Opinião

Os impactos da tecnologia blockchain sob o prisma da propriedade intelectual

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5 de maio de 2022, 15h12

A tecnologia blockchain consiste em um registro distribuído/descentralizado que, dependendo da forma como é construída, soluciona um dos principais problemas da internet convencional atual:  a segurança dos dados. Metaforicamente, imagine que a blockchain é um livro onde você pode registrar qualquer tipo de informação, e cada página deste livro tem uma característica única, rastreável, e é criptografada e conectada com as demais páginas. A verificação e autenticação das informações a serem registradas são feitas por meio do consenso de rede, que é alcançado pela comunicação entre os nós dessa rede. Os ditos "nós de rede" são os participantes de uma rede blockchain específica, que são computadores trabalhando em conjunto para validar os registros, e cada nó de rede possui uma cópia em tempo real desse banco de dados, o que o torna distribuído e possivelmente descentralizado. Para alterar qualquer tipo de informação, é necessário haver um consenso entre a rede, semelhante à maneira como ocorre o registro dos dados, mas para que essa alteração de informações em uma página específica ocorra, é preciso que todas as anteriores e subsequentes também sejam alteradas, pois todas são interligadas umas às outras.

É por conta dos fatores da distribuição e descentralização do banco de dados e do mecanismo de consenso de rede que a blockchain se apresenta como uma tecnologia revolucionária, provendo segurança ao armazenamento de dados e, consequentemente, às aplicações. Além disso, a consulta aos dados registrados pode ser transparente (se assim configurada), o que permite o acompanhamento em tempo real por parte de diferentes usuários ao redor do mundo.

As principais discussões giram em torno da remodelação comercial e tecnológica que a utilização da tecnologia traz no globo. Isso porque a descentralização de sistemas de prestadores de serviços, pagamentos e até mesmo autoridades públicas, causaria um movimento de segurança e rastreabilidade nunca visto.

No tocante à propriedade intelectual, tal tecnologia é altamente promissora, seja para a possibilidade de facilitar o registro de um software ou de outras obras autorais, bem como de tornar as transações envolvendo outros direitos de propriedade intelectual mais previsíveis. Podemos citar alguns benefícios com a sua implementação, por exemplo: a redução do tempo e burocracia; automatização na verificação e comprovação de autoria de uma criação; rastreabilidade verificável. Contudo, assim como há potenciais benefícios, também há diversos desafios jurídicos, tecnológicos, sociais e regulatórios que permeiam toda essa mudança.

Um dos primeiros obstáculos que se pode constatar diz respeito ao tamanho de dados criados e a necessidade de uma capacidade de armazenamento extraordinária, para isso, conta-se também com o rápido desenvolvimento de outras tecnologias relacionadas à blockchain, para uma futura adaptação às demandas que surgirão. Além disso, a complexidade da tecnologia e da sua explicação e compreensão pode ser outro fator de dificuldade. Não há como negar que será necessário treinamento e persuasão para a utilização da tecnologia pelas autoridades.

Há que se falar ainda sobre a falta de regulação da tecnologia para Propriedade Intelectual podendo ser vista como um entrave, pois ainda não existem limitações legais ao seu uso. Assim, além do desafio tecnológico e social, há também a questão legal, que pode vir a se tornar um obstáculo para a adoção e desenvolvimento da tecnologia.

No Brasil, a tecnologia já vem sendo testada pela Receita Federal, que utiliza da rede permissionada da bConnect  ferramenta desenvolvida pela Serpro — para compartilhar e trocar dados entre os países do Mercosul, os quais figuram como nós dessa rede. Além do b-Cadastros, que é uma plataforma para compartilhamento de dados cadastrais com órgãos públicos e entidades conveniadas. Ademais, vale citara iniciativa da CVM de lançar o seu sandbox regulatório, ambiente no qual empresas que executam um modelo de negócios baseado na tecnologia blockchain são autorizadas pelo Banco Central do Brasil a testar seus projetos inovadores na área financeira ou de pagamento.

Ainda no ramo do direito autoral, muito tem se falado sobre os NFTs (Non Fungible Tokens), Tokens Não Fungíveis, em tradução livre. Essa nova tecnologia possibilita a disponibilização de um certificado digital de autenticidade, sinalizando a anterioridade e propriedade de criações a partir da tecnologia blockchain, ao gerar um código de certificação que torna o ativo um bem único. A tecnologia NFT tem possibilitado a criação de uma escassez digital, tornando os itens criptografados colecionáveis e exclusivos.

A tecnologia NFT no mundo das artes tem sido propagada como um modelo de proteção dos Direitos Autorais no ambiente digital, para dar garantias de origem no comércio das obras artísticas, bem como maior segurança jurídica aos contratos. Contudo, enquanto por um lado existem correntes que creem ser o NFT uma revolução no direito autoral, protegendo obras e garantindo autenticidade e propriedade no ambiente digital, por outro, há quem aponte a nova tecnologia como mais uma forma de autenticidade e registro. Independentemente das vertentes ou opiniões, cada vez mostra-se inegável que "a tecnologia funciona como uma ferramenta a serviço da capacidade artística e criativa". A partir da tecnologia NFT, percebe-se um potencial presente nas estruturas digitais para reinventar e reformular meios de proteger a autenticidade de obras autorais, garantindo a infungibilidade desses bens.

O registro criptográfico de tokens realizados a partir da tecnologia blockchain permite a sua manutenção e comercialização com segurança, sendo um meio seguro e eficaz de registro de obras tanto físicas como digitais, porquanto o token gerado é associado à obra, numa espécie de "assinatura" do autor. Nesse sentido, a tecnologia pode ajudar artistas e criadores a monetizar de forma mais assertiva seus trabalhos. Um exemplo disso é o caso é o da Microsoft, que passou a se utilizar da tecnologia para gerenciar e rastrear contratos de royalties de parceiros, criadores de conteúdo, músicos e demais artistas vinculados ao ecossistema dos jogos, buscando assim descentralizar o sistema e agilizar o pagamento de direitos autorais.

Contudo, vale ressaltar que o NFT não concede automaticamente a propriedade de uma obra digital, funcionando apenas como um recibo que indica que se possui uma versão do trabalho, mantendo-se como titular o autor. Da mesma forma, o registro em blockchain de obra passível de proteção pelo direito autoral não significa que a autoria seja do registrador e a data de criação a do registro, mas apenas auxilia em caso de litígios e necessidade de comprovação da autoria e anterioridade. Nota-se ainda que, em relação à legislação autoral brasileira, não haveria contrariedade ao uso de tais mecanismos, pois a proteção de obras autorais independe de registro, funcionando as ferramentas em blockchain como acessórias.

Nessa toada, se constata que, por mais embrionário que seja o assunto, o caminho da utilização da tecnologia é inevitável. Quando o tema encosta na área de propriedade intelectual, apesar de todos os desafios, diversas são as possibilidades de uso e benefícios advindos dessa tecnologia. Por isso, o caminho é acompanhar essas novas tecnologias buscando transver o direito e formulando novas regulamentações que acompanhem essas novas necessidades de mercado.

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