Opinião

ESG é papo sério, não elemento mágico de criatividade para departamento de venda

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8 de maio de 2022, 11h12

A primeira letra do ESG trata de meio ambiente. Faz sentido ser contra o meio ambiente? Faz sentido defender a pauta da produção industrial poluidora? Me parece que não. Até porque, este é o caminho para cairmos na tragédia dos comuns. Todos vão poluindo, de pouquinho em pouquinho, até o esgotamento do ecossistema.

Por sua vez, a segunda letra "S" trata do social. Nesse campo, conseguir um resultado que traga benefícios para todos, com colaboração, na busca de um equilíbrio, faz todo sentido. Isso não significa acabar com a meritocracia ou com os ricos. Mas tem a ver com justiça e fairness. Elementos que são encontrados na obra "Teoria dos Sentimentos Morais" escrita pelo pai da economia, Adam Smith.

Finalmente, a terceira letra trata de governança, que, na definição do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) consiste no seguinte:

"Governança Corporativa é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas.
As boas práticas de governança corporativa convertem princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum"
[1].

Assim como os demais itens, me parece que ninguém deveria ser contra a governança corporativa. Parece óbvio que as companhias e seus administradores não devem ignorar o mínimo ético e moral. Nem muito menos devem fazer "vista grossa" para as questões atuais relativas, por exemplo, ao combate à corrupção, às mudanças climáticas, a ampliação da desigualdade, dentre outras questões. Já se percebe, assim, que o "G" serve como uma espécie de liga orientadora para o "E" e o "S".

É importante lembrar que nada disso constitui criação estatal. O ESG não nasce de uma imposição de Estado. Trata-se, a bem da verdade, de demanda social. A sociedade está cobrando isso do mercado, inclusive ao valorizar os produtos e serviços das empresas que estão adotando a agenda. É um movimento espontâneo que tem sido percebido por diversos executivos, tendo, inclusive, ganhando mais holofotes após as cartas de Larry Fink, CEO do BlackRock. Espero, inclusive, que fique assim — sem intervenção estatal. No caso brasileiro, por exemplo, nosso aparato legal dá conta da questão, e isso foi muito bem demonstrado por Yun Ki Lee em artigo para o Jota.

Pois bem. A necessidade de se adequar a nova agenda acabou abrindo uma janela para os oportunistas. Surge, daí, o greenwashing. Algumas empresas passaram a construir um discurso ESG dissociado de suas práticas, na tentativa de colher os louros sem arcar com os ônus. Com isso, elas se aproveitam do incremento de venda e de um aumento de valor agregado, apesar de não entregar as práticas.

Há duas punições possíveis para isso. A primeira é do próprio mercado consumidor, quando ele pode perceber diretamente que está sendo enganado. A segunda é a decorrente de ações judiciais que, nos mais diversos níveis, questionem a dissociação entre prática e ação. Possivelmente, elas estarão focadas em questões ambientais e de stakeholders, que podem ser — por assim dizer — "abafadas". Há um problema de assimetria de informações. Apresentei uma solução para o problema em artigo que escrevi em conjunto com o processor Bradson Camelo.

Nada disso, repita-se, precisa de mais legislação. Além do arcabouço legal ambiental em vigor, a responsabilidade civil — contratual e extracontratual —, alinhada à boa-fé são mais do que suficientes para coibir o comportamento oportunista. As indenizações a serem pagas pelas empresas que não alinharem discurso e prática, em conjunto com a exposição decorrente das decisões judicias que reconheçam isso, têm a capacidade de desestimular os oportunistas.

Além da responsabilidade civil em geral, os administradores também poderão ser responsabilizados pessoalmente pelas práticas dissociadas dos atos, pois isso implicará em violação aos deveres fiduciários. Mais uma razão para ter muito cuidado com a tentação dos ganhos rápidos que vêm no lastro da hipocrisia, e para gastar um tempo de qualidade na escolha de onde se colocar o ESG nas estruturas corporativas.

Esses pontos, inclusive, serão o oxigênio e os limites para o próprio modelo ESG. As promessas e compromissos precisarão ser factíveis. Não é possível vender, para os consumidores e o mercado, um comportamento impossível que acabe impactando os custos de produção e inviabilizando a atividade empresarial com lucro para os acionistas. O discurso ESG deve ser real, e, com isso, limitar o marketing para evitar a propaganda enganosa diante da espetacularização.

Para variar, o equilíbrio é o ponto chave da questão. Recentemente, Fabio Alperowitch — que é um ativista ESG brasileiro seríssimo — publicou um artigo bem pessimista no LinkedIn. Eu prefiro um olhar mais otimista. Não penso em o "tudo ou nada". Com a devida vênia do expert, acho não dá para defender ESG em detrimento dos acionistas. Mas, da mesma forma, não dá para pregar maximização de resultados em detrimento de ética, sociedade, meio ambiente e governança. O segredo está no meio termo. Há necessidade de compromise de ambos os lados — ninguém poderá ganhar tudo. É crucial que haja uma perspectiva negocial colaborativa, evitando que as partes envolvidas saiam como vencedores ou perdedores. Sem isso, a agenda não avança pois ficará travada em egos e emoções.

ESG é papo sério. Não é elemento mágico de criatividade para os departamentos de vendas. Nem, muito menos, palco para extremismos. Trata-se de um compromisso firme das empresas com valores importantes para a sociedade. Algo intimamente relacionado à ética corporativa. Usar de forma irresponsável — sem respaldo em práticas efetivas — conduzirá a responsabilidades para os gestores, inclusive no que se refere aos deveres fiduciários. Os danos que o greenwashing pode causar à reputação das empresas, impactando seus resultados, podem ser enormes. ESG, portanto, exige parcimônia, seriedade, cuidado e muita responsabilidade. Menos luzes, flashes e fireworks e mais comedimento, austeridade e moderação.

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