Opinião

Hipóteses de prescrição da pretensão executória e da intercorrente na execuções

Autor

  • Jorge de Oliveira Vargas

    é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná mestre doutor e pós-doutor pela Universidade Federal do Paraná professor de Direito Tributário da Universidade Tuiuti do Paraná e de Direito Constitucional no Centro Universitário Opet e na Escola da Magistratura do Paraná membro da Academia Paranaense de Letras Jurídicas e do Instituto Tributário do Paraná e membro-fundador do Instituto Paranaense de Direito Processual.

10 de maio de 2022, 16h14

Este artigo pretende demonstrar alguns equívocos relativamente a uma das hipóteses de prescrição intercorrente dos créditos tributários.

Primeiramente há de se fazer a distinção entre a prescrição da pretensão executória, também chamada prescrição direta, e a prescrição intercorrente.

Sobre o instituto da prescrição nas execuções fiscais, é importante relembrar que cabe à lei complementar (no caso, ao Código Tributário Nacional), estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre prescrição (artigo 146, III, alínea "b", da Constituição Federal).

Em execuções fiscais temos a prescrição direta, ou da pretensão executória, prevista no artigo 174 do CTN, que diz respeito ao prazo para a propositura da ação:

 "A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva."

E a prescrição intercorrente, prevista no artigo 40 da Lei 6.830, de 22 de setembro de 1980, ou seja, aquela que ocorre no curso do processo, que assim dispõe:

"O juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.
§1º Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.
§2º Decorrido o prazo máximo de um ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos.
§3º Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução.
§4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.
São hipóteses que não se confundem, possuindo regramento próprio".

A prescrição intercorrente foi idealizada para que as execuções fiscais não se eternizem, causando despesas desnecessárias ao erário e perda de tempo precioso dos que labutam no Poder Judiciário e nas procuradorias, infringindo, inclusive, o direito fundamental da duração razoável do processo, previsto no artigo 5º, LXXVIII da Constituição Federal.

A prescrição intercorrente não era prevista no Código de Processo Civil de 1973; agora consta, nos artigos 921, III e 924, V do de 2015.

A perplexidade surge quando se lê, no artigo 40 da Lei nº 6.830, que "o juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição".

Qual a razão de ser dessa hipótese de suspensão do curso da execução, ou seja, quando não for localizado o devedor?

O tema foi assim tratado no Recurso Especial nº 1.340.553 – RS, de relatoria do ministro Mauro Campbell Marques:

"O espírito do artigo 40, da Lei nº 6.830/80 é o de que nenhuma execução fiscal já ajuizada poderá permanecer eternamente nos escaninhos do Poder Judiciário ou da Procuradoria Fazendária encarregada da execução das respectivas dívidas fiscais. 2. Não havendo a citação de qualquer devedor por qualquer meio válido e/ou não sendo encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora (o que permitiria o fim da inércia processual), inicia-se automaticamente o procedimento previsto no art. 40 da Lei nº 6.830/80, e respectivo prazo, ao fim do qual restará prescrito o crédito fiscal. Esse o teor da Súmula nº 314/STJ: 'Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente'. 3. Nem o Juiz e nem a Procuradoria da Fazenda Pública são os senhores do termo inicial do prazo de um ano de suspensão previsto no caput, do artigo 40, da LEF, somente a lei o é (ordena o artigo 40: '[…] o juiz suspenderá […]'). Não cabe ao Juiz ou à Procuradoria a escolha do melhor momento para o seu início. No primeiro momento em que constatada a não localização do devedor e/ou ausência de bens pelo oficial de justiça e intimada a Fazenda Pública, inicia-se automaticamente o prazo de suspensão, na forma do artigo 40, caput, da LEF".

O acórdão faz referência à Súmula nº 314 do STJ, publicada em 08 de fevereiro de 2006, a qual, como ali consta, diz: "Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo…". Note-se que nada fala sobre a suspensão do processo por ausência de localização do devedor. O equívoco, portanto, está em se determinar a suspensão do processo de execução pelo fato do devedor não ser localizado.

A suspensão do processo em razão da não localização do devedor justificava-se quando o inciso I do parágrafo único do artigo 174 do CTN dizia que a prescrição (da pretensão executória) se interrompia pela citação pessoal feita ao devedor, ou seja, se a citação tinha que ser pessoal, a sua não localização teria que importar, necessariamente, na suspensão do feito.

Não havia que se falar, segundo esse dispositivo, em citação por edital, a citação do contribuinte teria que ser, necessariamente, pessoal.

Porém, esse artigo foi alterado pela Lei complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005, passando a constar que a prescrição da pretensão executória, prevista no artigo 174 do CTN, se interrompe: "I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal", e não mais pela citação pessoal do devedor.

Agora, a teor desse dispositivo, não encontrado o devedor para a citação pessoal, deve ser feita sua citação pelo correio ou por edital, conforme artigo 8º da Lei nº 6.830.

"O executado será citado para, no prazo de cinco dias, pagar a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução, observadas as seguintes normas:
I – a citação será feita pelo correio, com aviso de recepção, se a Fazenda Pública não a requerer por outra forma;
II – a citação pelo correio considera-se feita na data da entrega da carta no endereço do executado; ou, se a data for omitida, no aviso de recepção, 10 (dez) dias após a entrega da carta à agência postal;
III – se o aviso de recepção não retornar no prazo de 15 (quinze) dias da entrega da carta à agência postal, a citação será feita por oficial de justiça ou por edital".

Portanto, frustradas as modalidades de citação pelo correio ou por oficial de justiça, será ela feita por edital. Não se exige mais a citação pessoal.

A citação por edital deve ser feita tão logo sejam esgotados os meios necessários para a localização do devedor; tais como consultas a órgãos oficiais e/ou privados, capazes de declinar eventual endereço até então desconhecido do demandado.

Fácil concluir que não sendo o executado encontrado para ser citado, agora, com a alteração do inciso I do parágrafo único do artigo 174 do Código Tributário Nacional, o caso é de ser ele citado por edital e não o de se suspender o processo executivo. A Lei complementar n. 118, de 9 de fevereiro de 2005, consequentemente, revogou o artigo 40 da Lei nº 6.830, na parte em que determinava a suspensão do processo de execução enquanto não localizado o devedor.

Essa conclusão é axiomática.

É o que diz o Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, Lei de Introdução às normas de Direito Brasileiro, com redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010:

"Artigo 2º
§1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior".

Sem dúvida, a Lei complementar nº 118, ao deixar de exigir a obrigatoriedade da citação pessoal do executado, revogou, como já se disse, o citado artigo 40 da Lei nº 6.830 na parte que determinava a suspensão do processo de execução enquanto não localizado o devedor, por ser com ele incompatível.

O equívoco, portanto, está em se suspender a execução fiscal quando não localizado o devedor. Essa hipótese já não existe, diante da alteração do artigo 174, parágrafo único, inciso I do CTN.

A regra atual é: a prescrição para o ajuizamento da ação, a teor do artigo 8º §2º da Lei nº 6.830 e do inciso I do parágrafo único do art. 174 do CTN, interrompe-se pelo despacho do juiz que ordenar a citação.

Esse despacho tem efeito retroativo à data da propositura da ação? A Lei n. 6.830 é omissa a respeito, portanto, para uma resposta positiva, necessita-se da aplicação subsidiária do artigo 240, §1º do CPC de 2015, ou, conforme o caso, do artigo 219, §1º do CPC de 1973, às execuções fiscais.

O que dizem esses dispositivos legais?

"Código de Processo Civil de 1973:
Artigo 219:
§1º A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação.
§2º Incumbe à parte promover a citação do réu nos dez dias subsequentes ao despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário.
§3º Não sendo citado o réu, o juiz prorrogará o prazo até o máximo de 90 dias.
§4º Não se efetuando a citação nos prazos mencionados nos parágrafos antecedentes, haver-se-á por não interrompida a prescrição".
Código de Processo Civil de 2015:
Artigo 240:
§ 1º A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data da propositura da ação.
§2º. Incumbe ao autor adotar, no prazo de dez dias, as providências necessárias para viabilizar a citação, sob pena de não se aplicar o disposto no §1º".

O que significa dizer que o despacho que ordena a citação interrompe a prescrição da pretensão executória, ou prescrição direta, porém, essa interrupção é condicionada, ou seja, só se concretiza se a citação ocorrer dentro dos prazos ali previstos.

Mas é de se perguntar se esses dispositivos se aplicam às execuções fiscais.

A resposta é positiva.

"Do REsp 1430049 RS, da relatoria do ministro Mauro Campbell Marques (Data do julgamento: 18/02/2014, T2  Segunda Turma, Data da publicação: DJe 25/02/2014), de extrai da ementa:
PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. … EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. DESPACHO QUE ORDENA A CITAÇÃO. RETROAÇÃO À DATA DA PROPOSITURA DA AÇÃO. ART. 174, PARÁGRAFO ÚNICO, I, DO CTN C/C ART. 219 § 1º DO CPC. TEMA JÁ JULGADO EM SEDE DE RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, CPC).
2. 'O Codex Processual, no = 1º, do artigo 219, estabelece que a interrupção da prescrição, pela citação, retroage à data da propositura da ação, o que, na seara tributária, após as alterações promovidas pela Lei Complementar 118/2005, conduz ao entendimento de que o marco interruptivo atinente à prolação do despacho que ordena a citação do executado retroage à data do ajuizamento do feito executivo, a qual deve ser empreendida no prazo prescricional' recurso representativo da controvérsia REsp nº 1.120.295 — SP, Primeira Seção, relator ministro Luiz Fux, julgado em 12.5.2010".

No Recurso Especial representativo de controvérsia, nº 1.120.295  SP, da relatoria do ministro Luiz Fux, constou no item 14 da ementa:

"O Codex Processual, no §1º, do artigo 219, estabelece que a interrupção da prescrição, pela citação, retroage à data da propositura da ação, o que, na seara tributária, após as alterações promovidas pela Lei Complementar 118/2005, conduz ao entendimento de que o marco interruptivo atinente à prolação do despacho que ordena a citação do executado retroage à data do ajuizamento do feito executivo, a qual deve ser empreendida no prazo prescricional".

Portanto, não resta dúvida de que os mencionados dispositivos dos Códigos de Processo Civil citados, aplicam-se às execuções fiscais, até mesmo por força da parte final do artigo 1º da Lei 6.830, que manda aplicar-se subsidiariamente o CPC.

Mas no referido julgado, o Superior Tribunal de Justiça não se limitou a dizer que se aplicava, subsidiariamente, nas execuções fiscais, o artigo 219 do CPC (da época), na parte em que trata da retroatividade do despacho que ordena a citação; foi além, ao dizer:

"17. Outrossim, é certo que 'incumbe à parte promover a citação do réu nos dez dias subsequentes ao despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário' artigo 219, §2º, do CPC)".

Ou seja, o mencionado artigo (219) deve ser aplicado por inteiro, incluindo todos os seus parágrafos, inclusive o §4º que dizia: "Não se efetuando a citação nos prazos mencionados nos parágrafos antecedentes, haver-se-á por não interrompida a prescrição".

Em outras palavras, não se efetuando a citação no prazo de dez dias, prorrogado até o máximo de 90 (pelo CPC de 1973), ter-se-á por não interrompida a prescrição para a propositura da ação, ou seja, a prescrição de que trata o artigo 174 do CTN.

Atualmente, a teor do §2º do artigo 240 do CPC de 2015, "incumbe ao autor adotar, no prazo de dez dias, as providências necessárias para viabilizar a citação, sob pena de não se aplicar o disposto no §1º", ou seja, sob pena de não se ter por interrompida a prescrição da pretensão executória.

Disso se extrai a conclusão de que a hipótese de suspensão do processo, em execução fiscal, relativamente ao fato do devedor não ser encontrado, está revogada.

Portanto, equivocada a alegação de que frustrada a citação do devedor o juiz suspende o processo nos termos do artigo 40 da Lei nº 6.830, pois o correto, "data vênia", é que frustrada a citação do devedor pelo correio ou por oficial de justiça, a citação deverá ser feita por edital.

Nesse sentido o REsp nº 999.901 do Superior Tribunal de Justiça, representativo de controvérsia, da relatoria também do ministro Luiz Fux:

"É cediço na Corte que a Lei de Execução Fiscal  LEF  prevê em seu artigo 8º, III, que, não se encontrando o devedor, seja feita a citação por edital, …"

O REsp 1.340.553/RS, deve ser lido em conjunto com os demais precedentes do Superior Tribunal de Justiça, ficando afastada a suspensão da execução fiscal quando não localizado o devedor. A prescrição intercorrente fica limitada à hipótese de ausência de bens penhoráveis do devedor, nos termos da Súmula 314 do STJ.

Conclusões
a) A prescrição, em direito tributário, pode ser da pretensão executória e a intercorrente;
b) A da pretensão executória está prevista no artigo 174 do Código Tributário Nacional e a intercorrente no artigo 40 da Lei nº 6.830.
c) A da pretensão executória tem o seu termo inicial na data da constituição definitiva do crédito tributário, enquanto a intercorrente só se inicia depois da propositura da execução fiscal. Ambas, portanto, não se confundem.
d) A prescrição da pretensão executória só se interrompia com a citação pessoal do executado, conforme dispunha o artigo 174, parágrafo único, inciso I do Código Tributário Nacional, por isso o artigo 40 da Lei nº 6.830 dispunha que "enquanto não for localizado o devedor" o juiz suspendia o curso da execução.
e) Com a Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005 o inciso I, do parágrafo único, do artigo 174 do Código Tributário Nacional foi modificado, passando a dizer que a interrupção da prescrição executória não mais dar-se-ia com a citação pessoal do executado, mas sim pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal. Com isso, não mais se exigia a citação pessoal do executado, poderia ele, de consequência, ser citado por edital.
f) Com essa alteração, trazida pela Lei Complementar nº 118, não mais haveria necessidade de suspensão do curso da execução enquanto não fosse localizado o devedor, pois ele, como se disse, não mais precisava ser citado pessoalmente.
g) Com essa alteração, trazida pela Lei Complementar nº 118, a única hipótese de prescrição intercorrente passou a ser a da inexistência de bens do devedor sobre os quais possa recair a penhora. Nesse sentido a Súmula 314 do Superior Tribunal de Justiça.
h) Nos termos da parte final do artigo 1º da Lei nº 6.830, nas execuções fiscais aplica-se, subsidiariamente, o Código de Processo Civil.
i) A interrupção da prescrição da pretensão executória pelo despacho do juiz que ordena a citação é condicionada.
j) A condição para que ocorra a interrupção da pretensão executória pelo despacho do juiz que ordena a citação é condicionada a realização da citação (quer pessoal ou por edital), nos prazos previstos no Código de Processo Civil.
k) Não realizada a citação nos casos previstos no Código de Processo Civil, ter-se-á por não interrompida a prescrição da pretensão executória.
l) Os recursos especiais que tratam da matéria devem ser lidos em conjunto.

Autores

  • Brave

    é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, integrante da 3ª Câmara Cível com competência em matéria tributária, mestre, doutor e pós-doutor pela Universidade Federal do Paraná, professor de Direito Tributário na Universidade Tuiuti do Paraná e de Constitucional na Escola da Magistratura do Paraná e no Centro Universitário Opet, membro da Academia Paranaense de Letras Jurídicas, do Instituto de Direito Tributário do Paraná e membro fundador do Instituto Paranaense de Direito Processual.

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