1402-001.550 (apresentando como paradigma o Acórdão 1401-001.558), que foi conhecido e teve provimento negado no âmbito do Acórdão 9101.005.466 (de 12/05/21)[5], no qual 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais decidiu, por maioria de votos, que as despesas relativas a RGR e P&D não possuem natureza de provisão, uma vez que os passivos relativos a tais despesas são constituídos conforme previsões legais expressas com base em percentuais sobre as receitas auferidas pelas empresas do setor elétrico.

Assim, prevaleceu no voto vencedor que por mais que os passivos registrados tenham o nome de provisão, inclusive por determinação legal, seria importante perceber que o passivo decorreu de uma obrigação legal oriunda da legislação regulatória.

Diante da falta de incerteza com relação a tais passivos, o entendimento contido no voto vencedor é os passivos de RGR e P&D não se enquadram como provisões no sentido estrito da Contabilidade, de forma que as despesas relativas a tais passivos não merecem o tratamento tributário do artigo 13, I, da Lei n. 9.249/95.

Por sua vez, a contribuinte interpôs recurso de divergência frente ao Acórdão 1401-001.558 (apresentando como paradigma o Acórdão 1402-001.550), que foi conhecido e a ele foi dado provimento pela 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais com base no artigo 19-E da Lei nº 10.522/2002, no âmbito do Acórdão 9101.005.952 (de 07/02/22) [6].

Dessa forma, foi entendido que a constituição de passivo relativo a gastos com a pesquisa e desenvolvimento do setor elétrico determinada por lei configura contas a pagar, não se caracterizando como provisão, uma vez que os valores a serem despendidos são líquidos e certos, calculados com base na receita. Assim, a contrapartida da constituição do passivo como despesa no resultado é dedutível para fins de IRPJ e CSLL.

Tanto no Acórdão 9101.005.466 quanto no Acórdão 9101.005.952, o voto do redator designado se apega na falta de incerteza com relação aos passivos de RGR e de P&D, de forma que eles não seriam contabilmente provisões e, portanto, não mereceriam a indedutibilidade prevista no artigo 13, I, da Lei n. 9.249/95.

Consta também no voto do redator designado que ainda que um determinado saldo de contas a pagar tenha sido devidamente contabilizado, mas não tenha sido pago em um momento posterior, isso não descaracteriza a obrigatoriedade do registro do passivo de contas a pagar e a dedutibilidade da despesa correspondente, o que implicaria a desnecessidade de se olhar para a destinação do saldo registrado como contas a pagar.

Em sentido oposto, é possível observar no voto vencido da conselheira relatora do Acórdão 9101.005.952 que há um entendimento de que haveria uma incerteza no momento de constituição do passivo acerca da efetiva aplicação daqueles recursos em projetos de P&D, o que daria margem a entender que estar-se-ia diante de uma provisão, que seria temporariamente indedutível até o momento em que efetivamente houvesse tal aplicação efetiva.

Diante do exposto, nota-se que os casos mais recentes analisados no âmbito da Câmara Superior de Recursos Fiscais garantiram a dedutibilidade para fins de IRPJ e CSLL das despesas relativas aos passivos das provisões específicas do setor elétrico RGR e de P&D.

*Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.


[2] Lei n. 9.249/95: “Art. 13. Para efeito de apuração do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, são vedadas as seguintes deduções, independentemente do disposto no art. 47 da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964:

I – de qualquer provisão, exceto as constituídas para o pagamento de férias de empregados e de décimo-terceiro salário, a de que trata o art. 43 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, com as alterações da Lei nº 9.065, de 20 de junho de 1995, e as provisões técnicas das companhias de seguro e de capitalização, bem como das entidades de previdência privada, cuja constituição é exigida pela legislação especial a elas aplicável;”.

[3] Conselheiro Relator Carlos Pelá.

[4] Conselheiro Relator Ricardo Marozzi Gregorio.

[5] Conselheira Relatora Andrea Duek Simantob, Conselheiro Redator Designado Alexandre Evaristo Pinto e Declaração de Voto da Conselheira Edeli Pereira Bessa.

[6] Conselheira Relatora Edeli Pereira Bessa, Conselheiro Redator Designado Alexandre Evaristo Pinto.

Autores

  • Brave

    é conselheiro titular da Câmara Superior de Recursos Fiscais da 1ª Seção do Carf, ex-conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo (USP), doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP, mestre em Direito Comercial pela USP, professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Presidente da Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes no CARF (Aconcarf).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!