Opinião

Embargos de declaração e suas múltiplas variáveis, segundo interpretação do STJ

Autor

  • José Henrique Mouta Araújo

    é pós-doutor (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) doutor e mestre (Universidade Federal do Pará) professor do Centro Universitário do Estado do Pará (Cesupa) e do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) procurador do estado do Pará e advogado.

7 de maio de 2022, 9h04

Um dos problemas mais enfrentados pelos nossos tribunais, em matéria de recurso, é a verificação da correta oposição de embargos de declaração, especialmente no que respeita às múltiplas variáveis que vêm sendo interpretadas pelo Superior Tribunal de Justiça [1] nestes últimos anos.

Com efeito, em que pese o disposto no artigo 1.022, do CPC (cabimento contra qualquer decisão nas hipóteses de omissão, obscuridade, contradição e erro material), a Corte da Cidadania vem enfrentando algumas situações importantíssimas na prática forense, e que chamam a atenção de todos os operadores do Direito — que passam a ser tratados neste breve ensaio.

A primeira hipótese que merece destaque, que é de todos sabida e já foi objeto de texto anterior [2], diz respeito ao recurso cabível em face da decisão da presidência ou vice-presidência do tribunal local no exercício do juízo de admissibilidade de REsp e/ou RE (artigo 1.030, do CPC).

O ponto de partida para a compreensão do recurso a ser interposto em face da negativa de seguimento ou inadmissão do REsp é a análise dos motivos determinantes deste pronunciamento judicial. Em resumo, estas condutas podem ser adotadas (artigo 1.030, do CPC) pelo tribunal local:

a) negativa de seguimento: 1. RE sem repercussão geral já declarada pelo STF ou quando a decisão local está em conformidade com o entendimento exarado pelo Pretório Excelso no regime da repercussão geral; 2. RE ou RESp interposto contra acórdão decidido em conformidade com o entendimento do tribunal superior advindo de julgamento de recurso repetitivo;

b) remessa dos autos ao órgão Julgador para o juízo de retratação, nos casos em que o acórdão local divergir do entendimento do tribunal superior advindo de recurso repetitivo ou repercussão geral;

c) sobrestamento recursal, nos casos em que a controvérsia submetida a regime repetitivo ainda não foi apreciada pelo tribunal superior;

d) seleção do recurso como representativo de controvérsia;

e) realização do juízo de admissibilidade regular, com a remessa, em caso positivo, do feito ao STJ e/ou STF, desde que atendidos os pressupostos do artigo 1.030, V, a a c, do CPC; ou a inadmissão recursal.

Partindo destas múltiplas possibilidades, duas perguntas devem ser formuladas: qual o recurso cabível para impugnar a decisão que obstou a subida do RE ou o RESp? A decisão de negativa de seguimento ou de inadmissão podm provocar a oposição de EDs? O CPC procurou resolver estes questionamentos, com o regramento contido no artigo 1.030, §§1º e 2º, a saber: ARESp ou ARE é cabível apenas quando a decisão de inadmissibilidade for pautada no inciso V, deste mesmo artigo, ficando as demais hipóteses sendo impugnadas por AgInt (artigo 1.021 c.c artigo 1.030, §2º). Logo, negar seguimento e inadmitir são situações absolutamente diferentes, inclusive para fins recursais.

Contudo, é fato que em alguns casos de negativa de seguimento ou inadmissão, o pronunciamento judicial é duvidoso, confuso, omisso ou contraditório, inclusive no que respeita ao enquadramento legal. Seria cabível a oposição de EDs para a correta integralização deste pronunciamento judicial, com posterior manejo de Agravo Interno ou AREsp/ARE? Particularmente entendo que sim, tendo em vista que, como já foi mencionado, o artigo 1022, do CPC consagra a possibilidade de manejo dos aclaratórios contra qualquer decisão [3].

O STJ tem afirmado que os EDs não são cabíveis contra as decisões de inadmissibilidade e que, se acaso manejados, não interrompem o prazo para o recurso correto.

Um alento a esta interpretação, abrindo espaço para o diálogo quanto ao cabimento dos EDs, ocorre quando a decisão é tão genérica que impossibilita ao recorrente analisar os motivos pelos quais seu recurso de fundo teve o processamento negado, o que inviabiliza até mesmo o manejo do Agint ou o AREsp (AgInt nos EDcl no AREsp 1950180/MS, rel. min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, J. em 13/12/2021, DJe 15/12/2021 e AgInt nos EDcl no AREsp 1799956/RJ, rel. min. Raul Araújo, 4ª Turma, j. em 20/9/2021, DJe 15/10/2021).

Neste ponto, estamos diante de uma interpretação subjetiva (impossibilidade de análise das razões de decidir e que inviabiliza o manejo do AgInt ou AREsp) e excepcional; sendo regra, portanto, o incabimento dos EDs nestes casos e a não suspensão do prazo para o recurso efetivamente cabível.

Outro aspecto relevante na prática forense refere-se à análise do seguinte binômio: sucessivos EDs X preclusão do conteúdo decidido no primeiro pronunciamento judicial. Vejamos uma hipótese em que o interessado tenha oposto EDs e, após o pronunciamento que o apreciou, entenda cabível novo recurso de integralização. A questão refere-se à análise do que pode ser objeto destes novos aclaratórios, estando correta a interpretação do STJ no sentido de que há preclusão dos eventuais vícios contidos na decisão primeiramente embargada.

Dito de outra forma: nos novos EDs o recorrente apenas pode aduzir fundamentos ligados à existência de supostos vícios do pronunciamento proferido nos primeiros aclaratórios, tendo em vista a ocorrência de preclusão consumativa em relação aos supostos vícios do pronunciamento anterior e que não foram aduzidos nos primeiros EDs (EDcl nos EDcl nos EAg 884.487/SP, rel. min. Luis Felipe Salomão, Corte Especial, J. em 19/12/2017, DJe 20/2/2018; AgInt no AgInt no AREsp 1.030.707/RJ, rel. min. Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma – j. em 21/2/2022, DJe 25/2/2022 e EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp 1.864.363/MG, rel. min. Regina Helena Costa, 1ª Turma, j. em 14/2/2022, DJe 17/2/2022).

Neste momento, torna-se importante analisar duas situações interligadas referentes ao atendimento do requisito para interposição de RE e REsp: exaurimento da instância ordinária.

A primeira delas é a seguinte: após o julgamento proferido monocraticamente pelo relator na apelação, o interessado opõe EDs que, como previsto na própria legislação processual (artigo 1024, §2º, do CPC), deveriam ser analisados em nova decisão monocrática integrativa, com o posterior manejo de AgInt para o órgão colegiado visando o exaurimento de instância. Contudo, em caso de apreciação colegiada dos aclaratórios opostos contra decisão unipessoal, apesar de estarmos diante de acórdão, não está exaurida a instância ordinária para fins de recursos aos Tribunais Superiores, devendo ser objeto de anterior agravo interno (Súmula 281/STF).

Ou seja, no caso em questão, como a decisão embargada é unipessoal, mesmo com a apreciação colegiada dos EDs, deve o interessado interpor AgInt antes do manejo de RE e/ou REsp (AgInt no AREsp 1925280/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão , 4ª Turma, J. em 29/11/2021, DJe 1/12/2021; AgInt no AREsp 1876811/RJ, rel. ministro Francisco Falcão, 2ª Turma, j. em 19/10/2021, DJe 25/10/2021).

A recíproca também é verdade: partindo da premissa de que é admissível a apreciação monocrática de Eds opostos contra decisão colegiada (AgInt no AREsp 1.509.683/SP, relator ministro Marco Buzzi, 4ª Turma, J. em 30/11/2020, DJe 04/12/2020), deve a parte interpor AgInt visando atender ao requisito do exaurimento de instância, sob pena do REsp incidir no óbice contido na Súmula 281/STF (AgInt no AREsp 1.948.684/SP, relatora ministra Nancy Andrighi 3ª Turma, j. em 6/12/2021, DJe 9/12/2021; AgInt no RMS 56.751/AM, relator ministro Assusete Magalhães, 2ª Turma, j. em 28/6/2021, DJe 30/6/2021).

Estas duas situações devem ser interpretadas com muito cuidado na prática forense, tendo em vista que significar obstáculos e armadilhas a serem superadas, com a interposição de novo recurso (por vezes e à primeira vista desnecessário), visando atender ao requisito processual aqui discutido. Em suma: decisão monocrática e EDs colegiados ou decisão colegiada e EDs monocráticos, devem provocar análise de mais um recurso na Instância local, visando atender ao requisito do exaurimento de instância.

Outro tema relevante e já interpretado pelo STJ refere-se à análise da extensão do conteúdo do artigo 942, do CPC, que trata da técnica da extensão do julgamento nos casos de apelação, rescisória e agravo de instrumento interposto contra decisão de mérito.

A questão aqui a saber é a seguinte: a extensão de julgamento é cabível nos casos de embargos de declaração quando o voto divergente puder alterar o resultado anteriormente unânime do acórdão proferido em recurso de apelação? Imagine que, após o julgamento unânime da apelação, ocorra a oposição de embargos de declaração com apreciação por maioria (voto divergente alterando ou podendo alterar o resultado do julgado anterior), será necessária a extensão do julgamento, nos termos do artigo 942, do CPC?

Este dispositivo, como já mencionado, não consagra diretamente a utilização desta técnica aos aclaratórios; contudo, em razão do caráter integrativo deste recurso, deve ser aplicada a técnica nos casos em que o voto divergente puder alterar o resultado unânime proferido na apelação (AgInt no AREsp 1873065/SP, rel. min. Marco Buzzi, 4ª Turma, j. em 22/2/2022, DJe 4/3/2022; REsp 1.910.317/PE, rel. min. Antonio Carlos Ferreira, 4ª Turma, j. em 2/3/2021, DJe 11/3/2021).

A partir deste momento, é importante discutir alguns julgados da corte que tratam da utilização dos embargos de declaração visando situações específicas, a saber: mero inconformismo ou rediscussão de matéria decidida, sob o argumento de que há omissão ou contradição; utilização no sistema de controle de precedentes qualificados do STJ e também do STF.

Quanto ao primeiro ponto, é fato que existe grande quantidade de situações em que se utiliza dos EDs para tentar discutir aspectos ligados à interpretação judicial, inclusive levando em conta as diretrizes estabelecidas no artigo 489, §1º, do CPC (conceito de fundamentação).

O STJ tem precedentes no sentido de que os aclaratórios não podem ser manejados com o objetivo de tentar adequar o pronunciamento ao entendimento do embargante, especialmente no que respeita a análise de mero inconformismo ou nos casos em que o recorrente pretende rediscutir matéria decidida (EDcl no AgRg no AREsp 1.946.653/SP, relator ministro Antonio Saldanha Palheiro, 6ª Turma, J. em 15/3/2022, DJe 18/3/2022; AgInt no AREsp 1.954.353/RJ, relator ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. em 14/3/2022, DJe 18/3/2022). Neste ponto, há um limite a ser interpretado no caso concreto entre o conceito de omissão previsto nos artigos 1.022 c.c 489, §1º, do CPC, e a pretensão de rediscussão (mero inconformismo) de matéria já apreciada e decidida, que impede o manejo do apelo.

Na mesma pisada, a corte consagra que a contradição que fundamenta a oposição dos EDs é a interna do julgado, observada nos casos em que há proposições inconciliáveis entre si, cabendo ao embargante demonstrar esta ocorrência (Edcl no AgInt no AREsp 1.520.414/RJ, relator ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. em 14/3/2022, Dje 18/3.]/2022; Edcl nos Edcl no Resp 1.881.707/PE, relator ministro Ricardo Vilas Bôas Cueva, 3ª Turma, J. em 14/3/2022, Dje 18/3/2022).

Quanto à utilização dos embargos visando fomentar o diálogo com o sistema de precedentes qualificados, existem posicionamentos importantes do STJ e que merecem destaque neste breve ensaio, a saber:

1. Incabimento de EDs, quando estes opostos visando a adaptação de entendimento do acórdão embargado à mudança jurisprudencial posterior (ERESp 1.144.427/SC, relator ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relator p/ acórdão ministra Regina Helena Costa, 1ª Seção, j. em 22/9/2021, DJE 14/12/2021; Edcl no Resp 734.403/RS, relator ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, j. em 14/3/2017, Dje 17/3/2017);

2. Cabimento dos aclaratórios, de forma excepcional, visando a adequação do acórdão à orientação firmada em repercussão geral pelo STF ou em recurso julgado sob o rito dos repetitivos (EDcl no AgInt no Eag 1.345.595/SP, relator ministro Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, j. em 27/10/2021, Dje 16/11/2021; Edcl no AgRg no Resp 1.350.720/MG, relator ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, j. em 19/2/2019, Dje 26/2/2019);

3. Nos casos em que os EDs são opostos visando a rediscussão de matéria já apreciada pela Corte de origem em conformidade com Súmula ou precedente julgado pelo rito dos repetitivos pelo STJ ou STF (incidência da Súmula 83/STJ), são considerados protelatórios para efeito de incidência da multa prevista no artigo 1.026,§2º, do CPC (AgInt no AREsp 1.790.207/SP, relator ministro Manoel Erhardt (Desembargador Convocado do TRF- 5ª Região), 1ª Turma, j. em 21/6/2021, Dje 24/6/2021; AgInt no Resp 1.605.528/RN, relator ministro Og Fernandes, 2ª Turma, j. em 2/5/2017; Dje 8/5/2017).

Ainda no que respeita o uso protelatório dos EDs, existem precedentes que consideram possível a cumulação da multa prevista no artigo 1.026, §2º, do CPC com aquela prevista para os casos de litigância de má-fé (artigos 80 e 81, do CPC/15), tendo em vista que possuem natureza jurídica distintas (EDcl nos Edcl nos Edcl no Resp 1.829.945/TO, relatora ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. em 14/12/2021, DJe 17/12/2021; EDcl no Resp 1.819.848/DF, relator ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, J. 21/11/2019, Dje 27/11/2019).

Por derradeiro, cumpre aduzir que é muito comum, na prática forense, a utilização do chamado pedido de reconsideração que, utilizado de forma isolada (sem estar contido em um recurso), não interrompe e nem suspende o prazo recursal, da mesma forma que não pode ser recebido como embargos de declaração (e nem estes podem ser recebidos como pedido de reconsideração). Quanto a este ponto, vale a pena citar dois recentes julgados do STJ: RCD no AgInt no AREsp 1878854/SP, rel. min. Mauro Campbell Marques, 2ª turma, j. em 8/2/2022, Dje 17/2/2022; AgRg no HC 706265/PR, relator ministro Joel Ilan Paciornik, 5ª Turma, j. em 14/12/2021, DJe 16/12/2021.

Essas são algumas reflexões acerca das variáveis situações tratadas pela jurisprudência do STJ nos últimos anos.


[1] Este ensaio trata de algumas situações constantes no Jurisprudência em Teses, do Superior Tribunal de Justiça, nºs 189 (de 8/4/2022) e 190 (de 22/4/2022). Disponível em https://scon.stj.jus.br/SCON/jt/toc.jsp. Acesso em 27/4/2022, 7h50.

[2] ARAÚJO, José Henrique Mouta. Recurso cabível contra decisão que nega seguimento a recurso. Disponível em https://www.conjur.com.br/2019-ago-14/jose-araujo-recurso-decisao-nega-seguimento-recurso. Acesso em 27/4/2022, às 8h00.

[3] Como bem apontam Fredie Didier Jr e Leonardo Carneiro da Cunha: "a partir do CPC-2015, portanto, perde o sentido qualquer discussão sobre o cabimento de embargos de declaração contra decisão interlocutória, decisão de relator ou decisão de Presidente ou Vice-Presidente do tribunal, que havia ao tempo do CPC-1973. Agora, qualquer decisão é embargável". Curso de direito processual civil. Vol. 3, 13ª edição, Salvador: Ed. JusPodivm, 2017, p, 259.

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