O início da organização econômica de um casal ocorre desde a constituição da relação, seja ela o casamento ou a união estável. Isso porque, logo que estabelecido o vínculo conjugal, há a eleição do regime de bens que regerá o aspecto econômico do relacionamento.
A escolha do regime de bens é tida como a maior prerrogativa de liberdade — ou a famigerada autonomia privada — no âmbito patrimonial do Direito de Família. O artigo 1.639 do Código Civil, por exemplo, estipula que é lícito aos nubentes dispor sobre os aspectos patrimoniais da forma mais conveniente, conferindo um espaço de liberdade na preferência das regras particulares da organização econômica e familiar. A prerrogativa significa que é possível adotar um dos regimes previstos na legislação: comunhão universal, comunhão parcial, separação de bens ou participação final nos aquestos; ou ainda elaborar um contrato (pacto antenupcial, no caso de casamento, e contrato ou escritura pública de união estável, no caso desta última) em que os pares estabelecem normativas próprias, inclusive podendo mesclar características dos regimes já estabelecidos em lei.É possível, também, escolher um regime de bens quando do início da união e, passado o tempo, realizar a sua alteração para aquele que melhor se adeque ao contexto futuro. Atendidos os requisitos legais, o casal pode postular em juízo a alteração do regime patrimonial e, dessa forma, torna-se viável manter uma organização econômica dinâmica, que corresponda aos anseios da vida comum de forma constante. É, no entanto, esse grau de autonomia estendido a todos?
A resposta é negativa: a liberdade de disposição sobre a organização econômica familiar não está disponível a todos, sem exceção. Muito embora haja a previsão de que aos casais é permitida a escolha do regramento patrimonial que regerá a relação, o artigo 1.641 do Código Civil institui restrições, impondo o obrigatório regime da separação de bens em algumas circunstâncias. No rol daqueles que não possuem a liberdade de disposição sobre o patrimônio conjugal estão os que se casam sem observar as causas suspensivas do casamento, os maiores de 70 anos e os que dependem de suprimento judicial para casar.
Para estes, o regime de bens que regrará a vida econômica do casal será o da separação obrigatória de bens, criando, assim, uma nova categoria de regramento. O regime da separação obrigatória de bens carrega consigo características próprias, como a exclusão do cônjuge ou companheiro do rol de herdeiros concorrentes na herança ao lado de descendentes (artigo 1.829, I, do Código Civil), e a aplicação da Súmula nº 377 do STF, que estabelece que "no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento".
Nessa perspectiva, a restrição da liberdade de escolha do regime matrimonial instituída por lei visa, especialmente com relação aos idosos, a proteção do seu patrimônio e dos interesses dos seus herdeiros. O que há, em outras palavras, é uma presunção de vulnerabilidade, assumindo que não possuem plena capacidade de discernir sobre a escolha do regime de bens que regerá as suas relações constituídas a partir desse marco etário, de modo que caberia ao Estado estabelecer o regramento que confere maior isolamento patrimonial entre os consortes.
As consequências da obrigatoriedade de vigência do regime separatório são diversas. No plano sucessório, como já mencionado, o cônjuge ou companheiro é retirado do rol de herdeiros quando houver descendentes, devendo, caso seja a intenção do casal instituir um ao outro como seu respectivo sucessor, recorrer para as ferramentas de planejamento, como o testamento. Nesse caso, o interessado pode formalizar a disposição de última vontade instituindo o cônjuge como herdeiro testamentário, respeitada a legítima, que deve ser reservada no caso de existência de outros herdeiros necessários (como ascendentes e descendentes).
Por outro lado, no caso de não haver deixado descendentes, o companheiro ou cônjuge, ainda que submetido ao regime da separação obrigatória, passa a compor a linha sucessória. Segundo o artigo 1.829, II e III, do Código Civil, não havendo descendentes, o consorte concorre com os ascendentes e, igualmente não subsistindo estes, o cônjuge ou companheiro é o único herdeiro a receber os bens deixados pelo falecido, seguindo a ordem de vocação hereditária.
Por outro lado, ainda mais sensível é o debate que circunda a aplicabilidade da Súmula n.º 377 do STF, uma vez que o seu teor implica medida de confusão patrimonial entre aqueles que estão submetidos ao regime da separação legal. Em que pese o texto estipule a comunicação dos "bens adquiridos na constância do casamento", atualmente é pacífico o entendimento de que, para que haja a comunhão do patrimônio, deve haver a comprovação do esforço comum para a sua respectiva aquisição (REsp nº 1.623.858).
A controvérsia, contudo, não finda aí. Considerando a impossibilidade de disposição sobre o regime de bens àqueles que se enquadram na hipótese etária, estariam, então, fadados à aplicabilidade da Súmula n.º 377 do STF e sua consequente comunicação parcial de bens, quando averiguado a existência de esforço comum. Sob essa perspectiva, o STJ lançou entendimento no sentido de que há a possibilidade de que os interessados afastem a aplicabilidade da mediante contratação própria — pacto antenupcial ou contrato de união estável —, fundamentalmente por se tratar de medida que impõe ainda maior proteção ao patrimônio do idoso, que é o propósito central do regime separatório em seu formato mandatório (REsp nº 1.922.347/PR).
Outra questão interessante aparece nos casos em que os interessados — sejam casados ou conviventes — vivem na relação conjugal desde antes de completarem 70 anos e, após essa idade, pretendem alterar o regime de bens, observados os requisitos legais previstos no artigo 1.639, §2º, do Código Civil. Esse debate ainda remanesce em aberto no âmbito dos julgamentos dos Tribunais Superiores. A prerrogativa de alterar o regime de bens é acompanhada da necessidade de 1) autorização judicial; 2) pedido motivado de ambos os cônjuges; e 3) resguardo do direito de terceiros. Atendidas tais premissas, e considerada como relativa e flexível a motivação dos interessados para o encaminhamento da alteração, é plenamente possível a modificação do regramento matrimonial durante a vivência da relação.
Contudo, a questão circunda a (im) possibilidade daqueles casados por um regime de bens, eleito quando inexistente qualquer restrição para a respectiva escolha, realizarem a sua alteração para qualquer outro, depois de completados os 70 anos. O STJ já decidiu, em casos com certa similitude, que, quando precedido da convivência em união estável enquanto o casal poderia escolher o regime de bens, o matrimônio constituído por maiores de 70 anos não estaria restrito ao regime da separação obrigatória (REsp nº 1.318.281).
Esta não é, entretanto, a solução derradeira para o debate, uma vez que não destrincha a possibilidade de realizar a alteração do regime de bens após o referido marco etário. Para desvendar tal controvérsia, há que se destacar que a escolha do regime de bens é prerrogativa diversa da sua alteração. Se, por um lado, os consortes poderiam escolher o seu regramento patrimonial à época do casamento ou união estável, deveria lhes ser restringida a alteração, se ocorresse depois de completados os 70 anos?
Em suma, diante da dinâmica das relações conjugais atuais, os indivíduos clamam, cada vez mais, por maior autonomia e liberdade de disposição acerca de sua organização patrimonial. Por outro lado, incumbe ao Direito acompanhar as transformações sociais tornando-se perenemente capaz de atender as demandas das relações familiares, comportando a adaptação daqueles vínculos constituídos sob um contexto que, nos moldes atuais, não mais refletem o desejo dos envolvidos. Assim, ainda que reconhecido o espaço de autodeterminação conquistado na seara patrimonial das relações familiares, há passos importantes a serem dados em busca da melhor adequação da norma e da vontade particular, especialmente em relação aos maiores de 70 anos, que ainda enfrentam restrições mais significativas no âmbito econômico do Direito de Família a serem enfrentadas pelos Tribunais Superiores.