Opinião

A recuperação judicial nas empresas aéreas

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4 de maio de 2022, 20h22

Apesar de a recuperação judicial ser um meio para recuperar e transformar empresas, redirecionando-as para uma reestruturação positiva e transformação, com seu soerguimento, no meio aéreo há uma crescente dificuldade, com extinção de muitas companhias, pois deixam dúvidas quanto a efetiva capacidade econômica de continuarem operando, por diversos fatores, principalmente pela gigantesca tributação, o alto custo operacional, com a compra ou arrendamento de aeronaves, manutenção, o custo do querosene aéreo, a alta competitividade no mercado de aviação civil e o custo das passagens aéreas.

Vemos que se mostra quase que improvável uma empresa aérea no Brasil se submeter a recuperação judicial, sendo imprescindível a injeção de dinheiro novo, readequação da malha, revisão dos slots e a questão do arrendamento das aeronaves. A exemplo disso podemos citar a empresa Itapemirim, a qual trouxe enormes prejuízos, não pagando seus empregados, intervenção do Ministério Público na esfera criminal com bloqueio de bens do controlador e medidas protetivas, uma vez que o grupo em recuperação teria injetado recursos em paraíso fiscal.

A crise aérea é evidente e possui aspectos preocupantes, onde o expressivo número de funcionários demitidos, o alto endividamento, a retomada, pelos arrendadores, da maioria das aeronaves da empresa e a existência incerta de ativos, ainda mais depois da redistribuição de slots (autorização para pousos e decolagens) pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) após a recuperação judicial da Avianca.

Um dos aspectos da dificuldade das empresas aéreas diz respeito as mudanças legislativas introduzidas pela Lei 14.112/2020, especificamente com relação ao crédito tributário, onde representa grande retrocesso, considerando o fator tributação e a enorme dificuldade em renegociar o passivo e continuar a pagar.

Outro ponto diz respeito a retomada de bens. No instituto da Recuperação Judicial, após seu deferimento, há a suspensão das ações e execuções pelo prazo de 180 dias (artigo 6º, §4º, da Lei de Recuperação Judicial e Falência, LRF) que, com alteração dada pela Lei 14.112/ 2020, este prazo poderá ser prorrogado por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não tenha concorrido com a superação do lapso temporal.

Durante esse período, é proibido retirar do estabelecimento do devedor os "bens de capital essenciais a sua atividade empresarial" (artigo 49, §3º, da LRF), restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.

Todavia, a LRF (Lei 11.101/2005) estabelece algumas exceções importantes para empresas aéreas, onde em nenhuma hipótese ficará suspenso o exercício de direitos derivados de contratos de locação, arrendamento mercantil ou de qualquer outra modalidade de arrendamento de aeronaves ou de suas partes, conforme o artigo 199, §1º da LRF, ainda que as aeronaves sejam notoriamente os bens mais essenciais às atividades da companhia aérea, vindo prevalecer os direitos de propriedade sobre a coisa relativo aos contratos ou de suas partes.

Embora pareça contraditório, a lei estabeleceu uma hipótese específica em que o legislador quis afastar as companhias aéreas absolutamente inviáveis à recuperação, pois se não possuem condições de obter suas aeronaves ou a honrar com o pagamento dos arrendamentos, se mostra inviável para recuperação.

Temos duas discussões a respeito da retomada dos bens essenciais, pois mesmo tratando-se de recuperação de empresas aéreas, deve-se levar em consideração o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade (proibição de excesso) com a retomada das aeronaves ou de suas partes, ou seja, bens essenciais as atividades das empresas, inserto no artigo 5, §2º da Constituição, pois de um lado há o interesse do credor, que busca reaver o bem arrendado, protegido pela própria lei e por outro lado pelo instituto da preservação da empresa.

Caberá ao juiz e a cada caso concreto, avaliar se é caso de entrega do bem ao credor ou se este bem pode ficar mantido na posse do devedor enquanto perdura a ação de reintegração de posse, possibilitando a este (devedor) utilizar-se do bem até e principalmente para que possa existir um real plano de reorganização, englobando inexoravelmente o credor com garantia real.

Sabe-se que, deferida liminar para apreensão do bem em ações de busca e apreensão ou reintegração de posse, dificilmente a empresa em crise e sob o instituto da recuperação judicial, reunirá condições mínimas de continuar exercendo sua atividade econômica, diante da imprescindibilidade justamente daquele bem entregue ao credor, no caso das empresas de aviação. Deve-se levar em conta todos os fatos que envolvem a crise empresarial deste devedor e a análise para seu soerguimento, pois interpretar literalmente o artigo 199 irá desestabilizar a recuperação e ferir o contido no artigo 47 da Lei 11.101/2005.

No entanto, um exemplo dessa situação foi com a Avianca Brasil, onde o juiz de primeira instância, em exceção ao artigo 199 da LRF deferiu a suspensão das ações e proibiu a retomada das aeronaves pelos arrendadores, em razão do princípio da preservação das empresas, mas o Tribunal de Justiça cassou referida decisão, baseando-se na premissa de que se a empresa não possui recursos suficientes para cumprir regularmente os contratos de arrendamento, onde a manutenção de suas atividades comerciais já estaria comprometida e inviável, vindo a ser decretada sua falência em julho de 2020.

A exemplo disso, a situação do Judiciário ficou insustentável, tendo que dar posição diversa a negativa do artigo 199, pois além da Lei 11.101/2005, o processo de recuperação de companhias aéreas deve observar a Convenção da Cidade do Cabo (promulgada pelo Decreto 8.008/2013), principalmente para entender o que pode acontecer com as aeronaves da empresa recuperanda, caso da Avianca Brasil, onde a maioria das empresas aptas para o leasing são estrangeiras.

Veja-se que essa foi uma das alterações da Lei de Recuperação Judicial, com a inclusão do capítulo da Insolvência Transnacional, que veio equiparar os credores estrangeiros e nacionais, num processo que tramita perante a Justiça Brasileira, sendo um aspecto importante, com a colaboração internacional entre os juízes e países, favorecendo os investimentos.

Com esse decreto, visou criar um sistema padronizado de garantias válidas em todos os países que aderissem ao termos da convenção, devido ao alto custo das aeronaves, pois a situação passou a ser preocupante, tanto para os arrendadores como principalmente para a mercando internacional de aviação, pois as empresas no Brasil estariam usando o instituto da recuperação judicial como meio de transferir os riscos de suas atividades comerciais aos arrendadores e que em hipóteses assim, outra alternativa não resta, senão a convolação da recuperação judicial em falência e o encerramento das atividades.

Diferentemente ocorreu com a Avianca Holdings, Grupo com sede na Colômbia e Peru, que teve seu plano de reestruturação aprovado pela justiça nos Estados Unidos (Chapter 11) em novembro de 2021, chegando a um acordo com os seus credores após 18 meses de negociações.

Vale lembrar que o grupo não tem vínculo com a Avianca Brasil e um dos instrumentos utilizados para esse sucesso, trata-se de financiamentos, o mecanismo do DIP (Debtor-In-Possession), onde o credor participa com todos os riscos da reestruturação financeira e operacional do negócio e, em troca, tem garantias para trocar seu empréstimo por ações da empresa, mesmo instrumento utilizado pela Latam e pela Aeroméxico, que também caminham em seus processos de reorganização financeira.

No caso da Latam, essa tomou a decisão de ingressar com seu pedido de recuperação judicial em solo americano ao fato de lá se encontrarem seus maiores credores e consequentemente, onde poderia ocorrer o maior risco de ter um pedido de falência.

Na opção da recuperação em solo americano, não há esse risco de retomada de bens, pois os arrendadores se submetem às regras do juízo da falência e outro motivo que, inclusive, demonstra um cunho mais econômico da decisão é que, nos EUA, podemos observar a presença do mecanismo do DIP, que mitiga o risco de novos investidores encorajando-os a aportar capital em empresas com dificuldades financeiras.  

O DIP impulsiona o investimento que vai criar o "dinheiro novo", ajudando no caixa da empresa, reestruturando a operação, possibilitando suprir a falta de fluxo de caixa e dando fôlego a viabilidade do negócio, proporcionando ao financiador um direito absoluto, onde não perderá sua garantia.

Essa modalidade não é novidade no Brasil, mas foi introduzida com a reforma da Lei de Falências Recuperação de Empresas (nº 14.122/2020), nos artigos 69-A e seus subsequentes, onde será injetado dinheiro, sem que a empresa oferte bens como garantia, sendo que estes financiadores terão preferência no recebimento de seu crédito em caso de falência, mas há um longo caminho a ser percorrido e que enseje maior segurança.

Ao contrário do que ocorre em outros países, não há benefício semelhante na lei brasileira, não havendo um mercado aquecido de compra de ativos estressados. Isso faz com que os potenciais investidores se afastem de empresas em processo de recuperação, pois não há qualquer garantia e muito menos regras que facilitem a liquidação de ativos para obtenção de capital e esses motivos dificultam a capitalização das empresas que precisam de financiamento para obter uma chance de, efetivamente, recuperarem sua operação.

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