Desastre ambiental

Ribeirinhos esperam soluções para danos a saúde e economia da região do Rio Doce

Autor

6 de maio de 2022, 13h12

Após visitar, na semana passada, comunidades que vivem às margens do Rio Doce, no Espírito Santo, o conselheiro do Conselho Nacional de Justiça Luiz Fernando Bandeira de Mello busca soluções para os danos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão, seis anos atrás. Ele representa o CNJ no esforço de repactuação de um acordo entre os envolvidos na tragédia.

Ricardo Moraes/Reuters
Lama da Barragem de Fundão chegou ao mar do Espírito Santo
Ricardo Moraes/Reuters

Nas comunidades visitadas, em três municípios da Bacia do Rio Doce, Bandeira de Mello ouviu demandas sobre a urgência da recuperação da economia local, riscos à segurança alimentar e sobre os danos cometidos ao meio ambiente.

O maior desastre ambiental do país também é um dos maiores desafios do Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade, Grande Impacto e Repercussão, instituído em 2019 pelo CNJ e pelo Conselho Nacional do Ministério Público.

“Foi muito importante a visita às comunidades do Espírito Santo. Os depoimentos que ouvimos foram emocionantes e mostram a importância de chegarmos a bom termo nessa repactuação e construir soluções que atendam essas pessoas, porque o dano vem se renovando a cada ano”, afirmou o conselheiro, ao final da viagem.

A visita começou na quinta-feira (28/4) no município de Linhares. Em Regência, vila de pescadores na foz do Rio Doce, o representante do CNJ ouviu relatos de quem está há seis anos sem poder pescar, principal atividade econômica da localidade.

Desde janeiro está suspenso o auxílio financeiro emergencial que era pago mensalmente como compensação pela impossibilidade de tirar o sustento do rio e do mar. De acordo com os pescadores, o impasse gera uma série de consequências negativas na saúde dos moradores e na vida social da comunidade.

Segundo o presidente da Associação de Pescadores de Regência, Leoni Carlos, a entidade tinha um convênio com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que comprava a produção dos pescadores e a distribuía a entidades assistenciais da região para abastecer a merenda escolar das escolas locais.

“Depois que a lama veio, acabou tudo. É a maior decepção da minha vida. Criei meus nove filhos pescando, rio e mar, e o que eu posso dar a eles é o estudo. Hoje eu não tenho o (benefício do) meu cartão, cortaram meu lucro cessante (compensação pela média da produção anual). O barco estragou”, afirmou Carlos. Com a embarcação abandonada, o casco de madeira foi consumido por um molusco do mangue chamado busano.

Negociações em curso
A repactuação é promovida desde setembro de 2021, em rodadas de negociação realizadas principalmente na sede do CNJ, em Brasília. O envolvimento do Conselho começou depois do esgotamento e da insuficiência das soluções elaboradas até então para reparar natureza e vida humana do desastre.

Cada encontro tem uma pauta definida de acordo com as dimensões das necessidades das populações afetadas pelo derramamento de rejeito de minério que soterrou o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), e desceu o leito do Rio Doce até encontrar o mar, 650 quilômetros adiante, na Vila de Regência, no Espírito Santo.

Na primeira rodada, realizada em setembro de 2021, foram avaliadas as propostas apresentadas pelo atingidos durante a primeira audiência pública realizada pelo CNJ, além de ações de reparação e o aprimoramento dos programas de proteção social.

Nos encontros realizados desde então, foram tratadas questões ligadas ao reflorestamento, à proteção social aos vulneráveis, à execução dos programas de reparação da região atingida, à possibilidade de reabertura da repactuação integral, aos reassentamentos da população atingida e à compensação da comunidade e meio ambiente afetadas pelo desastre.

Saúde
A médica que atende o posto de saúde na Terra Indígena Comboios, no município de Aracruz, Aline Miranda, confirmou inúmeros casos de doenças de pele e de diarreia na comunidade, que não é banhada diretamente pelo Rio Doce, mas sofre influência dos 44,5 milhões de metros cúbicos de rejeito vazados desde a Barragem de Fundão.

Segundo a médica, mesmo com as crianças indígenas proibidas de nadar no rio, uma de suas pacientes começou a sofrer com problemas de pele. O tratamento que melhorou o quadro foi parar de tomar banho com a água do poço artesiano, como sempre fazia, e passar a usar água mineral.

“As pessoas não tomam água direto do rio, mas de poço artesiano. Então acredito que o poço tenha alguma contaminação. Não tenho os números à disposição, mas os índices de diarreia diminuíram bastante e as crianças tomando banho com água mineral se curaram, ou melhoraram muito da alergia”, afirmou a médica.

Na zona rural do município de Colatina, o conselheiro do CNJ desceu às margens do Rio Doce. Na comunidade de Maria Ortiz, os pescadores mostraram uma lama seca, compacta, que se acumula aos pés dos barrancos, devido à queda na vazão do rio.

De tamanhos irregulares, alguns alcançam o comprimento de um pé, os blocos de terra são separados por fendas largas que lembram as imagens do solo rachado do semiárido nordestino, consagradas no inconsciente coletivo nacional. A diferença entre as duas cenas, além da água que ainda existe no Rio Doce, é o brilho de alguns grãos que brilham na superfície da terra rachada, sempre que expostos ao sol.

A agenda de visitas se concentrou em dois dias. Na quinta-feira (28/4), o conselheiro esteve em comunidades na foz do Rio Doce, no município de Linhares. Tanto no distrito de Povoação como na Vila de Regência, Bandeira de Mello participou de audiências públicas abertas à população.

Na Aldeia Comboios, no município de Aracruz, o conselheiro também se reuniu com lideranças indígenas das duas aldeias que compõem a Terra Indígena Comboios. No dia seguinte, esteve em comunidades ribeirinhas no município de Colatina, que é cortado pelo Rio Doce. Na sede da cidade, ouviu representantes dos moradores da região afetados pela tragédia, em audiência pública sediada pela Diocese da cidade.

Em todas as audiências, Bandeira de Mello comunicou o motivo da visita: ouvir as reivindicações dos atingidos e conhecer os problemas de perto para levar as demandas à mesa de repactuação. “Vimos aqui de perto como o rio está degradado. Não podemos prometer que o rio vai estar limpo para o ano que vem, mas o que podemos ter é uma política pública séria, consciente dos problemas da população, para tentar amenizar esse problema”, afirmou. Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!