Opinião

Controvérsias sobre o desconto para quitação do ITCD mineiro

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4 de maio de 2022, 11h03

A legislação mineira, ao tratar do ITCD (Imposto sobre Transmissão Causa mortis e Doação), prevê a concessão de desconto de 15% para pagamento do imposto à vista. Exige-se, para tanto, que o contribuinte não omita ou falseie informações na Declaração de Bens e Direitos, a qual deve ser entregue em até 90 dias contados do óbito [1]. Na prática, a alíquota cai de 5% para 4,25%.

Comumente, contudo, o contribuinte entrega a DBD (Declaração de Bens e Direito) no prazo, paga o imposto com o desconto e depois é notificado pelo Estado sobre a existência de um bem/direito não declarado (supostamente omitido). Nesta hipótese, se já passados os 90 dias, o imposto é recalculado pelo fisco sobre a totalidade dos bens (incluindo o "novo" bem), e o desconto é desconsiderado por completo.

Neste contexto, surgem os seguintes questionamentos: o ato de omitir informação na DBD equivale a qualquer não declaração de bem, como tem entendido o fisco? Ou dita omissão está vinculada à uma conduta dolosa do contribuinte? Ou pelo menos culposa?

Para que estas perguntas possam ser adequadamente enfrentadas, faz-se necessária uma análise minuciosa do dispositivo legal, na parte em que prevê a perda do desconto quando o contribuinte "omitir ou falsear as informações na declaração".

Omitir uma informação é o ato de silenciar sobre ela, a despeito de conhecê-la. Com intenção (dolo), ou apenas culposamente (negligência em esquecê-la, por exemplo).

Se a pessoa não conhece determinada informação, não há como omiti-la. Nesta hipótese, não há omissão, mas ignorância sobre o fato. Logo, se a pessoa omite algo, é porque ela tem a intenção de agir dessa forma (dolo), ou por descuido/esquecimento (culpa).

Decisões do Conselho de Contribuintes de Minas Gerais (CCMG), e também do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), confirmam a manutenção do desconto, quando se comprova que o contribuinte desconhecia o bem não declarado, não havendo, assim, na visão dos julgadores, uma omissão:

"Não obstante, não há nos autos elementos que permitam a conclusão de que houve omissão ou falseamento das informações bancárias, posteriormente levadas ao conhecimento do Fisco para tributação.
Veja-se que, considerando a possibilidade de desconhecimento de bens no momento do inventário, a legislação previu o acerto da seguinte forma:" [2].
"No caso em apreço não se trata de hipótese de falseamento ou omissão, porquanto o desconhecimento com relação aos bens foi alheio à vontade da inventariante" [3].

Assim, nos termos da legislação e da jurisprudência, a omissão, de fato, pressupõe o conhecimento prévio acerca do bem/direito.

Seguindo na análise do dispositivo, embora, em termos genéricos, a conduta de "omitir" possa ser dolosa ou culposa, verifica-se que, pela estruturação topológica da lei, a omissão que acarreta a perda do desconto é aquela intencional. Vale notar que o verbo omitir está junto do verbo falsear, o que permite concluir pela equivalência destes termos, no que se refere à intenção negativa do contribuinte: prestar declaração falsa ao fisco, ou sonegá-la ao fisco.

Ademais, não seria razoável interpretar que um contribuinte que falsifica determinada informação seja punido com o mesmo rigor que um contribuinte que omite uma informação, porém sem a intenção de fazê-lo. Também por esta razão, omitir e falsear são termos que devem ser analisados num mesmo patamar jurídico, como condutas ilícitas, penalizadas na seara penal (crimes de sonegação e falsificação, respectivamente).

No Conselho de Contribuintes de Minas Gerais (CCMG), as decisões corroboram esta colocação, exigindo que a omissão, apta a gerar a perda do desconto, seja intencional. Neste sentido, voto da ex-Conselheira Luciana Mundim [4]:

"Por sua vez, o §2º do mesmo dispositivo regulamentar apresenta duas hipóteses de perda do desconto previsto no caput.
A primeira é o descumprimento da exigência contida no §1º, que se refere à entrega tempestiva da Declaração de Bens e Direitos, ao passo que a segunda faz referência à omissão ou falseamento das informações na declaração, pressupondo a existência de um elemento doloso no fornecimento das informações ao Fisco, a saber:".

Outro acórdão do CCMG, manifestando o mesmo raciocínio[5]:

"A legislação posta visa exatamente coibir a sonegação, fraude e má fé, seja através da omissão de bens, ou da subavaliação dos mesmos, e no presente caso, torna-se claro que jamais houve a intenção de lesar o Fisco.
Portanto, a literalidade da lei, que tem como finalidade coibir a conduta delituosa, aqui não se aplica. Devendo ser apreciada de forma a levar seus benefícios àquele contribuinte que lhe é merecedor, e da mesma forma, aplicar seus rigores aqueles que pautam sua conduta em desacordo com as diretrizes fixadas na legislação".

De fato, na linha das decisões do CCMG, o objetivo da legislação é premiar, de um lado, os contribuintes de boa-fé, que não escondem do fisco os bens herdados; e, de outro lado, agravar o imposto para aqueles que intencionalmente omitem os bens no inventário.

Ainda que assim não se entenda, então deve-se, no máximo, delimitar a interpretação do termo "omitir" como um ato culposo, sob pena de se violar o próprio significado do termo. De modo que, perderá o desconto aquele contribuinte que deixar de informar um bem por descuido/negligência; mas nunca por desconhecimento, já que não se omite aquilo que se ignora.

A despeito da pacificação da jurisprudência, a administração tributária não está vinculada ao entendimento. Em virtude disso, em 2021 foi apresentado na Assembleia Legislativa o Projeto de Lei 2.918, propondo que a perda do desconto, vinculada à omissão de informação na DBD, exigisse o dolo [6].Contudo, esta proposição foi excluída do texto aprovado no primeiro turno de votação [7].

Neste contexto, os contribuintes seguem sujeitos aos arbítrios da fiscalização, cabendo, por outro lado, a adoção de medidas preventivas para garantir a efetividade do direito assegurado na legislação estadual.


[1] Decreto 43.981/2005:

"Artigo 23. Na transmissão causa mortis, observado o disposto no §1º deste artigo, para pagamento do imposto devido será concedido desconto de 15%, se recolhido no prazo de 90 dias, contado da abertura da sucessão.

§1º A eficácia do desconto previsto neste artigo está condicionada à entrega da Declaração de Bens e Direitos, a que se refere o artigo 31, no prazo de 90 (noventa) dias, contado da abertura da sucessão.

2º O contribuinte perderá o desconto usufruído sobre o valor recolhido quando:

I – não entregar a Declaração de Bens e Direitos a que se refere o art. 31 ou entregá-la após o prazo de 90 (noventa) dias, contado da abertura da sucessão;

II – omitir ou falsear as informações na declaração de que trata o inciso I".

[2] PTA 16.001383909-98, acórdão 22.937/18/1ª.

[3] Processo 5122150-56.2018.8.13.0024, julgado em 25/05/2021.

[4] PTA 15.000031026-19, acórdão 22.081/16/3ª.

[5] PTA 15.000002016-75, acórdão 19.465/09/1ª.

[6] "Artigo 10-A – O contribuinte perderá o desconto usufruído sobre o valor recolhido quando:

I – não entregar a Declaração de Bens e Direitos ou entregá-la após o prazo de 90 (noventa) dias, contado da abertura da sucessão;

II – omitir ou falsear as informações na declaração de que trata o inciso I.

§1º – A omissão, de que trata o inciso II, pressupõe a existência de um elemento doloso no fornecimento das informações".

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