Licitacões e Contratos

A Lei nº 14.133/2021 e as 'linhas de defesa' das 'contratações'

Autor

  • Jonas Lima

    é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

6 de maio de 2022, 8h00

De forma inédita, quanto ao aspecto de "controle das contratações", o artigo 169 da Lei nº 14.133/2021, a nova Lei de Licitações, estabelece que "as contratações" públicas estão sujeitas às seguintes "linhas de defesa":

Spacca
"I primeira linha de defesa, integrada por servidores e empregados públicos, agentes de licitação e autoridades que atuam na estrutura de governança do órgão ou entidade;
II segunda linha de defesa, integrada pelas unidades de assessoramento jurídico e de controle interno do próprio órgão ou entidade;
III terceira linha de defesa, integrada pelo órgão central de controle interno da Administração e pelo tribunal de contas".

Diante desses termos, surgem perguntas:

1) A defesa será das contratações e não da legalidade, princípio do artigo 37 da Constituição Federal?

2) Se existem linhas de defesa, quem será o inimigo (licitante vencedor, licitante prejudicado ou agente público)?

Todos sabem que é louvável a iniciativa de regrar a matéria e que o artigo 170, §4º, da mesma lei até estabelece que "qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica poderá representar aos órgãos de controle interno ou ao tribunal de contas competente contra irregularidades na aplicação desta Lei".

Mas é de se lamentar que, na prática, tenha ocorrido a nítida ênfase em processos de ambiente de atuação restrita, sob o rótulo de controles interno e externo, nos quais, em muitos dos casos, particulares não são admitidos como "partes interessadas" e nos quais a tônica é defender a contratação propriamente dita, a qualquer custo, considerando o particular como um inimigo. Por isso, chama atenção o termo "defesa", ainda mais quando se sabe que a praxe nesses processos de controle é inadmitir o particular/terceiro nos seus trâmites, com o repetido e generalista argumento de que interesse particular deve ser buscado no Judiciário.

Com profunda vênia, essa cultura de blindagem dos processos de controle interno e externo implica em afastamento de várias garantias fundamentais do artigo 5º da Constituição Federal, porque o que for decidido em processos dessa natureza, sim, terá efeitos contra o particular, mas a ele não lhe será aberta chance de exercício das suas mais elementares garantias constitucionais, pois nem mesmo a condição de interessado lhe será autorizada, a considerar pelo cenário atual.

Prova disso é que na grande maioria dos casos apenas é admitida como parte interessada a empresa que vence uma licitação, enquanto a outra que trata da ilicitude tem papel apenas de figurante inicial, não podendo exercer suas garantias fundamentais, como ampla defesa e contraditório, em processo no qual, havendo decisão de confirmar contratação da vencedora da licitação, por outro lado, ele, o representante que levou a matéria ao controle interno ou externo, terá contra si, como reflexo, uma decisão desfavorável e concretamente prejudicial, em processo no qual não teve permissão para prática de atos ou manifestações e recursos.

Essa cultura é tão arraigada no Brasil que a nova lei trouxe a forte carga de elemento de defesa da contratação em si (basta ver as tantas regras para se salvar a contratação), além de haver um tom de trabalho dos controles contra algum inimigo, que não se menciona quem seja, mas é evidente que será aquele que questionar a "contratação", a ser "defendida".

Máxima vênia, enquanto a Lei nº 9.784/99 (Processo Administrativo Federal) estabelece em seu artigo 9º que são legitimados aqueles que iniciem processos ou no direito de representação ou ainda aqueles que tenham direitos ou interesses afetados pela decisão a ser tomada, o que é coerente com as garantias constitucionais, a nova Lei de Licitações faz breve menção de que se pode acionar o controle interno ou o controle externo, mas nada no sentido de assegurar que aquele que assim o fizer tenha garantia de atuar no processo, como parte interessada.

Enquanto isso, por exemplo, nos Estados Unidos, muito se preza pelo controle administrativo com a via do Agency-Level Bid Protest, meio de resolução de situações ainda na origem e com previsões sobre a figura da interested party, ou seja, a parte interessada.

Mas o Brasil, infelizmente, tratou da matéria, dentro do controle, como se fossem necessárias linhas de defesa da contratação em si, com previsão de defesa contra algum inimigo que, em muitos casos, será aquele que questionar a contratação ilícita e que, diante dessa blindagem, precisará aumentar a conta de processos no Judiciário, quando o assunto poderia ser aclarado e decidido, respeitando legitimidade, interesse processual e garantias constitucionais, ainda na via administrativa.

Esse é um ambiente no qual muitas discussões de ordem constitucional e legal ainda vão surgir.

Autores

  • é advogado especialista em licitações e contratos, pós-graduado em Direito Público pelo IDP e Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e sócio do escritório Jonas Lima Sociedade de Advocacia.

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