Opinião

O conceito de liberdade de expressão não se confunde com o senso comum

Autor

  • Fabio Paulo Reis de Santana

    é professor de cursos de pós-graduação doutorando em Direito pela PUC-SP presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SP membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB e procurador do município de São Paulo.

7 de maio de 2022, 17h07

Ferdinand de Saussure, em sua clássica obra póstuma intitulada "Curso de Linguística Geral", de 1916, há muito nos ensinou que "o laço que une o significante ao significado é arbitrário", de modo que, por exemplo, a ideia de "mar" não possui nenhuma relação com a sequência de sons "m-a-r" que lhe serve de significante.

Em síntese, num texto escrito, o significante é a palavra (imagem acústica); o significado é o sentido atribuído à palavra (conceito). Assim, esclarece-nos Saussure que a palavra adotada, numa determinada língua, é arbitrária em relação ao sentido que lhe é conferido.

Porém, explica Saussure que, após essa escolha arbitrária inicial do significante pela coletividade, o significante passa a se revestir da característica de imutabilidade, de maneira que não é dado a um falante escolher livremente o significante para expressar um sentido. Eis o trecho: "o significante aparece como escolhido livremente, em compensação, com relação à comunidade linguística que o emprega, não é livre: é imposto".

Portanto, quando se utiliza, por exemplo, a palavra "liberdade", quer-se, por meio dela, referir a um sentido previamente estabelecido na sociedade, a um sentido aceito pelos falantes, sob pena da mensagem não ser compreendida ou da comunicação não ser estabelecida.

Dessa forma, uma vez que uma determinada coletividade adotou uma palavra para expressar certo sentido, não dispõe o falante de autonomia para alterar essa relação, a não ser que a própria coletividade resolva alterar os termos convencionados.

Pois bem. Trazendo para o direito — o qual se exprime por meio de regras jurídicas escritas — verifica-se que as legislações, ao disciplinarem os assuntos, adotam termos específicos, expressões eminentemente jurídicas que se correlacionam com um sentido próprio admitido pelo ordenamento jurídico.

Então, quando a Constituição, no inciso IV, do artigo 5º, prevê a livre manifestação do pensamento (liberdade de expressão), não significa dizer que o conceito jurídico de liberdade de expressão coincida com o senso comum acerca das palavras "liberdade" e "expressão".

Dessa maneira, quando se interpreta um texto jurídico, faz-se indispensável o conhecimento das convenções estabelecidas pelos intérpretes autorizados das regras jurídicas, a fim de que se possa alcançar o sentido do texto normativo.

Por isso é que é possível conceber que, a despeito do termo utilizado pela Carta Magna ser "liberdade de expressão", em verdade, a expressão do pensamento não é livre.

Não é livre porque o caldo de cultura jurídica (decisões judiciais e legislações) não inserem no âmbito do direito à liberdade de manifestação do pensamento, por exemplo, o discurso de ódio (hate speech), a apologia à discriminação racial e de gênero, a afronta ao Estado democrático de Direito.

Naturalmente, a sociedade pode — e deve — evoluir em seus conceitos jurídicos estabelecidos. No entanto, a marcha civilizatória deve ser sempre para frente. O que é vedado, em matéria de direitos fundamentais, é o retrocesso, é a marcha para trás. É a marcha no sentido da intolerância, do autoritarismo e da beligerância.

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    é professor de cursos de pós-graduação em Direito, doutorando em Direito pela PUC-SP, membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB, procurador do município de São Paulo e Presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SP.

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