Opinião

Parem de falar de concessão da Cedae do Rio de Janeiro

Autor

  • Riley Rodrigues de Oliveira

    é economista e assessor especial da Secretaria de Estado da Casa Civil do Governo do Rio de Janeiro com 17 anos de experiência como consultor em projetos do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Banco Mundial.

3 de maio de 2022, 20h43

Primeiro ponto a destacar neste artigo: embora orientado a uma publicação jurídica, eu não sou advogado, sou economista, matemático e jornalista. Então qual a razão de escrever um artigo para a revista eletrônica Consultor Jurídico? Porque acredito que uma mídia como a ConJur não pode permanecer no erro de reiteradamente tratar as quatro concessões de serviços municipais de saneamento realizadas no Rio de Janeiro como um modelo de desestatização da Companhia Estadual de Águas e Esgoto.

Quem sou eu? Sou o economista responsável pela condução técnica de todo o processo de concessão, revisor de todos os documentos e da estrutura econômico-financeira do processo que resultou em quatro concessões que garantirão R$ 32 bilhões em Capex, R$ 76 bilhões em Opex, R$ 25 bilhões em outorgas fixas, R$ 10,5 bilhões em outorgas variáveis e, em 35 anos, um impacto projetado na economia de R$ 1,3 trilhão. Integro, na estrutura de governança da concessão, os comitês técnicos e o Conselho do Serviço de Fornecimento de Água e, pelo poder concedente, sou o responsável por todas as análises técnicas demandadas pelas concessionárias. Então, permitam-me considerar que entendo um pouco do que escreverei a partir do próximo parágrafo.

Ouço e leio a imprensa e muitos "especialistas" fazerem comentários equivocados sobre a concessão regionalizada dos serviços municipais de abastecimento de água e esgotamento sanitário em 46 municípios do estado do Rio de Janeiro, chamando de leilão da Cedae, concessão da Cedae, privatização da Cedae, venda da Cedae, doação da Cedae e outros termos menos educados. Me incomoda muito. Demonstra que sequer se deram ao trabalho de, superficialmente, fazer uma leitura dos documentos do edital, do contrato e seus anexos. Uma leitura rasteira evitaria iniciar seus comentários sempre deforma errada, tratando concessão municipal como desestatização de empresa estadual.

Vejamos: a titularidade dos serviços de saneamento básico é municipal (ou metropolitana), ponto incontroverso, até que se mude o entendimento da lei. Os municípios assinaram contratos de delegação para o governo do estado organizar os blocos regionais e realizar o leilão, ou seja, autorizaram a concessão regionalizada sob gestão do estado. A Cedae está sendo indenizada pelos ativos não amortizados devido ao encerramento antecipado dos contratos de programa e termos de convênio. 17 municípios onde a Cedae atua integral ou parcialmente não aderiram aos blocos regionais e mantiveram a titularidade dos serviços (cuja responsabilidade pela manutenção e investimentos será reintegrada nos próximos meses, pois a Cedae não apresentou proposta para manter os serviços, conforme determina o marco legal do saneamento básico — porque os municípios, isoladamente, são economicamente inviáveis). Só isso bastaria para que todos entendessem e não dissessem, menos ainda repetissem sistematicamente, que houve leilão ou qualquer ato de desestatização da Cedae.

Mas avancemos: A Cedae não é uma empresa 100% pública. É uma sociedade de economia mista, por ações, da qual o governo do estado é controlador, com 99,9996% das ações. Acionistas minoritários (individuais ou coletivos) possuem 0,0004% da companhia. É pouco, claro. Estimo que esse valor hoje seja da ordem de R$ 60 mil. Aqui, um adendo: uma sociedade de economia mista é uma estrutura societária de sociedade anônima na qual as ações são compartilhadas entre o estado e o mercado, no caso da Cedae, com o estado sendo o maior detentor das ações com direito a voto. Sua existência é permitida pelo artigo 5º, inciso III, do Decreto-Lei nº 200/1967, que trata da organização da administração pública federal. Retomando: a Cedae é listada na B3, a bolsa de valores do Brasil. Não tem ações negociadas, mas tem de se submeter a todas as regras da CVM, por exemplo. Assim, a desestatização passa pela oferta de ações que o governo do estado detém em seu poder. Assim, o processo natural, para a desestatização, seria a oferta pública de ações. Em nenhum momento foi ofertado qualquer lote de ações da Cedae. Assim, não houve qualquer modelo de desestatização da companhia.

Apesar de ser insípido, inodoro e incolor o fato de que não houve concessão da Cedae, permanecem jornalistas, especialistas e até advogados atuantes na área insistindo em falar em venda, privatização ou concessão da Cedae. Qualquer comentário que parte desse princípio está, na largada, errado. Toda análise que deriva desse pressuposto é um fruto da árvore envenenada. E muitos continuam mordendo esses frutos com volúpia.

Dentre um dos fatores que mais me chamaram a atenção está o livro "Marco Regulatório do Saneamento Básico: estudos em homenagem ao Ministro Luiz Fux", lançado pela Ordem dos Advogados do Brasil. Posterior à concessão dos serviços municipais de saneamento no estado do Rio de Janeiro, trata o processo de como um modelo de desestatização da companhia estadual em diversos momentos: página 275: Tal prática já tem sido incorporada em leilões recentes de concessão, como o da Cedae; página 344: O outro paradigma averiguado fora o leilão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae); página 355: Sem embargo, nas concessões da Cedae, a própria região metropolitana — e não a autarquia — figurou no certame como titular dos serviços; página 357: Entretanto, o tema da titularidade dos serviços de saneamento não apenas ensejou a necessidade de ajustes na modelagem jurídica das concessões durante a fase interna da licitação, como fundamentou o ato do estado do Rio de Janeiro, na qualidade de delegatário da região metropolitana, para rechaçar a ação política da Alerj e manter o leilão da Cedae; página 428: Exemplo de privatização neste caso se deu com o leilão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), ocorrido no dia 30 de abril de 2021.

A questão que se impõe é: por que, se é cristalino como a água tratada que o processo foi uma concessão municipal que ocorreu sob organização e gestão do governo estado por delegação dos municípios, continuam debatendo e fazendo afirmações erradas sobre a desestatização da Cedae? Honestamente, não sei. O próprio governo do estado tem parcela de culpa, pois durante anos falou em venda da Cedae e até contratou estudos para a desestatização da companhia, mas que, ao mudar de rumo, manteve o discurso, que passou a não refletir a verdade do processo. Entendo (mas não perdoo meus colegas) que jornalistas não especializados e que não são adeptos à leitura maçante de milhares de páginas de editais, termos de referência contratos e anexos tenham optado pela saída fácil, mesmo informando errado. Não aceito que os ditos especialistas em saneamento (meus colegas economistas, ambientalistas e outros) insistam em difundir uma inverdade ao falar de desestatização da Cedae. Mas é imperdoável que advogados, especialmente especializados em saneamento, cometam esse erro sistematicamente, assinem embaixo da afirmação errada e que veículos como a ConJur sejam usados para difundir a informação errada.

Novamente: não houve qualquer processo de desestatização (concessão, privatização, venda, doação) da Companhia Estadual de Águas e Esgoto. O que houve, como está claro nas primeiras páginas dos editais e dos contratos, foi a Concessão Regionalizada dos Serviços Municipais de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário.

Somente vamos ter discussões úteis sobre o tema quando iniciarmos pela informação correta. Não adianta querer dizer, como já me disseram, que se fala assim para as pessoas entenderem. Quem entende uma informação de forma errada não entende nada.

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    é economista e assessor especial da Secretaria de Estado da Casa Civil do Governo do Rio de Janeiro, com 17 anos de experiência como consultor em projetos do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Banco Mundial.

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