Competência do Executivo

Câmara não pode editar lei sobre cadeiras específicas para alunos com TDAH

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7 de maio de 2022, 7h28

Se uma norma repercute na atribuição de órgãos sob a administração do Poder Executivo, o projeto de lei deve ser, em princípio, de sua iniciativa, e não do Legislativo.

Agência Brasil
Agência BrasilCâmara não pode editar lei sobre cadeiras específicas para alunos com TDAH

Assim entendeu o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo ao invalidar uma lei de São José do Rio Preto, de iniciativa parlamentar, que obrigava as escolas públicas e privadas a disponibilizar cadeiras em locais determinados nas salas de aula aos alunos portadores de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).

Ao contestar a norma, a prefeitura afirmou que a matéria é de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo, pois envolve gestão administrativa de um serviço público, além de tocar na competência concorrente da União e dos estados para legislar sobre diretrizes gerais de educação. O município também apontou violação à autonomia pedagógica das instituições de ensino.

Segundo o relator, desembargador Jacob Valente, a lei estabelece uma obrigação aos gestores das instituições de ensino, públicas e privadas, de providenciar infraestrutura e organização dentro da sala de aula para a otimização do aprendizado e convivência social do aluno com TDAH, violando a autonomia didático-pedagógica que lhes é garantida, bem como o livre ensino pela iniciativa privada, que é condicionada apenas pelo cumprimento das normas gerais da educação nacional.

"Como bem apontado pela manifestação da douta procuradora-geral do Estado, que a exegese dos artigos 239 e 248 a Constituição bandeirante conduzem ao entendimento que caberia ao estado de São Paulo (por meio da sua Secretaria da Educação), estabelecer diretrizes regionais para essa fiscalização, eis que a situação, notadamente, não é de 'interesse local', mas dentro de um sistema mais amplo de acesso adequado ao ensino regular", afirmou.

O magistrado também ressaltou que a lei não se limita a autorizar que o Poder Executivo crie um programa de atendimento personalizado aos portadores de TDAH dentro das salas de aula, mas estabelece premissas que implicam no aparelhamento de meios funcionais e materiais da Secretaria municipal de Educação, que estão sob a gestão do prefeito.

"É situação distinta, por exemplo, do caso de um professor identificar aluno com suspeita ou diagnóstico de TDAH, ou outro tipo de deficiência que dificulte a aprendizagem, encaminhando o caso para a direção da instituição de ensino e aos coordenadores pedagógicos, para formulação de estratégias de acolhimento, segundo a infraestrutura disponível, os profissionais e alunos que convivem com aquele", completou.

Neste cenário, afirmou o relator, se há repercussão na atribuição de órgãos sob a administração do Poder Executivo, o projeto de lei deve ser, em princípio, da sua exclusiva iniciativa, ainda que a matéria seja de relevante interesse social. Valente lembrou que, em âmbito federal, já se aprovou a Lei 14.254/2021, que prevê o acompanhamento e apoio integral aos alunos com TDAH. 

"A superveniência da sobredita lei federal, estabelecendo 'normas gerais' para o acompanhamento multidisciplinar de alunos com o referido transtorno, exigirá que o município de São José do Rio Preto edite norma específica, se o quiser, para suplementá-la no que achar necessário, o que, por óbvio, não se resume à mera disposição de cadeiras no sala de aula sem qualquer orientação técnica", frisou o desembargador.

Para ele, embora seja "louvável" a intenção da Câmara de Vereadores, a implementação da norma exigiria infraestrutura permanente multidisciplinar dentro da organização das Secretarias da Educação e Saúde do município, além de articulação com os gestores dos estabelecimentos de ensino públicos e privados.

A decisão foi por 14 votos a 9. A desembargadora Luciana Bresciani abriu a divergência. Ela votou pela constitucionalidade da norma por entender que o texto não trata da estrutura ou da atribuição dos órgãos do Poder Executivo nem do regime jurídico de servidores públicos. A magistrada também citou o direito fundamental à educação, os direitos da criança e adolescente e dos portadores de deficiência.

"Não se nega que a efetivação da lei em comento implicará a imposição de obrigações às instituições de ensino e aos docentes, porém tal não se traduz em necessária violação ao princípio da reserva da administração, visto que, em aspectos práticos, é de dificultosa concepção lei cuja implementação não resulte em movimentação do quadro funcional do Executivo", afirmou Bresciani.

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2233100-93.2021.8.26.0000

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