Opinião

Direito ao esquecimento: das discussões no STJ à palavra final do STF

Autor

  • Bruna Mirella Fiore Braghetto

    é especialista em Direito Corporativo e Compliance pós-graduada em Processo Civil e Direito Civil pela Escola Paulista de Direito graduada em Direito pela Universidade Católica de Santos sócia e advogada no escritório Pallotta Martins palestrante instrutora in company e autora de artigos e professora convidada para cursos e eventos.

6 de maio de 2022, 12h02

O direito ao esquecimento surge em uma discussão muito recente em razão das mídias sociais. Discute-se se a pessoa teria o direito de, em algum momento, poder esquecer fatos de seu passado.

Neste caso, há uma contraposição entre o direito à intimidade e o direito à informação. Ou seja, o direito da imprensa de cobrir determinados fatos em relação a uma pessoa deve se sobrepor ao direito desta pessoa de, em algum momento, ter esses fatos esquecidos?

A ideia é que, com a passagem do tempo, diminuiria o interesse jornalístico, aumentando o direito da proteção à intimidade e à imagem.

Essa discussão surgiu no direito europeu, mas foi incorporada no Brasil na 6ª Jornada de Direito Civil, no enunciado 531. Segundo esse enunciado, a tutela da dignidade da pessoa humana implica no direito ao esquecimento. Esta doutrina cita como amparo o artigo 11 do Código Civil, apontando o direito ao esquecimento como direito inerente ao direito à personalidade e direito à imagem.

A 4ª Turma do STJ já adotou esta teoria em dois precedentes. O primeiro precedente era uma reportagem sobre um caso de estupro ocorrido em 1958, sendo que o entendimento do STJ foi no sentido de que a família teria direito ao esquecimento, ou seja, os familiares não poderiam ser associados a um crime do qual um familiar foi vítima há décadas.

O segundo precedente ocorreu no caso da "chacina da Candelária", em 1993, onde uma pessoa que foi inocentada pelo crime foi citada em uma reportagem sobre o crime, associada com outras pessoas que foram condenadas. Nesse caso, se entendeu que aquela pessoa inocentada tinha o direito de ser esquecida, o que não quer dizer que a imprensa não possa relembrar o fato, porém, não deve associá-lo a determinadas pessoas por décadas a fio.

Uma crítica que se faz a esta teoria é que ela feriria o direito à liberdade de imprensa, ou seja, uma espécie de censura. Contudo, em ambos os casos, o STJ permitiu que a reportagem fosse ao ar, de forma que não houve censura à reportagem em si, porém, garantiu o direito à indenização

Todavia, o STF, ao decidir sobre o tema, adotou posicionamento inverso ao que vinha sendo adotado pelo STJ. Por decisão majoritária, em fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu que é incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento que possibilite impedir, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos em meios de comunicação. Segundo a Corte, eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, com base em parâmetros constitucionais e na legislação penal e civil.

Através deste caso, o tribunal, por maioria dos votos, negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 1.010.606, com repercussão geral reconhecida, em que familiares da vítima de um crime de grande repercussão nos anos 1950, no Rio de Janeiro, buscavam reparação pela reconstituição do caso, em 2004, no programa Linha Direta, da TV Globo, sem a sua autorização.

Cármen Lúcia fez referência ao direito à verdade histórica no âmbito do princípio da solidariedade entre gerações e considerou que não é possível, do ponto de vista jurídico, que uma geração negue à próxima o direito de saber a sua história. "Quem vai saber da escravidão, da violência contra mulher, contra índios, contra gays, senão pelo relato e pela exibição de exemplos específicos para comprovar a existência da agressão, da tortura e do feminicídio?", refletiu.

Anteriormente a este caso, em 2017, o STF julgou famosa ação interposta por Xuxa, a qual ajuizou ação para que o Google não mais apresentasse qualquer resultado quando utilizada a expressão "Xuxa pedófila" ou, ainda, qualquer outra que associasse seu nome, escrito parcial ou integralmente, e independentemente da grafia, se correta ou equivocada, a uma prática criminosa qualquer, sob pena de pagamento de multa cominatória.

Quando confrontado com o caso, o STJ decidiu que os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação do URL da página onde este estiver inserido.

Ao ser submetido ao STF, a decisão do STJ foi corroborada, afirmando a Corte não haver ofensa à Constituição.

No direito europeu, frequentes são os casos em que determinadas mídias são condenadas a retirarem reportagens do ar, todavia, isso no Brasil teria um conflito constitucional, solucionado através da técnica da ponderação. Através desta técnica, foi decidido que o direito à informação tem superioridade ao direito da personalidade, o qual, todavia, pode ser reparado em caso de excesso ou ofensa.

Autores

  • Brave

    é especialista em Direito Corporativo e Compliance, pós-graduada em Processo Civil e Direito Civil pela Escola Paulista de Direito, graduada em Direito pela Universidade Católica de Santos, sócia e advogada no escritório Pallotta Martins, palestrante, instrutora in company e autora de artigos e professora convidada para cursos e eventos.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!